Luciano Rocha | Jornal de Angola | opinião
O recente drama da zungueira Alice João, morta, recentemente, em Luanda, ao pisar um cabo eléctrico, reconfirmou o estado lastimoso em que se encontra o espaço público da província e da cidade.
Dona Alice João morreu, quando,
uma vez mais, calcorreava as ruas da capital, porque a promessa da criação de
pracinhas continua por cumprir, aumentando, pelo menos, para já, a lista dos
anúncios vazios de intenções.
Dona Alice João morreu porque, fizesse sol, chuva ou cacimbo, tinha,
todos os dias, de sair de casa para tentar ganhar o sustento dela e da família
- cinco filhos e um marido desempregado - sem olhar para o tempo ou horas, que
estômagos vazios não se compadecem com meteorologia ou relógios.
Dona Alice João, trabalhadora independente, não "podia dar-se ao luxo” de
"meter baixa”, sequer cumprir a ordem de recolhimento domiciliário, muito
menos preguiçar em casa, com salário, demais regalias, como "prémios de
produtividade”, subsídios de férias. Transgredir, para ela, era
obrigatório, se queria ganhar a vida, com o coração apertado e olhos divididos,
um na bacia, o outro no polícia.
Dona Alice João foi assassinada, num dia de chuva, por um cabo eléctrico desgarrado,
num espaço público da capital de um país chamado Angola. Como podia ter
perecido, ao tropeçar em qualquer tubo de origens tantas que povoam a
província, como buracos de todos os tamanhos e feitios, que "enfeitam” a
província, entre eles, bocas de incêndio a jorrar água, meses a fio, que
escasseia nas torneiras.
Dona Alice João podia ter culminado a vida de trabalho honrado, vitimada pelo coronavírus que era obrigado a desafiar, segundo a segundo, entre as lixeiras públicas de Luanda. Até com morte súbita no mesmo local, onde pisou o cabo eléctrico; ou dormir em casa, a menos provável das causas, tão poucas horas passava o corpo pelo colchão. Mas não, a culpa foi da vandalização de desconhecidos. A revelação, feita pelo Presidente do Conselho de Administração da ENDE, surgida cerca de 48 horas após o drama, não deixa dúvidas, porque foi baseada em investigação de peritos.
O que pergunta o cidadão comum é, provavelmente, que nome se dá a quem devia ter evitado o drama, consertado a tempo o danificado e, pela inércia, incentivado os autores do crime? E àqueles que, com comportamentos idênticos, contribuem para a balbúrdia crescente da capital do país e da província na qual se insere?
A culpa do estado a que Luanda chegou reparte-se por círculos diversificados de sectores e personalidades. Bem vistas as coisas, poucos conseguem passar incólumes pela rede selectiva de apuramento de responsabilidades. Por ordem de razões, o Governo Provincial e as administrações, independentemente da categoria, mas, igualmente, os próprios Ministérios e Secretarias de Estado, outrossim, deputados à Assembleia Nacional, a que se juntam forças políticas, demais organizações com representatividade no pulsar na vida da vida da província, onde se situa a capital angolana, que deve, por causas muitas, ser o espelho do país. A verdade é que se esbanja tempo demais em assuntos não prioritários, sobretudo no momento que vivemos duplamente desafiante de ter de lutar contra o coronavírus e pelo desenvolvimento económico, coisas aparentemente díspares, mas interligados e de que maneira.
Alguns argumentarão, com objectivos diferentes, que têm sido feitas coisas boas no país, inclusive em Luanda, o que é indesmentível, mas, neste mar encapelado de necessidades acabam por submergir, na melhor das hipóteses, subvalorizados.
Os vândalos têm de ser combatidos, todos eles. Não esqueçamos nunca que ladrões tanto são os que roubam, como os que vigiam, fingem não ver e os encobrem.
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