Detido há 14 meses em Luanda, o empresário começa a ser julgado na quarta-feira pelos crimes de peculato e branqueamento de capitais. O filho, também envolvido no processo, insiste na ilegalidade da prisão.
Está marcado para o dia 26 de janeiro, no Tribunal da Comarca de Luanda, o início do julgamento do empresário luso-angolano Carlos de São Vicente, detido em Angola há 14 meses, após ultrapassados todos os prazos legais para a sua prisão preventiva.
A família, bem como os advogados
de defesa, insistem na ilegalidade da prisão. O filho, Ivo São
Vicente, empresário também envolvido no processo, acaba de endereçar uma
carta aos líderes dos partidos políticos portugueses candidatos a
primeiro-ministro nas eleições do dia
"Eu vejo as cartas que ele escreve. Ele preocupa-se muito com a deterioração [da saúde] mental dele próprio, porque naquela prisão não se consegue dormir. As condições não são boas. Sempre deu tudo pelo país e estar a ser tratado desta maneira é uma agonia", afirma Ivo São Vicente, em entrevista à DW.
Os advogados de Carlos São Vicente, preso desde setembro de 2020, já tinham apresentado um novo pedido de libertação e de habeas corpus, tendo acusado Angola de "total desrespeito" pela lei ao manter a sua prisão preventiva, mesmo depois de esgotados todos os prazos legais.
"Nuvens pretas" no processo
Carlos São Vicente é acusado dos crimes de peculato, participação económica, tráfico de influência e lavagem de capitais. De acordo com a justiça angolana, terá lesado a petrolífera estatal Sonangol em mais de 900 milhões de dólares.
Ivo São Vicente acolhe com alguma satisfação o início do julgamento do pai: "Pelo menos estamos contentes que a coisa há de avançar para algum lado. E estamos esperançosos que haja um processo justo e que se conclua o óbvio".
Já o jornalista e jurista angolano William Tonet diz que existem "muitas nuvens pretas neste processo", rodeado de "motivação política". "Não se pode prender um cidadão para se investigar. Depois, não se pode assentar a prisão de um cidadão restringindo-lhe a liberdade de movimento porque há uma motivação política que visa afetar seletivamente alguns cidadãos antes ligados e sempre ao sistema", sublinha.
Por outro lado, o diretor do jornal angolano "Folha 8" faz alusão ao valor de 900 milhões de dólares de São Vicente reclamados pelo Estado angolano, quando este tem sobeja prova de que pelo menos 800 milhões de dólares engajam as empresas seguradoras ligadas ao setor petrolífero. "Portanto, não é dele este montante", refere.
William Tonet considera que "este processo está mal conduzido" por afetar as liberdades e garantias dos cidadãos, ainda mais grave pelo estado de saúde de Carlos São Vicente, "mas a interferência excessiva do poder político na justiça faz com que ela cometa estas violações constantes à própria lei e à Constituição".
Luta entre fações do passado?
Para o analista Rui Verde, o
julgamento de Carlos São Vicente tem particular interesse por ser "muito
diferente" de todos os outros processos de corrupção
"Há aqui um aspeto político
muito interessante, que podemos chamar de luta entre fações do passado
Nesta medida, o professor de Direito e investigador na Universidade de Oxford não encontra "uma boa razão" para que o julgamento não comece no dia 26. "Ambas as partes têm interesse nisso", acredita, referindo ser também interessante a estratégia dos advogados de Carlos São Vicente que, entre outras iniciativas, tem combatido os tribunais de Angola e a opinião pública.
"De certa maneira, foi a opinião pública que levou ao processo contra Carlos São Vicente. Pensam que será a opinião pública que levará ao seu encerramento. Mas sobre isso já tenho algumas dúvidas. Creio que a partir do momento em que o processo entra em tribunal tem uma dinâmica própria que já não está ligada à opinião pública", afirma.
João Carlos (Lisboa) | Deutsche Welle
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