sexta-feira, 19 de março de 2021

A política de Biden para a China está condenada desde o início | Ramzy Baroud

#Publicado em português do Brasil

Ramzy Baroud* | Dossier Sul

Um movimento muito esperado da política externa americana sob a Administração Biden sobre como combater o crescimento econômico e as ambições políticas da China veio na forma de uma cúpula virtual em 12 de março, conectando, além dos Estados Unidos, Índia, Austrália e Japão.

Embora o chamado “Quad” não tenha revelado nada de novo em sua declaração conjunta, os líderes destes quatro países falaram sobre a “histórica” reunião, descrita pelo site “The Diplomat” como “um marco significativo na evolução do grupo”.

Na verdade, a declaração conjunta tem pouca substância e certamente nada de novo por meio de um plano sobre como reverter – ou até mesmo desacelerar – os sucessos geopolíticos de Pequim, aumentando a confiança militar e a presença em ou em torno de vias navegáveis estratégicas globais.

Durante anos, o “Quad” tem estado ocupado com a formulação de uma estratégia unificada para a China, mas fracassou na concepção de qualquer coisa de significado prático. Além das reuniões ‘históricas’, a China é a única grande economia do mundo que se prevê um crescimento econômico significativo este ano – e iminentemente. As projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI) mostram que a economia chinesa deverá crescer 8,1% em 2021 enquanto, por outro lado, de acordo com dados do Bureau de análise econômica dos EUA, o PIB do país diminuiu em torno de 3,5% em 2020.

O “Quad” – que significa Diálogo Quadrilateral de Segurança – começou em 2007, e foi ressuscitado em 2017, com o objetivo óbvio de repelir o avanço da China em todos os campos. Como a maioria das alianças americanas, o “Quad” é a manifestação política de uma aliança militar, ou seja, os Exercícios Navais Malabar. Este último começou em 1992 e logo se expandiu para incluir todos os quatro países.

Desde o “pivô para a Ásia” de Washington, ou seja, a inversão da política externa americana estabelecida, que se baseava em colocar maior foco no Oriente Médio, há poucas evidências de que as políticas de confronto de Washington tenham enfraquecido a presença, o comércio ou a diplomacia de Pequim em todo o continente. Além dos encontros próximos entre as marinhas americana e chinesa no Mar do Sul da China, há muito pouco mais a relatar.

Embora muita cobertura da mídia tenha se concentrado no pivô dos EUA para a Ásia, pouco tem sido dito sobre o pivô da China para o Oriente Médio, que tem tido muito mais sucesso como um esforço econômico e político do que a mudança geoestratégica americana.

A mudança sísmica dos EUA em suas prioridades de política externa resultou de seu fracasso em traduzir a guerra do Iraque e a invasão de 2003 em um sucesso geo-econômico decifrável como resultado da tomada do controle da maior parte do petróleo do Iraque – a segunda maior reserva comprovada de petróleo do mundo. A estratégia dos EUA provou ser um completo equívoco.

Em um artigo publicado no Financial Times em setembro de 2020, Jamil Anderlini levanta um aspecto fascinante. “Se petróleo e influência foram os prêmios, então me parece que a China, não os Estados Unidos, acabou ganhando a guerra do Iraque e suas consequências – sem nunca disparar um tiro”, escreveu ele.

Não só a China é agora o maior parceiro comercial do Iraque, como a enorme influência econômica e política de Pequim no Oriente Médio é um triunfo. A China é agora, de acordo com o Financial Times, o maior investidor estrangeiro no Oriente Médio e uma parceria estratégica com todos os Estados do Golfo – exceto o Bahrein. Compare isto com a confusa agenda de política externa de Washington na região, sua indecisão sem precedentes, ausência de uma doutrina política definível e a quebra sistemática de suas alianças regionais.

Este paradigma se torna mais claro e convincente quando compreendido em escala global. No final de 2019, a China se tornou líder mundial em termos de diplomacia, já que contava então com 276 postos diplomáticos, muitos dos quais são consulados. Ao contrário das embaixadas, os consulados desempenham um papel mais significativo em termos de trocas comerciais e econômicas. De acordo com os números de 2019 publicados na revista “Foreign Affairs“, a China tem 96 consulados em comparação com os EUA’, que tem 88. Até 2012, Pequim ficou significativamente atrás da representação diplomática de Washington, precisamente por 23 postos.

Onde quer que a China esteja diplomaticamente presente, segue-se o desenvolvimento econômico. Ao contrário da estratégia global desarticulada dos Estados Unidos, as ambições globais da China são articuladas através de uma rede maciça, conhecida como a Iniciativa Cinturão e Rota, estimada em trilhões de dólares. Quando concluída, a ICR está preparada para unificar mais de sessenta países em torno de estratégias econômicas e rotas comerciais lideradas pela China. Para que isto se materialize, a China rapidamente se moveu para estabelecer uma proximidade física mais próxima às vias fluviais mais estratégicas do mundo, investindo fortemente em algumas e, como no caso do Estreito Bab al-Mandab, estabelecendo sua primeira base militar ultramarina em Djibuti, localizada no Corno da África.

Em um momento em que a economia dos EUA está encolhendo e seus aliados europeus estão politicamente fragmentados, é difícil imaginar que qualquer plano americano para combater a influência da China, seja no Oriente Médio, na Ásia ou em qualquer outro lugar, terá muito sucesso.

O maior obstáculo à estratégia de Washington para a China é que nunca poderá haver um resultado em que os EUA alcancem uma vitória clara e precisa. Economicamente, a China está agora impulsionando o crescimento global, equilibrando assim a crise internacional dos EUA resultante da pandemia da COVID-19. Prejudicar economicamente a China enfraqueceria tanto os EUA quanto os mercados globais.

O mesmo é válido política e estrategicamente. No caso do Oriente Médio, o pivô para a Ásia saiu pela culatra em várias frentes. Por um lado, não registrou nenhum sucesso palpável na Ásia enquanto, por outro, criou um vácuo enorme para que a China redirecionasse sua própria estratégia para o Oriente Médio.

Alguns argumentam erroneamente que toda a estratégia política da China está baseada em seu desejo de meramente “fazer negócios”. Embora o domínio econômico seja historicamente o principal impulso de todas as superpotências, a busca de Pequim pela supremacia global dificilmente se limita às finanças. Em muitas frentes, a China ou já tomou a dianteira ou está se aproximando dela. Por exemplo, em 9 de março, a China e a Rússia assinaram um acordo para construir a Estação Internacional de Pesquisa Lunar (ILRS). Considerando o longo legado da Rússia na exploração espacial e as recentes conquistas da China no campo – incluindo a primeira nave espacial a pousar na área da Bacia do Pólo Sul-Aitken na Lua – ambos os países estão prontos para assumir a liderança na ressuscitada corrida espacial.

Certamente, a reunião do “Quad” liderada pelos EUA não foi histórica nem representou uma mudança no jogo, pois todos os indicadores atestam que a liderança global da China continuará sem obstáculos, um evento consequente que já está reordenando os paradigmas geopolíticos do mundo que estão em vigor há mais de um século.

*Ramzy Baroud é jornalista e editor do The Palestine Chronicle. Autor de cinco livros. Seu último é “These Chains Will Be Broken”: Histórias Palestinas de Luta e Desafio nas Prisões Israelenses” (Clarity Press). Dr. Baroud é pesquisador sênior não-residente no Centro para o Islã e Assuntos Globais (CIGA) e também no Centro Afro-Médio Oriente (AMEC). Seu site www.ramzybaroud.net

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