terça-feira, 16 de março de 2021

UE | A batalha pela vacina

Afonso Camões* | Diário de Notícias | opinião

É um erro de lesa-União se os parceiros europeus abandonarem o caminho da gestão comum no combate à pandemia. Sair desta crise é mais fácil se estivermos juntos. A tentação do salve-se quem puder, agindo cada um por si, é a semente de outras crises futuras, de ressentimento e divisão.

Para controlar o vírus e travar a pandemia, precisamos de mais vacinas, maior rapidez na aplicação das doses, a mais pessoas e de forma mais justa. Nos próximos meses, é este o desafio das autoridades sanitárias, de cada governo, e é também aqui que se joga o crédito da União Europeia e a sua capacidade de resposta ao anseio de milhões de cidadãos pelo regresso a uma nova normalidade acautelada.

A união faz a força se acrescentar eficiência: eis a razão de ser do Clube Europeu, que tem demonstrado ao longo da sua história - apesar dos incontestáveis retrocessos - as vantagens de enfrentar juntos as políticas de comércio, os direitos e liberdades, e algumas grandes crises. A estratégia da União, baseada numa primeira resposta de emergência, sob a forma de fundos de recuperação financiados com dívida comum, e na compra conjunta de milhões de vacinas, para depois distribuí-las equitativamente entre os países membros, foi acertada e é justo aplaudi-la.

Tais sucessos não excluem, porém, a ocorrência de erros e omissões na gestão de ambos os processos. E a verdade é que, num e noutro casos, a União Europeia tem sido mais lenta do que algumas outras geografias, como são os casos de Reino Unido, Israel ou Estados Unidos, países que que optaram por uma autorização mais rápida e foram mais lestos a garantir a produção, e não apenas adquirir as doses necessárias.

Apesar de serem europeias 20 das 60 fábricas mundiais aptas a produzir a vacina, a produção e distribuição tem sofrido atrasos inaceitáveis, e não falta quem acuse a União de ser frouxa perante o incumprimento da indústria farmacêutica em relação a prazos e quantidades de doses disponibilizadas a cada Estado membro.

É, pois, compreensível que, questionada a eficácia, a unidade ameace romper. O primeiro país da União a descolar daquele acordo foi a Hungria, que aposta na compra de vacinas russas e chinesas; a Eslováquia segue o mesmo caminho; a Áustria e a Dinamarca procuram em Israel acordos de pesquisa e produção que fortaleçam os seus aprovisionamentos; e a Polónia e a República Checa já encomendaram a vacina chinesa. Tudo isto, ao arrepio da Agência Europeia do Medicamento, e enquanto vários países são abertamente contra a ideia de um passaporte comum de vacinação que muitos outros parceiros reclamam.

A busca individual de soluções por parte de alguns desses países pode ser compreensível num mercado sob forte pressão e perante a fadiga crescente dos cidadãos. Tais estratégias são bem-vindas, desde que articuladas e complementares à europeia. Mas é um erro de lesa-União se abandonarem o caminho da gestão comum. Sair desta crise será mais fácil se estivermos juntos. A tentação do salve-se quem puder, agindo cada um por si, é a semente de outras crises futuras, de ressentimento e divisão. Só não vê quem não quer ver.

*Jornalista

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