segunda-feira, 31 de janeiro de 2022

AGENDA CHEIA FÉRIAS ESTRAGADAS -- Artur Queiroz


 Artur Queiroz*, Luanda

Ponto prévio. Nunca disse já está porque nada está acabado, tudo está em aberto. Jamais direi já sei porque aprendi há muitos anos, como o meu professor Piscas, esta verdade do tamanho de Angola: Só sei que nada sei e tudo o que aprender será sempre nada ou pouco mais. A sabedoria nunca se concentra numa só pessoa, numa só época da História Universal, numa só cultura, num só modelo de sociedade, numa só região da Terra.

Um repórter a cair da tripeça pouco mais sabe do que cavar notícias, reportar, entrevistar, editar, organizar o espaço. Em 1974/75, estive na primeira linha dos que perceberam a necessidade de formar jovens jornalistas nas Redacções das rádios e dos jornais. Fomos sabotados e atacados à falsa fé, por fogo amigo. O que sobrou ainda deu para manter a chama do jornalismo acesa. Um prémio de consolação, muito menos do que sonhamos e projectamos. 

Um jornal angolano (Novo Jornal), 47 anos depois da Independência Nacional, num vómito assinado por Gustavo Costa mas escrito por fantasmas ressabiados pela queda do império colonial português, defende o que nem Salazar ou Marcelo defenderiam. Escreve a alimária analfabeta funcional: “MPLA e UNITA não podem impor, aqui e ali, a legitimidade revolucionária herdada de uma transição para a independência feita sem respeito pelas regras de trânsito democrático”. O coronel Santos e Castro, comandante do Exército de Libertação de Portugal (ELP) não se atrevia a vomitar semelhante insulto.

A transição para a Independência Nacional, entre o 25 de Abril de 1974 e 11 de Novembro de 1975, foi feita pela ilegitimidade contra revolucionária imposta por Nixon, Mobutu e Spínola, o trio presidencial que decidiu excluir o MPLA do processo de descolonização. Não contaram com o apoio popular ao movimento e a elevadíssima taxa de militância dos seus membros e apoiantes. A transição foi feita com a invasão silenciosa ou à bruta do Norte de Angola. Com a tentativa quase conseguida de balcanizar o país. 

Só falharam porque o MPLA, com mais de 90 por cento do apoio popular, lutou de armas na mão pela integridade territorial. Pela “independência total e completa” num projecto político liderado por Agostinho Neto que proclamou a resistência popular generalizada. A UNITA, nesta altura, ainda nem sequer tinha o estatuto de movimento de libertação. Ainda tinha nas mãos as armas das tropas de ocupação colonial, com as quais dispararam contra o Povo Angolano. A FNLA era o pseudónimo do exército de Mobutu e contratou mercenários que mataram e torturaram camponesas e camponeses no Norte de Angola. A CIA e seus operacionais queriam fazer em Angola a transição para novos donos abertamente racistas.

Os fantasmas de Gustavo Costa (ele assina Gostavo e pensa assim) escrevem que “MPLA e UNITA continuam a demonstrar que ainda não entenderam que essa atribulada transição, como diz o jurista e general Adolfo Rasoilo, afastou de forma irresponsável e irremediável as forças internas que lideraram o milagre económico e social que vivemos de 1960 até 1974”.

Não sei se o general Rasoilo escreveu mesmo o que Gustavo citou. Desejo ardentemente que não. Mas se a citação estiver certa, lamento muito mas por mim é despromovido a soldado e fica de faxina às instalações sanitárias. No meio da merda é que fica bem.

Nem os colonialistas acéfalos, os mais raivosos, os que impunham a cor da pele sobre a maioria dos angolanos se atrevia a considerar que entre 1960 e 1974 existiu em Angola um “milagre económico”. Ninguém no seu efeito juízo, nem os esbirros da PIDE, se atreviam a fazer tão insultuosa afirmação. O milagre entre 1960 e 1974 via-se nos campos de algodão da Cotonang e do Lagos & Irmão. Chicote, sol a sol, fome, esmola chorada em vez de salário. 

O milagre estava nos cartões de trabalho. Quem não tinha cartão nem sequer podia descer às cidades de asfalto para trabalhar. O milagre estava na esperança de vida a rondar os 30 anos. Milagre de morrer na flor da vida, com doenças curáveis, por falta de assistência médica, vivendo em tugúrios infectos transformados em habitação. Com salários rastejantes se os patrões quisessem pagar e quanto quisessem pagar. A violência policial com requintes de malvadez sobre todos os suspeitos que eram sempre negros. O milagre era o analfabetismo que grassava entre a maioria negra. Em 1974 rondava os 80 por cento!

“As forças internas que lideraram o milagre económico e social que vivemos de 1960 até 1974”, senhor Gostavo e general Rasoilo foram embora porque quiseram. Porque se recusaram a pensar à angolana. Porque os patrões lhes deram ordens para partir. Porque a CIA e Mário Soares criaram as pontes aéreas a partir de Luanda e do Huambo, para levarem os milagreiros para Portugal. Sabiam que ficávamos sem motoristas de autocarros, táxis e camiões. Ficávamos sem cantineiros que soubessem pesar um quilo de fuba, ficávamos sem pedreiros, carpinteiros canalizadores e outros oficiais de todos os ofícios.

Os milagreiros partiram porque quiseram ou porque não aguentaram a violência imposta a Angola pela CIA, Mobutu, PW Bota, Spínola e Mário Soares. Ninguém os pode criticar. Poucos aguentaram viver em cidades onde a guerra estava nas ruas. Cada rua um campo de batalham cada casa, uma trincheira. O MPLA fez inúmeros apelos aos milagreiros para não partirem. Alguns estão escritos. Outros falados. Leiam o discurso de Agostinho Neto, em nome dos três movimentos de libertação, no encerramento do Acordo de Alvor.

Gostavo Custa insulta todos os angolanos, de todos os partidos, quando escreve: “A ausência de uma transição política e geracional serena e equilibrada que acabou por precipitar a entrega do país a elementos menos preparados e divididos por ódios tribais que até hoje continuam a deformar a sociedade”. Tradução: Os pretos não se entendem. Voltem os colonialistas! 

Fui insultado. Na altura própria e à minha maneira, vou responder.

Para já quero servir-me deste espaço para informar que ouvi atentamente o discurso do camarada presidente João Lourenço, na apresentação da Agenda Política do MPLA para 2022, em Menongue. Fiquei com a minha agenda preenchida. Até Agosto tenho muito trabalho. Logo agora que entrei de férias. Não me deixam descansar. Jamais direi já está ou já sei. Mas digo que a luta continua e a vitória é certa. Sou dos antigos, ainda estou na luta pelo Poder Popular.

* Jornalista

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