sexta-feira, 26 de março de 2021

Guiné Equatorial | Abolição da pena de morte é uma promessa já com 7 anos

Apesar das promessas de Malabo, a pena de morte continua vigente na Constituição da Guiné Equatorial. Juristas do país dizem que a abolição requer legislação mais avançada. A CPLP prefere não comentar o assunto.

Desde 2014, após a entrada em vigor da moratória de adesão à Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), que não há execuções de pena de morte na Guiné Equatorial. Mas ainda vigoram na legislação equato-guineense artigos que contrariam as declarações oficiais. Um deles é o artigo 13.º da Constituição da Guiné Equatorial, que prevê que a pena de morte seja regulada por uma lei.

Ana Lúcia Sá, professora de Estudos Africanos no Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE), diz que o Código Penal de 1967 ainda está em vigor e o que está previsto é a sua substituição por um novo projeto legislativo, que não contemple a pena de morte.

No entanto, a investigadora alerta que "ainda no domínio das leis continuará a prevalecer no país o Código de Justiça Militar, que também é um legado colonial e que também prevê a pena de morte. Neste caso, pode aplicar-se às Forças Armadas e há a possibilidade de ser estendido aos civis."

A própria Constituição prevê que a pena de morte seja regulada por lei, acrescenta a analista portuguesa. "Ou seja, a partir do momento em que o Código Penal é revisto, mas o Código de Justiça Militar não, há a possibilidade de aplicação de pena de morte. Portanto, nunca estaremos no domínio de uma abolição total da pena de morte a não ser que haja posteriormente uma revisão constitucional e uma revisão do Código de Justiça Militar."

CPLP não comenta

A abolição da pena de morte foi uma das condições que a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) colocou em cima da mesa, em 2014, para a adesão da Guiné Equatorial à organização.

Em fevereiro passado, a Guiné Equatorial, por intermédio do seu vice primeiro-ministro que tutela a pasta dos Direitos Humanos, Alfonso Nsue Mokuy, assegurou às Nações Unidas, em Genebra, que o novo Código Penal, a ser aprovado pelo Parlamento, põe fim à pena de morte. No entanto, de acordo com juristas equato-guineenses, as mudanças prometidas não garantem a abolição. Por isso, pedem mudanças legislativas mais amplas.

A DW África pediu uma reação ao Secretário Executivo da CPLP, Francisco Rebelo Telles, mas este não quis comentar o assunto; à luz da moratória imposta pela organização para o cumprimento desta condicionante de adesão.Através do seu gabinete, o embaixador em Lisboa, Eurico Monteiro, que tem falado em nome da Presidência cabo-verdiana da CPLP, manifestou indisponibilidade para se pronunciar por motivos de agenda.

Por seu lado, o jornalista Hélder Gomes afirma que "a relação entre a Guiné Equatorial e a CPLP é semelhante à relação entre um parasita e o seu hospedeiro." A entrada do país de Obiang trouxe, por um lado, vantagens competitivas para a elite da Guiné Equatorial e, por outro, danos reputacionais graves para a CPLP. Considera que…

"Pelo caminho, a CPLP mostrou-se incapaz de fazer cumprir o roteiro para a adesão e deu passos largos em direção à sua irrelevância. Também perdeu uma autoridade central, se é que alguma vez a CPLP esteve em condições de a reclamar", considera.

"Obiang brinca porque sabe que pode brincar"

Para o analista, doutorando em Ciência Política, "agora não faz muito sentido correr atrás do prejuízo". Hélder Gomes afirma ainda que há motivos para se duvidar da garantia dada por Malabo.

"Em março do ano passado, há um ano, o Presidente Teodoro Obiang assegurou que a abolição da pena de morte estava pronta para seguir para o Parlamento onde aparentemente ainda se encontra. A garantia foi dada após uma reunião com o SE da CPLP, Francisco Rebelo Telles. Na altura, Ribeiro Telles chegou a considerar plausível o anúncio da abolição na cimeira de Luanda, em setembro, o que não aconteceu. Obiang brinca porque sabe que pode brincar", diz.

Hélder Gomes insiste que a CPLP beneficiaria muito mais se se inspirasse nos modelos da Commonwealth ou da Francofonia e previsse nos seus estatutos a suspensão e/ou expulsão dos Estados membros incumpridores. Com o número crescente de observadores e candidatos a membros da CPLP, receia que alguns deles façam, num futuro próximo, o mesmo caminho da Guiné Equatorial rumo à adesão.

Não é certo se esta matéria faz parte da agenda do Conselho de Ministros da CPLP, que se realiza esta sexta-feira (26.03) sob a presidência de Cabo Verde. Nesta reunião extraordinária, a CPLP deve aprovar o programa de apoio à integração da Guiné Equatorial na organização, estimado em 170 mil euros para 2021. 

A organização deve igualmente responder ao pedido de ajuda de emergência solicitado pelo país membro depois das recentes explosões em Bata, que causaram mais de 100 mortos e centenas de feridos. O Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) deu conta que cerca de 150 famílias estão deslocadas e alojadas em abrigos temporários, um terço das quais são crianças.

João Carlos (Lisboa) | Deutsche Welle

Ver vídeo em DW: "CPLP não pode sancionar nenhum Estado-membro"

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