sexta-feira, 19 de março de 2021

Afinal, isto é um país de nacionalistas

Paulo Baldaia | TSF | opinião

Sobre a vacinação contra a Covid 19 há duas ou três coisas básicas que importa recordar a todo o momento, porque até as pessoas mais respeitáveis repetem disparates nacionalistas, como se estivessem a apresentar a solução para a pandemia.

A procura é muito superior à oferta e as vacinas faltam em todo o

mundo. Acontece até que a Europa tem contratada a aquisição de vacinas que chegam para inocular várias vezes toda a população europeia, quando se sabe que 90% da população dos 70 países mais pobres do mundo não receberão nenhuma vacina este ano.

Sim, no Reino Unido e nos Estados Unidos o processo de vacinação vai mais adiantado que na Europa, mas isso não significa que sejam melhores, significa que o fazem negando tudo o que defenderam até aqui. As fronteiras que se fecham para a exportação de vacinas são um regresso ao nacionalismo praticado pelos países que se dizem defensores do multilateralismo. Se a União Europeia fizer o mesmo para satisfazer as suas opiniões públicas, poderá ganhar uns dias no processo de vacinação, mas estará a desistir de liderar pelo exemplo.

Nesta batalha em que a vacina Oxford/AstraZeneca foi posta em causa, num momento em que há igualmente um conflito comercial, não falta quem se vire para Leste, julgando ver na Sputnik V, a salvação para imunizar a população europeia. Não se lembraram de questionar se a produção desta vacina chegaria para fornecer a Rússia, mais todos os países que já contratualizaram a vacina e ainda a vender à Europa. Basta fazer contas para perceber que não permitiria reforçar significativamente a capacidade europeia, a não ser que as vacinas fossem desviadas dos países pobres. Mesmo os que querem as vacinas a qualquer custo, não devem estar disponíveis para uma regressão civilizacional desta dimensão.

A história diz-nos que estes nacionalismos nunca levaram a bom porto e nesta questão são os especialistas a chamar-nos a atenção. Temem que, se tudo continuar como está, com uma parte do mundo a alta velocidade e a outra a passo de caracol, o vírus continuará a sofrer mutações, tornando as vacinas atuais menos eficazes. Basta olhar para o Brasil, país que ficou para trás na aquisição de vacinas e onde as variantes do vírus já são predominantes em vários estados, um laboratório a céu aberto. Dali, sairão outros países, com consequências no combate à pandemia, mesmo nos países que lideram a campanha da vacinação.

Na origem, a palavra pandemia significa todo o povo. Julgar que se extingue a doença, vacinando nos países ricos, é uma perda de tempo. O nacionalismo é, como outro qualquer egoísmo, uma burrice.

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