Angola quer negociar a devolução do seu património cultural guardado há décadas em museus portugueses. Ex-deputada e historiadora portuguesa, Joacine Katar Moreira, defende a "descolonização do conhecimento".
A devolução do património cultural angolano presente há décadas em museus portugueses faz parte da agenda do Ministério da Cultura daquele país africano, que agora pretende aprofundar a discussão com as autoridades portuguesas.
Em declarações à DW, em Lisboa, o ministro da Cultura, Turismo e Ambiente de Angola, Filipe Zau, precisou que esta é uma matéria que se prende com a questão da identidade e soberania nacional, a qual será "resolvida a seu tempo".
Desde 2020, o Governo de Angola reivindica o regresso à origem do seu património cultural patente nos museus portugueses. A proposta, já abordada com o país europeu, implica fazer um inventário para estimar quantas peças de arte terão sido retiradas ilicitamente do país.
"Matéria a considerar"
O ministro angolano garante que esta é uma matéria a considerar na agenda bilateral com o seu homólogo português. Mas disse que ainda não discutiu nada, porque nunca teve a oportunidade de se encontrar com o ministro da Cultura de Portugal. "Mas, vamos ter, entre essas [temáticas], muitas outras coisas a nível bilateral para discutir. Essa será possivelmente uma que, na oportunidade, se cair em agenda, nós iremos discutir", assegurou.
Sem avançar detalhes, Zau disse que as questões de identidade cultural estão muito ligadas às questões de soberania. "E a cultura joga um pouco esse papel", explicou. "Necessariamente, as questões patrimoniais estão sempre ligadas a estes fatores."
Recentemente, segundo Zau, Luanda assinou um acordo de cooperação cultural com a França e decidiu restituir duas esculturas adquiridas pelas autoridades angolanas, que, no passado, pertenciam ao espólio do Palácio de Versalhes.
"Dado o interesse como algo que está ligado à cultura francesa, nós achámos por bem doar. Eu penso que isto é um princípio que todos os povos devem ter, sobretudo os povos amigos", disse.
Filipe Zau, que regressa já a Luanda, falou à DW África no final de um encontro esta terça-feira (08.02), em Lisboa, com Zacarias da Costa, secretário executivo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), com quem abordou temas como o mandato da presidência angolana, nomeadamente a realização, em maio deste ano, da Capital da Cultura Lusófona na semana em que for celebrado o Dia da Língua Portuguesa.
"É preciso descolonizar"
Quando era deputada na última legislatura, Joacine Katar Moreira defendeu que é preciso "descolonizar" museus e monumentos estatais portugueses e restituir todo o património cultural aos países de origem, incluindo as obras de arte presentes em Portugal.
Em declarações à DW África, essa historiadora portuguesa, de origem guineense, explicou que o seu obejtivo inicial não era a restituição imediata das obras, nem o esvaziamento das instituições museológicas e outras.
"O meu objetivo inicial, que deu origem a algumas iniciativas legislativas, era que houvesse uma inventariação de todo o espólio nacional oriundo das antigas colónias", disse.
A ex-deputada questionou ainda se se pode considerar como "património nacional" obras retiradas num ambiente de subjugação e de dominação dos outros povos.
"É inevitável hoje em dia falarmos de restituição e de reparação. É importante que haja uma discussão nacional que não dê mais hipótese à negação sistémica dos impactos negativos da violência do colonialismo português".
Katar Moreira acrescenta que "a resistência institucional revela a necessidade urgente da descolonização do conhecimento, da cultura e do imaginário português".
Outros analistas na capital portuguesa consideram, no entanto que o Governo angolano não tem uma estratégia oficial sobre esta matéria. Por outro lado, são unânimes em reconhecer que Portugal deve devolver o património museológico exportado de Angola, por várias razões.
Uma delas deve-se ao facto de Portugal ser signatário das convenções internacionais sobre o património histórico, nomeadamente a convenção sobre a proibição da exportação ilícita de bens culturais e a convenção da UNESCO sobre a exportação em casos de conflitos armados.
Artigo atualizado às 17:09 (CET) de 9 de fevereiro de 2022
João Carlos (Lisboa) | Deutsche Welle
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