O histórico socialista afirma ao DN que se Soares fosse vivo e tivesse poder a morte do estratego de Abril seria assinalada com luto nacional. Marcelo reagiu dizendo que "ainda é cedo" para a História registar a sua importância
Manuel Alegre não esconde alguma revolta. Falando ontem ao DN, assegura: "Se Mário Soares fosse vivo e tivesse poder, decretaria luto nacional pela morte do Otelo. Acho que a morte dele merece luto nacional".
Não foi porém esse o caminho do Governo - que é quem decreta o luto nacional, por acordo com o Presidente da República, que promulga - e o histórico socialista lamenta-o. "Vivo um sentimento de luto um dia de luto para todos os portugueses que se reconhecem na liberdade e no 25 de Abril".
No entender do poeta, "basta o que o Otelo fez naquele dia, 25 de Abril, para ter um lugar na História". "Otelo é o homem do 25 de Abril", afirma, recordando que foi ele quem desenhou o plano de operações da revolução e quem a comandou, a partir do Posto de Comando do MFA estabelecido num quartel na Pontinha, arredores de Lisboa. "Estou-te grato, pá!", afirma Alegre, imitando o próprio Otelo, conhecido por usar muito o "pá" nas suas conversas e nas histórias que contava. Citando De Gaulle, esse "conservador revolucionário", Alegre conclui: "A glória do mundo é daqueles que não cederam, resistiram e foram libertadores."
A morte do principal estratega da "revolução dos cravos" desencadeou um sem número de reações, da esquerda à direita - e demonstrou, mais uma vez, quão controversa e fraturante foi.
"O Presidente da República, consciente das profundas clivagens que a sua personalidade suscitou e suscita na sociedade portuguesa, evoca-o, neste momento como o capitão que foi protagonista cimeiro num momento decisivo da história contemporânea portuguesa", referiu Marcelo Rebelo de Sousa, numa nota publicada na página da Presidência.
Na mesma nota, Marcelo considerou que "ainda é cedo para a história o apreciar com a devida distância". Salientou no entanto que "parece inquestionável a importância capital que teve no 25 de Abril, o símbolo que constituiu de uma linha político-militar durante a revolução, que fica na memória de muitos portugueses associado a lances controversos no início" da democracia, "e que suscitou paixões, tal como rejeições". "Um dos mais ativos capitães de abril [na verdade era major, não capitão], exerceu funções muito relevantes durante a revolução e candidatou-se à Presidência da República em 1976. Afastado do poder na sequência do 25 de novembro de 1975, viria a ser considerado, pela Justiça, envolvido nas FP25, condenado e amnistiado", escreveu ainda o chefe do Estado.
O primeiro-ministro também emitiu uma nota dizendo que o Governo "lamenta" o falecimento do coronel e endereçando "as mais sentidas condolências à sua família", bem como à Associação 25 de Abril.
"A capacidade estratégica e operacional de Otelo Saraiva de Carvalho e a sua dedicação e generosidade foram decisivas para o sucesso, sem derramamento de sangue, da Revolução dos Cravos", considerou António Costa, dizendo que por isso o militar se tornou por isso, "a justo título", num dos símbolos do 25 de Abril. "Honramos a memória de Otelo, como um daqueles a que todos devemos a libertação consumada no 25 de Abril e, portanto, o que hoje somos."
Já o PCP - que sempre combateu Otelo, por ver nele o principal rosto da extrema-esquerda militar - produziu através do seu gabinete de imprensa uma ultra lacónica nota: "Deve registar-se no essencial o seu papel no levantamento militar do 25 de Abril. O momento do seu falecimento não é a ocasião para registar atitudes e posicionamentos que marcam o seu percurso político."
À direita, Rui Rio reconheceu-lhe o papel "corajoso e decisivo" no 25 de Abril e quanto ao resto, é à História que irá competir, "com isenção", fazer "a avaliação global de tudo que ele fez de bom e de mau" - "hoje não é o dia para isso".
Quanto ao CDS, o vice-presidente Miguel Barbosa reconheceu a Otelo "um primeiro ato importantíssimo para devolver Portugal à liberdade" mas, sem se deixar "embriagar pela História". "Não esquecemos o papel de Otelo no 25 de Abril, mas também não esquecemos o terror que tentou instituir em Portugal, desde os mandatos de captura em branco no PREC, aos atentados e mortes das FP25. É, por isso, devida uma palavra às vítimas de Otelo e às suas famílias - o Estado falhou com elas por cobardia e pela tradicional inimputabilidade dos poderosos."
João Pedro Henriques | Diário de Notícias
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