sábado, 4 de dezembro de 2021

ANGELA MERKEL DEIXARÁ SAUDADES EM ÁFRICA?

A chanceler alemã interessou-se mais pelo continente africano do que os seus antecessores. Muitos políticos africanos despedem-se dela com rasgados elogios. Mas também há críticas a Angela Merkel.

Com o passar dos anos, aumentou a frequência das viagens de Angela Merkel a África, tal como o número de reuniões com chefes de Estado africanos.

Merkel encontrou-se, por exemplo, com o antigo Presidente angolano José Eduardo dos Santos e, mais tarde, com o seu sucessor, João Lourenço. Reuniu-se também com o atual chefe de Estado moçambicano, Filipe Nyusi, e, em agosto, convidou uma série de líderes para um encontro de despedida em Berlim. O encontrou correu bem a Merkel – do continente africano só chegam elogios.

O empenho da chanceler em reforçar os laços com o continente foi "notável", diz Minenhle Nene, do Instituto Sul-Africano de Assuntos Internacionais (SAIIA) em entrevista à DW. Particularmente no campo económico: "Com Angela Merkel na liderança, os investimentos alemães em África cresceram moderadamente. Creio que África nunca desempenhou um papel tão importante na política alemã como durante o seu mandato", comenta Nene.

"Interesse genuíno" em África

Akinwumi Adesina, presidente do Banco Africano de Desenvolvimento, também elogia a dedicação da chanceler federal alemã. "Há muito tempo que Angela Merkel mostra um interesse genuíno em relação a este continente e o desejo claro de promover o desenvolvimento e um forte crescimento económico", escreve Adesina numa nota enviada à DW.

O antigo ministro da Agricultura da Nigéria dá como exemplo a iniciativa "Compact with Africa", que Merkel criou durante a presidência alemã do G20, em 2017. A iniciativa estabelece parcerias entre 12 Estados africanos e países do G20, como a Alemanha. Os Estados africanos comprometem-se a fazer reformas que tornem as suas economias mais atrativas aos olhos dos investidores; os países do G20 apoiam o processo e publicitam os Estados africanos junto das empresas nos seus países.

"Até aqui, a maior parte das empresas alemãs vacilava antes de investir em África, mas agora estão cada vez mais presentes na região. Isso deve-se em grande medida a esta iniciativa", acrescenta a especialista sul-africana Minenhle Nene.

Pouca presença alemã

Ainda assim, há potencial para crescer. África representa apenas 1% dos investimentos alemães a nível global. Há apenas 800 empresas alemãs ativas no continente. "Não podemos exigir mudanças de um dia para o outro, sobretudo quando se trata de iniciativas que visam o desenvolvimento de parcerias a longo prazo, com vantagens para ambos os lados", comenta Nene.

Esse é um dos lados da moeda. Mas também há críticas, por exemplo de Gerrit Kurtz, analista do centro de pesquisa GPPI em Berlim. Segundo ele, a iniciativa "Compact with Africa" não alcançou plenamente o objetivo de fomentar investimentos privados alemães em África, ficando muito "aquém das expetativas", alimentadas inclusive pela chanceler Angela Merkel.

Não é o investimento privado estrangeiro que cria postos de trabalho no continente, resume Kurtz.

Interesses próprios

O analista critica ainda as chamadas "parcerias de reforma" na cooperação alemã para o desenvolvimento: países africanos que, na perspetiva do Governo federal alemão, progridam em matéria de "boa governação" recebem apoio adicional. A Etiópia, por exemplo, é desde 2019 um destes parceiros, embora a nível internacional esteja a ser alvo de críticas devido ao conflito em Tigray.

Apesar de tudo, Kurtz realça alguns aspetos positivos: Nos últimos anos, a chanceler Angela Merkel prestou mais atenção ao continente africano. Por isso, África "ganhou relevância na política externa alemã" e Berlim expandiu os seus horizontes, além dos temas relacionados estritamente com desenvolvimento. "É um avanço", afirma o analista.

Mas por trás deste reforço dos laços entre a Alemanha e vários países do continente africano há interesses claros, lembra Kurtz. Merkel entrou para a chancelaria federal em 2005, mas a frequência das suas viagens a África só aumentou em 2016, logo após a chamada "crise dos refugiados" na Alemanha. Deter a imigração irregular para a Europa estava no topo da agenda da chanceler e de outros parceiros europeus, em particular da França, levando ao desgaste de "princípios alemães" no continente, opina Kurtz.

Mudança de foco

Como é que Angela Merkel olha para as ações da Alemanha em África? Em entrevista à DW, a chanceler disse que, durante os 16 anos em que esteve no poder, houve uma ligeira mudança de foco, "da África Oriental – a Etiópia e Quénia eram países que estavam em primeiro plano para a Alemanha – para a África Ocidental". Isso deveu-se sobretudo à ameaça terrorista na região. Foi por esse motivo que Berlim expandiu significativamente a cooperação com países do Sahel: o Mali, a Mauritânia, o Chade, o Burkina Faso e o Níger.

Ainda não é claro qual será a importância do continente africano para o sucessor de Merkel, Olaf Scholz. No acordo de coligação governamental assinado pelo partido de Scholz, o SPD, e os Verdes e liberais, há poucas referências a África.

No entanto, o analista Gerrit Kurtz, do centro de pesquisa GPPI, acredita que a Alemanha continuará a investir nas parcerias no continente vizinho.

"A política alemã para África começou num patamar muito baixo. Contudo, contrariamente a outros atores internacionais que estão mais presentes em África, como o Reino Unido, a França ou os Estados Unidos, a Alemanha tem a oportunidade de levar realmente a sério as suas parcerias no continente. Se esse for o legado de Merkel para a política para África, já será um sucesso."

Martina Schwikowski | Deutsche Welle

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