Luciano Rocha* | Jornal de Angola | opinião
Os últimos casos suspeitos de assaltos ao erário apenas confirmam o que a generalidade dos angolanos sabe, que o combate à gatunagem de “colarinho branco” está para durar, tantos são aqueles que os praticam.
O número de malfeitores a
servirem-se de dinheiros públicos é de tal modo extenso, que constitui um
verdadeiro exército, teoricamente bem organizado, com estratégias quase
perfeitas, poder de contágio de fazer inveja à Covid-19, além de munido de
manigâncias que a máfia não desprezava. Como autêntica organização criminosa,
estende os tentáculos a várias paragens. Em Angola, onde tem o "quartel
general”, e além-fronteiras. O nepotismo, no verdadeiro sentido da palavra, tal
como protecção, ofertas e pagamentos generosos aos que lhe são leais. estão
entre outras características que apresenta.
Como as famílias da máfia, não resiste à ostentação, a mostrar o fruto dos
sucessivos crimes: roupas de moda adquiridas em várias capitais, também
viaturas das marcas mais conceituadas, aviões, iates, relógios, anéis, jóias,
perfumes. Também são dados a colecções, designadamente, de vivendas,
apartamentos, prédios, "quintas” de fim-de-semana, terrenos, contas
bancárias. São, entre outras causas, estas exuberâncias, características dos
novos-ricos, que lhes permite levar uma vida que jamais imaginaram, nem em
sonhos de meninos, muitos deles modestos, que os têm traído. E hão-de continuar
a denunciá-los aos olhos da maioria do povo.
Estes salteadores, alguns já condenados, os indiciados, mesmo os que acabam por
ser absolvidos - mais vale um criminoso em liberdade do que um inocente
injustiçado -, aqueles que viram gorados intentos de fuga, a que se juntam
fugitivos, aparentemente bem sucedidos, que se "puseram à fresca” antes de
serem interceptados e os que hão-de ser chamados a explicar as fontes de
enriquecimento repentino, sofrem já todos o castigo de não conseguirem
adormecer de consciência tranquila. Aos que ainda lhes restar, naturalmente...
Crianças sem escola, camponeses sem terras, extorquidas para darem lugar a
casas de fim-de-semana, pastores sem pasto, nem água para o gado e eles
próprios, jovens à procura do futuro que lhes é negado são provas constantes da
acção da gatunagem do erário. Também atestam estradas e pontes
"construídas” apenas para engordarem contas dos ladrões dos dinheiros
públicos, as centralidades surgidas pelos mesmos motivos, tudo ou quase o que
foi feito num período relativamente curto, mas demasiado doloroso para ser
esquecido.
O egoísmo deste exército de bandoleiros é tal que atingiu alguns dos que lhes
estão ligados por laços de sangue, amizade, que já valeram tanto como os de
parentesco; vizinhança, que era extensão da família. Eles até esqueceram noites
de outros tempos, de lua grande ou com brisas a avisar chuva, com os pais
falarem conversas, de ninguém interromper, sobre assuntos trazidos de fora, nas
ondas do mar; das mães surdinarem medos; crianças a brincarem
despreocupadamente nas ruas de areia vermelha, com paus de fruta a saírem dos
quintais enfeitados com flores.
Os tempos eram de medos e preocupações, mas, igualmente, de esperança,
solidariedade, nunca de vergonha. Agora, muitos pais e mães, avós e avôs perguntam-se
onde falharam para filhos e netos lhes desonrarem os nomes. E os meninos e
meninas mais pequenos não conseguem entender por que é que os amigos deixaram
de brincar com eles e lhes chamam, de segredo, "filhos de marimbondos”. É,
uma vez mais, na crueldade da inocência de uns e outros, "o justo a pagar
pelo pecador”. Se nem isso faz com que a gatunagem de "colarinho branco”,
espalhada por todos os sectores, arrepie caminho, pouco mais resta à
generalidade dos angolanos, do que a esperança de a PGR e SIS continuarem a
desmascarar os impostores.
*Jornalista
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