domingo, 14 de março de 2021

Angola | Cafunfo, o protectorado e a nova aliança política

Filomeno Manaças | Jornal deAngola | opinião

Os políticos Adalberto Costa Júnior, da UNITA, Abel Epalanga Chivukuvuku, do projecto PRA-JA Servir Angola, chumbado pelo Tribunal Constitucional, e Justino Pinto de Andradde, do Bloco Democrático, voltaram, na quarta-feira, a dar uma conferência de imprensa conjunta sobre as questões da actualidade do país. O tema do encontro com os jornalistas, desta vez, foi a proposta de revisão pontual da Constituição apresentada pelo Presidente João Lourenço.

A primeira conferência de imprensa do trio de políticos ocorreu a 18 de Fevereiro, na sequência do acto de rebelião protagonizado por um grupo de 300 cidadãos na vila de Cafunfo, a 30 de Janeiro, que consistiu numa tentativa, entretanto frustrada, de tomada de assalto e ocupação de um posto policial.

É normal, nas democracias, em qualquer parte do mundo, que políticos na oposição estabeleçam alianças para fazer frente ao(s) partido(s) que esteja(m) no poder, portanto, a governar. Até aqui, isso não é estranho, até porque temos como exemplo no Parlamento angolano a CASA-CE, que é uma coligação de partidos políticos, surgida em 2012, que, nas eleições realizadas nesse mesmo ano, conseguiu fazer eleger oito (8) deputados, e, no pleito de 2017, duplicou o número, passando para dezasseis (16).

Essas alianças reflectem, em certa medida, a dinâmica da actividade dos partidos que fazem oposição, mais concretamente da sua forma de pensar os acontecimentos políticos. Por outro lado, revelam também o peso, o quão forte é a força política que está no comando dos destinos do país. A base das alianças partidárias é, entretanto, fundamental para que o eleitor tenha uma percepção clara dos propósitos das formações nelas envolvidas. E esses propósitos não podem transmitir mensagens equivocadas em relação àquilo que é a História do país, em relação aos factos marcantes da vida do país, e, no caso concreto de Angola, em primeiro lugar, a luta contra o colonialismo português e toda a sorte de humilhações que representava e, em segundo lugar, a luta para manter o país como um Estado unitário, portanto, contra todas as tentativas de o dividir.

Ao eleger como pano de fundo da aliança que estabeleceram para a acção comum os acontecimentos na vila de Cafunfo, desencadeados sob o manto do Movimento do Protectorado da Lunda Cokwe, por diversas vezes referido pelo trio de políticos como tendo sido um "massacre” das forças policiais contra os insurgentes, Adalberto Costa Júnior, Abel Chivukuvuku e Justino Pinto de Andrade fizeram uma aproximação identitária à apologia da violência para subverter o poder legal e constitucionalmente instituído, à moda do assalto ao Capitólio levado a cabo pelos apoiantes de Donald Trump.

Mais grave do que isso é que, no aproveitamento político feito dos eventos de Cafunfo, sequer houve o cuidado de se demarcarem das pretensões de instalação de um protectorado em Angola. Da declaração conjunta, lida na altura, nem  uma linha consta. Ora vejamos! O dicionário online de português define o protectorado como "a situação de um Estado que é colocado sob autoridade de outro Estado, principalmente no que concerne às relações exteriores e à segurança. Os protectorados possuem geralmente alguma autonomia, mas a nação "protectora” tem a palavra final nos assuntos importantes. As potências protectoras conduzem todas as relações externas do protectorado, além de manipularem a sua defesa e as suas finanças”.

Se bem entendemos o que é um protectorado, tal significa o regresso do colonialismo ao país. Que Adalberto Costa Júnior, Abel Chivukuvuku e Justino Pinto de Andrade queiram ter algum protagonismo, é legítimo que assim seja, enquanto actores da cena política, mas, por favor, é preciso que saibam separar as águas. É que, diante desta realidade, somos obrigados a indagar-nos: além de Cafunfo, quantos mais protectorados a nova aliança política estaria pronta a apoiar?

A verdade é que muitos de nós ouvimos falar disso e não nos questionamos o real significado da palavra "protectorado”, sobre a questão de fundo que ele encerra, porque ao barulho dos acontecimentos se juntou o alvoroço feito pelo Adalberto, o Abel e o Justino, que atiraram mais achas à fogueira, pois o momento era propício para a oposição aparecer e capitalizar alguns apoios.

Mas, e então, a tão propalada defesa do carácter republicano das instituições vai até ao ponto de alinhar com o ataque de um grupo de 300 cidadãos, afectos a um movimento que defende um protectorado, contra uma dezena de agentes policiais que foram obrigados a tudo fazer para não serem linchados? E aqui a questão dos direitos humanos, que muitas vezes é colocada de forma obtusa, impele-me a questionar: os agentes da autoridade, só pelo facto de envergarem um uniforme, podem ser vítimas de sevícias sem reagir? Não são, também eles, beneficiários dos direitos humanos?

Que a oposição esteja ansiosa por apear o MPLA do poder, é normal que nutra esse desejo e que, no âmbito das disputas políticas, queira empenhar-se a fundo. Mas, é preciso que haja alguma racionalidade. Há valores e princípios que são intocáveis. O Estado unitário, o respeito pelas instituições que representam a expressão do poder do Estado e o respeito pelos agentes da autoridade são premissas de que não deve nunca abdicar quem quer ser Governo amanhã.

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