Paulo Baldaia* | Diário de Notícias | opinião
O episódio do apoio do primeiro-ministro a um candidato à presidência do Benfica mostrou, uma vez mais, que os interesses dos homens do futebol prevalecem sobre o interesse geral. O mais importante acabou por ser a defesa de Luís Filipe Vieira. Já António Costa podia ser tratado como acabou por ser, enxotado como cão com pulgas. Não é de excluir (é até muito provável) que a expulsão dos políticos da comissão de honra tenha sido concertada, mas imaginar que o primeiro-ministro se deixou subalternizar deve deixar-nos ainda mais perplexos. Política e futebol são como água e azeite, não se misturam. Como a água, a política é mais densa e sempre que alguém insiste em misturá-los acontece que o futebol, como o azeite, fica por cima. A perversidade destas relações revela-se nisso mesmo, na pouca importância dos representantes do povo quando aceitam fazer parte do séquito.
As ligações de políticos no ativo a clubes de futebol não começou agora e não é um exclusivo de António Costa e do Benfica. Recentemente, por exemplo, vários autarcas entraram para o conselho superior do FCP e isso inibe-os (é suposto) de tomar decisões em que o clube tenha interesse. E, assim sendo, não estão a cumprir com eficácia a função para a qual foram eleitos. Tudo isto é verdade, mas não deveria servir para sossegar os espíritos dos cidadãos adeptos do clube de António Costa e Filipe Vieira. Tanto mais que este episódio tem uma gravidade acrescida.
Emprestar a honra a um cidadão que é dono de uma empresa com um calote de centenas de milhões de euros, a um banco a que todos os portugueses estão a emprestar dinheiro, não é coisa que um chefe de governo deva fazer, porque é suposto estar indignado com o que isso lhe leva de impostos pagos pelos contribuintes. Como se não bastasse, esse mesmo cidadão está a braços com vários casos na justiça, com a agravante de um deles dizer respeito a uma suspeita de corrupção num tribunal superior e outro ser de fraude fiscal qualificada. Leu bem, as empresas do cidadão de quem o primeiro-ministro se fez testemunha abonatória podem ter provocado um rombo nas finanças públicas. Até parece que o guarda do galinheiro se afeiçoou à raposa.
Não perceber este erro é
especialmente surpreendente num político com a experiência de António Costa. A
não ser que, como sugeriu a ministra da Justiça em entrevista ao Observador,
nada disto tenha que ver com racionalidade. Pode ser um caso de paixão
assolapada, com o cidadão António Costa transformado num tifoso, vítima de
si próprio e de uma "contradição intima". Como se tivesse "uma
filha fora do casamento", é a comparação que ocorre a Francisca Van Dunem.
A outra explicação é mais prosaica e remete-nos para o interesse maior dos
políticos-alquimistas que passam a vida tentar transformar o que quer que seja
Aliás, por perceber está
igualmente a convicção que o primeiro-ministro tem da total inocência de Filipe
Vieira em todos os processos em que está envolvido. Que é feito do despacho
"à justiça o que é da justiça"? Não chega a presunção de inocência
que é devida a toda a gente que não tenha sentenças transitadas
*Jornalista
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