Inês Cardoso* | Jornal de Notícias | opinião
É difícil encontrar argumentos válidos para um falhanço colossal, quando o Mundo inteiro tem os olhos postos no caos de Cabul e quando estão em causa vidas humanas.
Joe Biden escolheu as justificações que colhem junto dos eleitores norte-americanos, centrando-se na luta contra o terrorismo e descartando responsabilidades na incapacidade para sustentar um governo estável no Afeganistão. "A nossa missão nunca foi construir uma nação, nunca foi destinada a criar uma democracia central unificada", argumentou o presidente norte-americano.
O que Biden alega nunca ter sido objetivo foi, no entanto, o maior erro das sucessivas administrações norte-americanas. O erro de pensar que a democracia e os direitos humanos podem ser impostos pelas armas, ignorando as diferenças abissais de conceitos políticos e sociais existentes no terreno.
Leem-se, a nível internacional, as mais diversas perspetivas sobre o que podemos esperar com a chegada dos talibãs ao poder. Há quem acredite nalguma moderação e na bondade das promessas de transição pacífica, tendo em conta a necessidade de reconhecimento internacional da nova liderança. E quem acredite termos uma experiência suficiente para perceber que a esperança de respeito pelos direitos humanos está irremediavelmente perdida.
Mesmo num cenário de eventual moderação, as mulheres são e serão as principais vítimas da brutalidade e do radicalismo que fizeram com que o Afeganistão já tivesse retrocedido vários anos em poucos dias.
Há relatos de casamentos forçados com combatentes e de raparigas feitas escravas sexuais. Adolescentes com mais de 12 anos deverão ser forçadas a deixar a escola e as jovens impedidas de ir à faculdade, num país em que o acesso à educação é uma luta.
As imagens de tinta a tapar os cartazes de mulheres que existiam nas ruas contêm em si o simbolismo do total apagamento a que estão destinadas. Ainda os talibãs não tinham invadido Cabul e os centros de estética já tinham sido fechados.
Sejam quais forem os próximos passos no Afeganistão, é de esperar uma crise humanitária prolongada. Uma vaga significativa de refugiados, ao longo do tempo, que exigirá respostas consistentes e articuladas a nível internacional.
No meio de tantas dúvidas sobre o futuro do país, da incerteza sobre o nível de apoio popular aos novos líderes, a única certeza que subsiste é de que vão ser precisas respostas humanitárias robustas. Aprendendo com os erros de quase 20 anos de ocupação sem rasto sólido.
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