Apesar das promessas de Malabo, a pena de morte continua vigente na Constituição da Guiné Equatorial. Juristas do país dizem que a abolição requer legislação mais avançada. A CPLP prefere não comentar o assunto.
Desde 2014, após a entrada em vigor da moratória de adesão à Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), que não há execuções de pena de morte na Guiné Equatorial. Mas ainda vigoram na legislação equato-guineense artigos que contrariam as declarações oficiais. Um deles é o artigo 13.º da Constituição da Guiné Equatorial, que prevê que a pena de morte seja regulada por uma lei.
Ana Lúcia Sá, professora de Estudos Africanos no Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE), diz que o Código Penal de 1967 ainda está em vigor e o que está previsto é a sua substituição por um novo projeto legislativo, que não contemple a pena de morte.
No entanto, a investigadora alerta que "ainda no domínio das leis continuará a prevalecer no país o Código de Justiça Militar, que também é um legado colonial e que também prevê a pena de morte. Neste caso, pode aplicar-se às Forças Armadas e há a possibilidade de ser estendido aos civis."
A própria Constituição prevê que a pena de morte seja regulada por lei, acrescenta a analista portuguesa. "Ou seja, a partir do momento em que o Código Penal é revisto, mas o Código de Justiça Militar não, há a possibilidade de aplicação de pena de morte. Portanto, nunca estaremos no domínio de uma abolição total da pena de morte a não ser que haja posteriormente uma revisão constitucional e uma revisão do Código de Justiça Militar."
CPLP não comenta
A abolição da pena de morte foi uma das condições que a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) colocou em cima da mesa, em 2014, para a adesão da Guiné Equatorial à organização.
Em fevereiro passado, a Guiné Equatorial, por intermédio do seu vice primeiro-ministro que tutela a pasta dos Direitos Humanos, Alfonso Nsue Mokuy, assegurou às Nações Unidas, em Genebra, que o novo Código Penal, a ser aprovado pelo Parlamento, põe fim à pena de morte. No entanto, de acordo com juristas equato-guineenses, as mudanças prometidas não garantem a abolição. Por isso, pedem mudanças legislativas mais amplas.
A DW África pediu uma reação ao Secretário Executivo da CPLP, Francisco Rebelo Telles, mas este não quis comentar o assunto; à luz da moratória imposta pela organização para o cumprimento desta condicionante de adesão.Através do seu gabinete, o embaixador em Lisboa, Eurico Monteiro, que tem falado em nome da Presidência cabo-verdiana da CPLP, manifestou indisponibilidade para se pronunciar por motivos de agenda.
Por seu lado, o jornalista Hélder Gomes afirma que "a relação entre a Guiné Equatorial e a CPLP é semelhante à relação entre um parasita e o seu hospedeiro." A entrada do país de Obiang trouxe, por um lado, vantagens competitivas para a elite da Guiné Equatorial e, por outro, danos reputacionais graves para a CPLP. Considera que…
"Pelo caminho, a CPLP mostrou-se incapaz de fazer cumprir o roteiro para a adesão e deu passos largos em direção à sua irrelevância. Também perdeu uma autoridade central, se é que alguma vez a CPLP esteve em condições de a reclamar", considera.
"Obiang brinca porque sabe que pode brincar"
Para o analista, doutorando
"Em março do ano passado, há um ano, o Presidente Teodoro Obiang assegurou que a abolição da pena de morte estava pronta para seguir para o Parlamento onde aparentemente ainda se encontra. A garantia foi dada após uma reunião com o SE da CPLP, Francisco Rebelo Telles. Na altura, Ribeiro Telles chegou a considerar plausível o anúncio da abolição na cimeira de Luanda, em setembro, o que não aconteceu. Obiang brinca porque sabe que pode brincar", diz.
Hélder Gomes insiste que a CPLP beneficiaria muito mais se se inspirasse nos modelos da Commonwealth ou da Francofonia e previsse nos seus estatutos a suspensão e/ou expulsão dos Estados membros incumpridores. Com o número crescente de observadores e candidatos a membros da CPLP, receia que alguns deles façam, num futuro próximo, o mesmo caminho da Guiné Equatorial rumo à adesão.
Não é certo se esta matéria faz parte da agenda do Conselho de Ministros da CPLP, que se realiza esta sexta-feira (26.03) sob a presidência de Cabo Verde. Nesta reunião extraordinária, a CPLP deve aprovar o programa de apoio à integração da Guiné Equatorial na organização, estimado em 170 mil euros para 2021.
A organização deve igualmente responder ao pedido de ajuda de emergência solicitado pelo país membro depois das recentes explosões em Bata, que causaram mais de 100 mortos e centenas de feridos. O Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) deu conta que cerca de 150 famílias estão deslocadas e alojadas em abrigos temporários, um terço das quais são crianças.
João Carlos (Lisboa) | Deutsche Welle
Ver vídeo em DW: "CPLP não pode sancionar nenhum Estado-membro"
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