Carvalho da Silva* | Jornal de Notícias | opinião
Talvez seja tempo de os europeístas obsessivos reverem as suas crenças. Vejamos o que se tem passado na União Europeia (UE) e em muitos outros países, designadamente nos Estados Unidos da América (EUA), com o processo de aquisição e aplicação das vacinas, e com o da definição e implementação de pacotes financeiros - as chamadas bazucas.
No caso das vacinas, os estados da UE depositaram todas as fichas na Comissão Europeia, que mostrou não estar à altura dessa responsabilidade. Esta afundou-se num pântano de contradições e fragilidade política e entreteve-se em exercícios de mediação dos interesses das companhias farmacêuticas. Por outro lado, existem bloqueios estruturais insanáveis na estrutura política, orçamental e monetária da União, que os europeístas obsessivos tentam esconder. De tudo isso resulta que, apesar das respostas à pandemia confirmarem os sistemas de saúde, do geral dos países da UE, como os mais avançados do Mundo, a vacinação decorre a um ritmo lento comparado com, por exemplo, o dos EUA.
Quanto aos pacotes financeiros, a UE decidiu há quase um ano construir a sua bazuca. Seguiu-se uma propaganda intensa enaltecendo a celeridade da decisão e o seu volume. Entretanto, a pandemia prolongou-se para além do previsto tornando esse volume manifestamente insuficiente. E, quanto à sua concretização, até agora é só fumaça. Nos EUA, país onde os valores da solidariedade e da justiça social não são tão valorizados como na maioria dos países da União, Joe Biden tomou posse há dois meses e, desde o fim da semana passada, já está em implementação um pacote financeiro correspondente a 14% do PIB norte-americano. É um volume incomparavelmente superior àquilo que a bazuca europeia mais os esforços específicos de todos os países membros pode somar. Por que razão a UE se atrasa?
São várias as causas. A União Europeia está num processo de fragmentação com nuances diversas: impera a ligeireza na análise dos significados da saída do Reino Unido; é patente a fragmentação política em áreas sensíveis, desde logo perante novas realidades geopolíticas e geoestratégicas; persiste uma dicotomia entre "frugais" e "não frugais" que sustenta um sistema monetário e orçamental desadequado, injusto e causador de conflitos.
Numa parte dos países da UE, como Portugal, os europeístas obsessivos assumem os constrangimentos orçamentais como uma inevitabilidade, o que impede a adoção de medidas adequadas às circunstâncias com que cada país se depara. Assim, impera o medo do peso da dívida e o receio do regresso de políticas do Banco Central à "normalidade" dos juros elevados.
Os mecanismos e os tempos de decisão na UE são lentos porque as divergências se estão a aprofundar e os consensos são cada vez mais difíceis, porque o sentido do bem comum está a dissolver-se. Nos EUA não são seguramente esquecidos os interesses das empresas, mas vão chegar imediatamente 1400 dólares a cada pessoa de mais de 90% das famílias e são reforçados, nomeadamente, o subsídio de desemprego e o abono de família.
Se em Portugal for apresentada uma proposta deste tipo, a ser suportada pela bazuca e por investimento público do Estado, os seus autores serão alcunhados de loucos radicais. Todavia, não incomoda a pedinchice e o saque ao Estado por parte de grupos empresariais oportunistas e pelo setor financeiro.
*Investigador e professor universitário
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