quarta-feira, 19 de maio de 2021

Portugal | Novo Banco: venda a privados contraria interesse público

As recentes audições a Carlos Costa, Mário Centeno e António Ramalho permitem concluir, uma vez mais, que o Estado está a pagar quase o mesmo que custaria a nacionalização, mas perdendo activos e receitas.

Desde segunda-feira têm sido ouvidos na comissão de inquérito ao Novo Banco, na Assembleia da República, o antigo e o actual governadores do Banco de Portugal (BdP), Carlos Costa e Mário Centeno (este também ex-ministro das Finanças aquando da venda do banco), e o actual presidente do Novo Banco, António Ramalho.

À medida que avançam as audições neste âmbito, mais sustentada fica a ideia de que só o controlo público da instituição bancária defende o interesse público.

Mário Centeno, que advoga que este tem sido um processo «penoso» a nível social, político e financeiro, chegou a afirmar, quando questionado pelo deputado do PCP Duarte Alves, que se ponderou o cenário da nacionalização.

Todavia, o ex-ministro das Finanças explicou que não se optou pelo controlo público do banco porque «os custos seriam demasiado elevados», revelando que teria implicado uma despesa do Estado entre quatro a cinco mil milhões de euros. Para além do que, para o actual governador, seria problemático não ser o Fundo de Resolução a financiar os impactos e problemas do banco.

O que ficou por explicar sobre esta opção, mas que ficou anotado pelo comunista Duarte Alves, é o facto de se ter decidido injectar «contingências» até 3,89 mil milhões ao Fundo de Resolução, isto é, para pagar as perdas (valor este que até pode vir a ser ultrapassado), sem que o Estado fique com o banco e as suas receitas e activos.

Carlos Costa, por seu turno, afirmou que «levou com as culpas» da situação que originou a resolução do BES, e lembrou que queria mais dinheiro para a capitalização inicial (4,9 mil milhões de euros) do Novo Banco, mas o compromisso com o Ministério das Finanças e com a Comissão Europeia limitou o montante.

Esta afirmação contraria declarações de Maria Luís Albuquerque, ex-ministra das Finanças, que, numa audição em 1 de Abril, tinha afirmado que os 4,9 mil milhões de euros foram fixados pelo Banco de Portugal.

Para o antigo governador do BdP, o Novo Banco era «um cabaz com fruta apodrecida lá dentro» (referindo-se aos activos tóxicos), o que exigia que se viesse a constituir uma garantia de Estado para que pudesse ser vendido. E reforçou que a venda que se concretizou, com a Lone Star, foi a melhor alternativa.

Para Carlos Costa, «propor a resolução foi a forma de impedir o pior», uma vez que, segundo o próprio, se se tivesse optado pela liquidação, isso teria tido um custo entre 20 e 25 mil milhões de euros.

Sobre o facto de a Lone Star ter convidado para presidir à Nani Holdings (que é a entidade que detém directamente 75% do Novo Banco) um antigo funcionário do Deutsche Bank que trabalhou na assessoria a venda do Novo Banco à Lone Star, Carlos Costa fez poucos comentários. E também não registou conflitos de interesse na saída de directores que lidaram com a supervisão do BES para a auditora PwC (para a sua área de consultoria), nem no seu regresso para o supervisor três anos depois.

Já António Ramalho, actual presidente do Novo Banco, ouvido esta manhã, revelou que as injecções solicitadas ao Fundo de Resolução podem ainda não ficar por aqui, estimando que será utilizado o total dos 3,89 mil milhões de euros.

Sobre os prémios de gestão de milhões, que foram objecto de polémica,  explicou que não são «auto-atribuídos», mas que se trata de uma «decisão por vontade do banco».  O anúncio dos bónus atribuídos aos gestores surgiu quando se conheceu que a instituição teve prejuízos de mais de 1,3 mil milhões de euros em 2020, um agravamento face a 2019.

Quanto ao facto de ser accionista da Nani Holdings, Antóno Ramalho disse apenas que só tem retornos de investimento indirectos.

Recorde-se que esta comissão de inquérito tem abordado a venda de carteiras de crédito malparado do Novo Banco, cujas vendas com desconto face ao registo no balanço contribuem para as perdas, o que tem originado a mais pedidos ao Fundo de Resolução.

O Novo Banco foi criado em 2014 na resolução do BES e, em 2017, a titularidade de 75% foi vendida à Lone Star, tendo sido criado um mecanismo de capitalização contingente, pelo qual o Fundo de Resolução se comprometeu, até 2026, a cobrir perdas com activos tóxicos até 3,89 mil milhões de euros.

O Novo Banco já consumiu 2,976 mil milhões de euros de dinheiro público e, pelo contrato, pode ir buscar mais 914 milhões de euros.

AbrilAbril

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