Soberano Kanyanga | Jornal de Angola | opinião
A história da colonização portuguesa, com apetites ingleses pelo meio, o mapa cor-de-rosa, as rebeliões nativas, a tomada de consciência nacional, a frequência das mesmas escolas metropolitanas, a passagem pela CEI¹ e a mobilização para a luta armada que levou às independências são comuns. Tirando pequenos laivos de “excessivo apego à estrutura sintáctica”, para os luso-índico-africanos, e refinada dicção, a roçar ao tuga alfacinha, para os luso-afro-tropicais-atlânticos, é tudo, como se diz em Umbundu, walisetahãla²!
Há angolanos, mais pelo interior,
sobretudo os que frequentaram missões católicas, que reverenciam a sintaxe, mas
descuidam a prosódia. Assim como os há, sazonalmente, em Moçambique. É
por isso que sem alistar os santomenses, netos de nossos antepassados aí
levados para povoar as duas ilhas perdidas no kalunga lwiji³, os kanimambu⁴ são
os nossos irmãos siameses no comportamento social, nas cleptomanias, e no que
só Mia sabe descrever.
Falando
Conta-se que estando em Moçambique dois angolanos, idos do Ndongo, decidiram
procurar por um restaurante à beira-mar, em Beira, onde encontrariam
apetecíveis garoupas grelhadas, regáveis com as mais suculentas produções
vinícolas lus-e-tanas.
- Bem-vindos queridos fregueses. Aqui tem de tudo: peixe, mariscos, frutos do
mar, petiscos e bons vinhos portugueses e mandelenses. - Convidou Hibrahima,
mulher de pele achocolatada aparentando ascendência etíope.
- Boa tarde e muito obrigado pelo convite. - Respondeu António Tandela, meio
reclinado, veniando a donzela, enquanto o companheiro retirava o boné da cabeça.
- Em que vos pode valer a minha serventia, cavalheiros? - Perguntou Hibrahima,
ao mesmo tempo que minuciava os gestos, sotaques, o brilho e o aroma que os
recém-entrados expeliam.
- Há bons dias que não passamos de carnes e aves. Hoje é peixe que queremos: calafate, garoupa, pungo, o que houver de bom. - Respondeu Dias, até então calado.
- Traga-nos também a carta das pomadas⁶. Este sol pede um bom litro⁷. Para mim,
água de côco. - Emendou Tandela.
Hibrahima tomou nota do pedido no bloco de apontamentos que levou à cozinha e
ao bar, deixando lacrados no cérebro as informações descritivas sobre os dois
cavalheiros.
Feitas as diligência, e quando as garoupas mostravam já as espinhas dorsais e a garrafa de Don Juan e verter por baixo, Hibrahima, no papel de boa anfitriã, voltou a questionar.
- Desculpe, senhor Dias. Vocês me parecem de Nhambate, pois não?
- Nhambane? Nem conhecemos ainda. Nós somos angolanos. - Retorquiu Dias
procurando saber o porquê da colação a Nhambane.
- É que, pelo vosso sotaque, só podem ser de Nhambane. Tenho certeza porque já
lá vivi e convivo com muitos nhambanenses. - Explicou arguciosa.
Nisso, Tandela que inclinara as últimas gotas do envelhecido Don Juan entrou em cena procurando por um documento que levasse Hibrahima a dirimir as dúvidas.
- Só um momento minha senhora e já lhe mostro que somos mesmo angolanos. -
Apelou, tentando encontrar, entre os papéis no bolso interior do casaco, um
documento que indicasse a sua proveniência. Não foi, porém, a tempo, pois Joia,
uma garçonete que se achava a poucos metros, atirou
- Porquê
Trocaram nomes e telefones para o intercâmbio de culturas, odores e suores nos
dias que faltavam à missão. Quanto à língua herdada da colonização e aos
sotaques, ficou provado. Angola tem tudo de Moçambique e vice-versa!
Notas:
¹ Casa de Estudantes do Império.
² Parecidos.
³ Mar, aceno, imensidão (Ucokwe).
⁴ Alusão a moçambicanos. Saudação.
⁵ Merecedor de prémio Nobel.
⁶ Alusão ao vinho tinto.
⁷ Garrafa.
Soberano Kanyanga
Imagem: JA
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