sexta-feira, 21 de maio de 2021

Terra, Alentejo em Odemira

– Os que prometeram, anunciaram um Alentejo de explorações agrícolas familiares e cooperativas de pequenos agricultores, produziram um imenso latifúndio de exploração e de agressão ambiental.

Agostinho Lopes [*]

"Toda a gente sabia" [1] excepto o próprio e inefável Barreto, que se põe fora do saco onde meteu toda a gente. Só lhe faltou a "barretal" e habitual conclusão: toda a gente sabia e sabe que a Reforma Agrária, mesmo depois de liquidada por mim e mais alguns da mesma laia política, só podia dar em desastre humano, ambiental, económico. Odemira é a prova e a contraprova. Exploração da terra e da água insustentável. Trabalho escravo. Cumplicidade do poder político e económico. "Toda a gente sabia". Escapa um sociólogo, que foi ministro da Agricultura anos atrás, há muito, muito tempo.

A registar. Os que prometeram, anunciaram um Alentejo de explorações agrícolas familiares e cooperativas de pequenos agricultores, produziram um imenso latifúndio de exploração, agressão ambiental e que só não é um suicídio económico, porque não se fazem contas à destruição do solo e à subsidiação pública da água. E que opera com infraestruturas construídas com dinheiros públicos, sem pagar rendas. (Depois das mais-valias da terra beneficiada pelo Alqueva terem sido inteiramente apropriadas pelo latifúndio).

Lembras-te, Barreto, da propaganda, demagógica e divisionista, da distribuição de terra a pequenos agricultores no processo de descrédito e destruição da Reforma Agrária? Não resta um rendeiro na Herdade dos Machados... Mas há muito hectare de agricultura intensiva e superintensiva. Mas que se há-de fazer? "São aquelas loucuras típicas de Portugal"! [2]

As mesmas famílias políticas, PS, PSD e CDS, que destruíram a Reforma Agrária, os mesmos que sabotaram a construção do Alqueva enquanto existiu Reforma Agrária, os mesmos que enchem o Diário da República e o discurso político com a palavra "sustentabili...lili...dade...dade", produziram milhares de hectares de insustentabilidade social, insustentabilidade ambiental, insustentabilidade económica. Resta a sustentabilidade financeira, mas como sabemos esta é de curto prazo. A terra não é hoje o ventre de uma produção agrícola e pecuária atenta aos equilíbrios da natureza e às necessidades de quem a trabalha e do país. A terra alentejana é hoje um "activo financeiro", concentrada na mão de grupos financeiros, incompatível com uma agricultura familiar e cooperativas de produtores.


No perímetro do Alqueva, nos últimos 10 anos, cerca de 70% da terra mudou de mãos e o seu preço multiplicou-se por seis! A forma da exploração da terra está intrinsecamente ligada à forma das relações de propriedade. A exploração capitalista agrária intensiva, "industrial", de terras de dimensão latifundiária (sujeita às dinâmicas e lógicas de reservas de activos financeiros, com exigências de elevadas rentabilidades) exige uma mão-de-obra numerosa, barata e precária/sazonal, dispensável sempre que necessário. No contexto do Alentejo desertificado e despovoado do pós-Reforma Agrária, só uma imigração em condições de desprotecção social e laboral quase total, com elevada percentagem de clandestinos, sob a exploração de empresas de aluguer de mão-de-obra e redes de tráfico de seres humanos, poderia satisfazer. É o que está traduzido em Odemira. Nada que não tenha acontecido já há décadas nas terras vizinhas da Andaluzia.

Nas heróicas jornadas de Abril e Maio de 1962 o proletariado alentejano e ribatejano, dirigido pelo seu Partido, conquistaram as 8 horas de trabalho, pondo fim ao trabalho escravo de sol a sol imposto pelos latifundiários. Quase sessenta anos passados, o escândalo: trabalhadores nas mesmas terras trabalham 12 horas consecutivas, em regime de quase escravatura.

Algo está podre, muito podre no reino da política de direita do PS, PSD e CDS!

PS: por falar em Reforma Agrária, domingo passado, a comunicação social do costume não apareceu na Voz do Operário (terá estado a RTP 1). Desta vez, nem para dizer mal! Comemoravam-se os 100 anos do nascimento do General Vasco Gonçalves [NR] , o Primeiro-ministro do Governo de Portugal que aprovou a Lei da Reforma Agrária. Nenhum canal generalista passou uma imagem, nenhuma rádio reproduziu uma voz, nenhum jornal diário publicou uma notícia... Ódio velho não cansa!

14/Maio/2021

(1) Público de 08MAI21.
(2) Sol de 08MAI21.

Na imagem: Milhares de trabalhadores são traficados para a Europa a fim de serem submetidos a uma exploração infame. Na foto trabalhadores imigrantes descobertos em Odemira submetidos a jornadas laborais de 12 horas. Vivem ali em condições precárias e pagam rendas extorsivas por “habitações” como a da imagem. As autoridades portuguesas do SEF dificultam a documentação destes imigrantes embora descontem para a segurança social.

[NR] O General Vasco Gonçalves em resistir.info:

  28 anos depois do 25 de Abril

  A Revolução de 1383-85

  A derrubada do governo fascista-colonialista em 25 de Abril de 1974 e a situação de Portugal hoje

  A interferência estrangeira: Uma Revolução desprotegida

  A eterna questão das vanguardas

  Discurso na Embaixada de Cuba ao ser condecorado com a Ordem da Playa Girón

  Última entrevista de Vasco Gonçalves

[*] Engenheiro, dirigente do PCP

O original encontra-se em jornaleconomico.sapo.pt/noticias/terra-alentejo-em-odemira-738312

Este artigo encontra-se em https://resistir.info/

Sem comentários:

Mais lidas da semana