Bom dia este é o seu Expresso Curto
De volta à escuridão
Raquel Moleiro | Expresso
Bom dia.
Quão terrível tem de ser o futuro de um país para que alguém – tantos milhares
– prefira fugir dali agarrado
à roda de um avião em andamento, passe os filhos por muros de arame farpado
e os coloque na pista do aeroporto na esperança de que o aparelho não parta sem
eles?
Quão grande tem de ser o medo de perseguição e violência para que mulheres
instruídas se
apressem a destruir todos os diplomas conquistados, todos os registos da
sua educação e independência, na esperança de que a ignorância fingida as salve
da barbárie?
Acabou-se a profissão, o estudo, as saídas desacompanhadas, a música, o poder
de escolha, a autodeterminação sexual, os direitos mais básicos. Nas lojas de
Cabul esgotam-se as burqas, os cartazes publicitários mais sedutores são
destruidos preventivamente, a liberdade esconde-se como pode do fanatismo
que chegou.
Os talibãs controlam novamente o Afeganistão e com eles voltou o obscurantismo.
Multiplicam-se os relatos de casamentos forçados e de meninas tornadas escravas
sexuais. A mulher volta a ser coisa. Na televisão só já surgem
homens, nas ruas também. Polícias, juízas, jornalistas e ativistas dos direitos
humanos anunciam a morte antecipada nas redes sociais. Dizem que não vão
sobreviver. Longe vão os dias de Soraya
Tarzi, a rainha feminista do Afeganistão.
Há um país inteiro a tentar entrar no aeroporto internacional Hamid
Karzai, na capital, sob controlo das forças militares norte-americanas e
dedicado em exclusivo ao esforço internacional de repatriamento
dos cidadãos estrangeiros e funcionários afegãos (tradutores, motoristas…) e
suas famílias. Um emocionado Ben Wallace, secretário da Defesa britânico e
militar, já admitiu, porém, que não vai ser possível salvar todos.
Depois da suspensão de voos durante algumas horas, por questões de segurança, a
ponte aérea foi reativada ontem à noite. A fotografia,
cedida pelo Pentágono, do interior de um avião militar de carga completamente
lotado, com 640 pessoas a bordo, todos sentados no chão, lembra os barcos
de migrantes do Mediterrâneo – há o mesmo medo em todos os rostos, só falta o
mar.
Os talibãs controlam os acessos da população ao aeroporto. Salva-se quem
já lá está, não entra mais ninguém. Dos 16 portugueses que se encontravam no
país, doze conseguiram partir e quatro aguardam no interior da gare por vagas
num voo militar britânico. Para os restantes cidadãos, sobram as fronteiras
terrestres como rota de fuga, alimentando uma nova vaga de refugiados, que
já ninguém acredita ser possível travar, em direção à Europa e aos países
vizinhos. Portugal já se disponibilizou para receber 243 funcionários afegãos
(e as suas famílias) que colaboraram com as forças nacionais que estiveram em
missão em Cabul.
Alvo de críticas pela recente retirada das tropas americanas do país, Joe
Biden antecipou o fim das férias
Hoje há uma reunião extraordinária dos ministros dos Negócios Estrangeiros dos
27, por videoconferência, convocada pelo Alto Representante da União Europeia
(UE) para a Política Externa para "uma primeira avaliação" da
situação.
Siga aqui,
ao minuto, todos os desenvolvimentos.
OUTRAS NOTÍCIAS
Os fogos também não dão descanso na Grécia, com as chamas a voltar aos
arredores de Atenas e a obrigar à evacuação de cinco aldeias. Em Israel, é
a cidade de Jerusalém que se encontra rodeada por vários incêndios, que nem 10
meios aéreos e 75 equipas no terreno conseguem dominar. Em Espanha, mais
de mil pessoas foram forçadas a abandonar as suas casas na zona da Ávila, em
Leão e Castela, a pouco mais de 100km de Madrid.
No que à covid-19 diz respeito, arranca hoje na Santa Casa da
Misericórdia de Vila do Bispo, em Sagres, o estudo serológico nos lares de
3ª Idade, que vai analisar a imunidade dos idosos mais vulneráveis já vacinados
e compará-la com a dos funcionários a quem foi administrada a vacina na mesma
altura, em instituições do Algarve e Alentejo.
Os EUA preparam-se para anunciar a administração de uma terceira dose da
vacina “para a maioria dos americanos”, priorizando residentes e
funcionários de lares, oito meses depois da última inoculação.
Portugal é o 4.º Estado-membro da UE com a campanha de vacinação mais avançada: 76%
da população já tem pelo menos uma dose da vacina e com o processo
completo estão 64,7% dos residentes. Segundo a task force, o auto-agendamento
da vacinação contra a covid-19 para menores entre os 12 e os 17 realiza-se
entre esta quinta-feira e sábado e a inoculação destes jovens será realizada no
fim-de-semana de 28 e 29 de agosto.
Governo alarga “IVAucher” às lojas de discos e editoras de livros. O
programa de incentivos fiscais “IVAucher” vai passar a ser aplicado às
compras nas lojas de discos e nas editoras de livros. A alteração, feita pelo
Governo, surge a meio da iniciativa e, por isso, segundo o jornal "Público", terá efeitos
retroativos para que os clientes que pediram fatura com número de contribuinte
possam usufruir do IVA aí suportado.
Hoje é o último dia de férias dos 279 funcionários empresa têxtil Dielmar,
mas amanhã nenhum se vai apresentar ao trabalho na fábrica de Alcains. Depois
da insolvência apresentada no início do mês de agosto, ainda se aguarda por
compradores que assegurem a manutenção dos postos de trabalhos. Há
cinco interessados.
Qualidade das praias portuguesas diminuiu em 2021, aponta associação
ambientalista Zero. Até
agora, 20 praias já estiveram interditas e 45 com banho desaconselhado
ou proibido.
Termina esta terça-feira a discussão pública das alterações à Lei do
Tabaco. No projeto de portaria, o Governo prevê a proibição de fumar em
restaurantes e bares com menos de
No Haiti, o serviço de proteção civil reviu
em alta o número de vítimas do sismo de sábado no país, para 1419
mortos e seis mil feridos. A situação pode agravar-se ainda mais com a depressão
tropical Grace, que chegou esta madrugada ao país, com fortes ventos, chuvas
intensas, deslizamentos de terras e inundações repentinas.
Bob Dylan está a ser processado num tribunal de Nova Iorque, acusado
de agredir sexualmente uma menor há quase 60 anos, em
FRASES
"A comunidade internacional deve unir-se para se assegurar que o
Afeganistão nunca mais será utilizado como uma plataforma ou um refúgio para
organizações terroristas".
António Guterres, secretário-geral da ONU, durante a reunião
de emergência do Conselho de Segurança realizada esta segunda-feira
"Estamos a receber informações assustadoras que dão conta de violações
graves dos direitos humanos em todo o país"
Idem
"O Afeganistão não pode tornar-se, de novo, um santuário de movimentos
terroristas. Isso deve ser claro para todos, claro para a comunidade
internacional, para a NATO, para a União Europeia e esperamos que seja também
claro que as novas autoridades afegãs quando elas estiverem constituídas"
Augusto Santos Silva, ministro
dos Negócios Estrangeiros
"Estou extremamente preocupada com a situação atual do Afeganistão,
especialmente com a segurança das mulheres e das raparigas. Consegui falar com
algumas ativistas que estão lá e elas têm muitas dúvidas sobre como será a sua
vida"
Malala Yousafzai, prémio nobel da Paz, baleada na cabeça aos onze anos
pelos talibãs
"Nunca me senti tão indefesa, desesperada, desiludida, pobre e miserável
em toda a minha vida inteira. Tudo o que conseguimos em 20 anos vai desaparecer
numa questão de dias"
Jovem afegã
"Que va a ser de ellas?"
Pergunta o jornal espanhol Marca em
manchete, trazendo o tema do Afeganistão para a primeira página de um
desportivo
O QUE ANDO A LER
Berta Isla,
de Javier Marías
Não me lembro da última vez que tinha entrado na livraria Lello, no Porto.
Devia ser uma miúda ainda, porque as memórias diziam-me que tudo era enorme, as
estantes com prateleiras a perder de vista, a escadaria monumental. Tenho a
certeza de que não se pagava para entrar, nem era preciso reservar o ingresso
num site da Internet ou esperar numa longa fila multilingue apesar de ter já
bilhete. Mas a miúda mais velha queria ir e não se diz que não quando uma
adolescente quer comprar livros.
Ela não comprou, comprei eu, nada contrariada mas um pouco compelida ao consumo
para poder abater o valor das entradas. E não foi fácil. Porque com edições em
tantas línguas, e outras editadas propositadamente para os visitantes
estrangeiros, não abundam novidades nem variedade. Veio a Berta Isla, publicado
no fim de 2018 e ao qual queria deitar as mãos desde então.
Depois de um quase pré-afogamento à beira da piscina das férias, o calhamaço de
496 páginas ganhou pintas de humidade e ondas de água seca, mas sem danos
interiores. Estreei-o esta semana, a saber apenas que lá dentro vive a história
do amor imperfeito de Berta e Tomás, ele espião britânico e ela não, ela apenas
a mulher que não pode fazer perguntas sobre o homem com quem casou. E mais não
digo, porque mais não sei.
Tenha uma boa semana. E acompanhe a atualidade no Expresso, Tribuna e Blitz
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