Joana Amaral Dias* | Diário de Notícias | opinião
E se Abramovich se candidatasse nestas eleições legislativas e quisesse ser primeiro-ministro de Portugal? Ou se quisesse financiar um partido do seu agrado, encharcando a respectiva campanha em milhões? A verdade é que pode.
"Ele, finalmente, conseguiu encontrar um país onde pode pagar alguns subornos e fazer alguns pagamentos semi-oficiais e oficiais para entrar na UE e na NATO. As autoridades portuguesas carregam malas com dinheiro (...) Um ciclo perfeito de hipocrisia e corrupção."
As palavras são de Navalny, o maior opositor de Putin, e cobrem Portugal de vergonha. Em questão o facto de Abramovich ser agora cidadão português. Com uma fortuna avaliada em cerca de 12,9 mil milhões de euros, o multimilionário russo naturalizou-se português.
Embora ande há anos a tentar autorizações de permanência ou outras no estrangeiro, o magnata não tem tido sucesso. O Reino Unido não lhe renovou o visto de investidor-residência. A Suíça, conhecida por acolher milionários sem perguntas, também lhe fechou a porta devido a suspeitas de branqueamento de capitais e envolvimento com organizações criminosas, alegando a origem ilegal da sua fortuna. Mas Portugal não se inquieta com minudências e resolveu-lhe o problema.
Há alguns anos foi aprovada por unanimidade a lei que, por razões de reparação de memória histórica, permite aos descendentes de judeus sefarditas expulsos de Portugal por El-Rey D. Manuel I há 500 anos obter a nacionalidade portuguesa. Outras etnias ou grupos não foram felizes contemplados. Adiante. Pouco tempo depois, percebeu-se que tal possibilidade estava a ser objeto de chorudas negociatas que já se cifravam em dezenas de milhares de beneficiários. O mesmo sucedeu em Espanha que logo adoptou mecanismos de controlo e transparência muito mais apertados. Só o PCP defendeu uma alteração legislativa. Os demais partidos não quiseram saber.
Actualmente, mais de 90% dos processos vêm da mesma comunidade judaica, a do Porto. Até os que merecem "reservas" do IRN acabam aprovados pelo Governo e persiste o costumeiro desprezo pelas incompatibilidades e conflitos de interesses - as comunidades judaicas recebem donativos milionários dos candidatos aos quais certificam então origens sefarditas questionáveis (não é conhecido nenhum fundamento documental para atribuir a nacionalidade a Abramovich - apenas as suas gordas benesses).
Ou seja, se a lei pretendia reparar injustiças acabou por criar nova enorme injustiça, sobretudo considerando os milhares de cidadãos que vivem em Portugal, trabalham, pagam impostos e não são considerados portugueses. Ou seja, com uma lei bem intencionada (será que foi mesmo?) montou-se uma negociata sem fiscalização.
Admite-se um sistema de concessão da nacionalidade em que o Estado delega o escrutínio a entidades privadas que aceitam patrocínios em troca de pareceres? Que tipo de país é o nosso? Já não bastava o escândalo dos vistos gold que conferem autorização de residência (e que pode resultar em nacionalidade) a quem faça por cá um investimento considerável, dispensando-se saber de onde o dinheiro ?
Eis o auto-retrato fiel da nossa decadência: mercadeja-se nacionalidade portuguesa, como se tratasse de uma comodidade transaccionável, igual a qualquer outro bem de consumo, um par de calças ou um corta-unhas. Ah, Portugalão. Valente.
*Psicóloga clínica.
Escreve de acordo com a antiga ortografia
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