Joana Mortágua | Jornal i | opinião
O programa de recuperação que o
país precisa tem de cumprir o desafio do Secretário-Geral da ONU e aumentar
substancialmente o investimento
Na primeira vaga, Portugal suspendeu as aulas presenciais a 16 de Março e foi dos poucos países europeus que manteve o ensino à distância até final do ano letivo, com exceção para a preparação de exames dos alunos mais velhos. Quase um ano depois, os nossos alunos foram dos que estiveram mais tempo sem aulas presenciais.
Depois de um verão em que pouco preparou o novo ano letivo, foi a resiliência das escolas que segurou como pôde a aprendizagem dos alunos. Mas o preço a pagar pela suspensão generalizada do ensino presencial é demasiado alto. É por isso que o Bloco insistiu na preparação do ano letivo e nos esforços necessários para evitar fechar as escolas.
O governo ficou aquém. Mas outro tempo chegará em que faremos balanços. Aqui chegados, há outra urgência: o programa de recuperação. Nem todas as consequências serão irreversíveis, mas nada será como dantes. É desse princípio que devemos partir. Os diagnósticos ainda são limitados e preliminares, mas os indícios são assustadores: agravamento das desigualdades, perda de aprendizagens, atrasos no desenvolvimento, perda de competências emocionais, sociais e físicas, degradação da saúde mental.
Olhar para este panorama implica perceber que o problema não é apenas o encerramento das escolas - grave e inédito -, mas também o trauma coletivo do confinamento e os efeitos da crise económica e social com alcance ainda desconhecido.
Preparar a recuperação não é simplesmente planear a educação pós-pandemia, como parece ter sido desejo do governo no verão passado. Uma política de mínimos para enfrentar a crise máxima é, como vimos, um convite à inação. A outra vacina de que a escola pública precisa é o investimento; e não pode esperar mais.
O programa de recuperação que o
país precisa tem de cumprir o desafio do Secretário-Geral da ONU e aumentar
substancialmente o investimento
Para estas últimas dimensões, o próximo verão é essencial. Depois de um inverno de confinamento, a última coisa que as crianças precisam é de passar o verão em casa ou em frente a um ecrã. O regresso a atividades coletivas lúdicas e desportivas acompanhadas é essencial para mitigar o impacto do confinamento na saúde mental dos jovens. Mas não dispensa o investimento na educação inclusiva e a ligação estreita ao Programa Nacional para Saúde Mental.
Quanto às aprendizagens: menos matéria e mais recursos, parece ser a receita com que todos concordam. Têm sido muitas as vozes que pedem uma racionalização do currículo e uma flexibilização da avaliação: é impossível que a escola faça o que tem a fazer se estiver obcecada em correr atrás dos programas.
Não podemos ter uma escola a várias velocidades. Este é o tempo certo para começar uma revisão dos currículos e dos programas que respeite o Perfil do Aluno à Saída da Escolaridade Obrigatória e as aprendizagens essenciais - que não são nem nunca pode ser confundidas com o primarismo conservador das “disciplinas essenciais”.
Em segundo lugar, este é o tempo para levar a sério a proposta de redução do número de alunos por turma e todas as medidas que promovem a personalização da educação, como os desdobramentos e as coadjuvações.
Em terceiro lugar, precisamos de professores. Todas as promessas de rejuvenescimento e renovação do corpo docente feitas pelo governo não passam de uma miragem. Para o Partido Socialista parece que nunca é tempo para enfrentar este problema estrutural da escola pública.
Há mais de 30 mil precários no sistema, há docentes que saíram do sistema. Se queremos um Programa de Recuperação robusto, precisamos de todos. É preciso uma vinculação extraordinária de docentes e aprovar um regime de incentivos a professores deslocados.
As escolas precisam de autonomia para identificar as necessidades e receber recursos sem regatear tostões com o Ministério ou a Direção Geral. O Primeiro-Ministro prometeu que todos os alunos, todas as escolas, estariam equipadas, o governo prometeu uma tarifa social de internet.
O desafio é cumprir o apelo de António Guterres, investir na escola pública, e não deixar ninguém para trás.
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