segunda-feira, 17 de maio de 2021

Sissoco Embaló processa ex-eurodeputada Ana Gomes por "difamação"

Ana Gomes prestará depoimento às autoridades portuguesas por uma opinião publicada num canal de televisão português. Ex-eurodeputada acusou Sissoco Embaló de envolvimento com o narcotráfico e ligações com terroristas.

O Presidente da Guiné-Bissau, Umaro Sissoco Embaló, ingressou com uma queixa-crime na justiça portuguesa contra a ex-eurodeputada Ana Gomes por alegada "difamação". Gomes terá de prestar esclarecimentos sobre as suas declarações num canal de televisão privado de Portugal a 21 de junho de 2020.

Em alusão ao chefe de Estado guineense, a política portuguesa referiu que "Portugal escolheu respaldar um indivíduo que tem antecedentes de narcotráfico" e "até de ligações a grupos terroristas".

Em declarações à DW África em Lisboa, a ex-eurodeputada, constituída arguida pelo Ministério Público, explica que a crítica feita no seu espaço de opinião na SIC Notícias foi direcionada ao Governo português.

"Por não tomar posição num momento em que a autoproclamação por parte do Presidente [Sissoco Embaló] era contestada na própria Guiné-Bissau até por declarações das próprias Nações Unidas e até da própria CEDEAO [Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental] num primeiro momento", explica Ana Gomes.

Grupos terroristas

Nessa mesma altura, a ex-candidata às últimas eleições presidenciais em Portugal também afirmou que Sissoco Embaló tinha antecedentes de ligação ao narcotráfico e a grupos terroristas ativos na região do Sahel - nomeadamente o líder líbio Muammar Kadhafi e com líderes islâmicos senegaleses. 

"Ele foi assumidamente conselheiro de Kadhafi, foi mesmo representante da Libyan Investments Authority nos tempos de Kadhafi. E Kadhafi era terrorista nacional e internacionalmente. Além do mais, por ter também conhecidas ligações ao tráfico de droga. Isso na Guiné-Bissau é sabido. Infelizmente não é o único caso, visto que a Guiné-Bissau está na trágica situação de ser já por muitos considerado um narco-Estado", salienta a ex-diplomata.

Em 2014, Ana Gomes integrou uma missão de observação do Parlamento Europeu às eleições presidenciais na Guiné-Bissau. A política portuguesa acrescenta que muitas chefias militares guineenses estão envolvidas nas operações das redes de tráfico de droga.

Testemunho de ex-ministra

Num documento a que a DW teve acesso, Ana Gomes - que foi notificada em abril passado pelo Tribunal de Oeiras - reúne vários elementos substantivos que usa como argumentos em resposta à queixa-crime.

Entre os diversos testemunhos, constam no referido documento as declarações da última ministra da Justiça guineense, Ruth Monteiro, que conseguiu a maior apreensão de um carregamento de droga a transitar pela Guiné Bissau, prendendo os intermediários. 

"À conta disso, depois, [Monteiro] foi perseguida e teve que ser salva in extremis e está hoje refugiada em Portugal".

"Faça o seu trabalho"

A DW tentou ouvir o advogado João Nabais, que representa os interesses de Umaro Sissoco Embaló neste processo, mas até então não obteve uma resposta do respetivo escritório em Lisboa.

A arguida espera que o Ministério Público "faça o seu trabalho" e leve em conta os factos concretos por ela apresentados. Tais factos, adianta, resultam do conhecimento público da realidade na Guiné Bissau, "que, em muitos aspetos, agravou-se desde que Sissoco é Presidente", após um processo eleitoral altamente contestado.

Ana Gomes sublinha que hoje há uma prática antidemocrática na Guiné-Bissau, que inclui também agressões a jornalistas. "Não é de maneira nenhuma de molde a servir os propósitos democráticos que Portugal deveria apoiar e ver consolidados em qualquer país da CPLP. E não serve certamente os valores que a CPLP proclama", acrescenta.

A queixa vem a público na semana da visita oficial do Presidente português Marcelo Rebelo de Sousa à Guiné-Bissau - contestada na última sexta-feira (14.05), numa manifestação realizada frente ao Palácio de Belém por um grupo da diáspora guineense. O grupo é contra a visita do chefe de Estado português ao que considera ser um "ditador".

João Carlos (Lisboa) | Deutsche Welle

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