segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022

Portugal | INOCENTES FALSÁRIOS

Joana Amaral Dias* | Diário de Notícias | opinião

Iocentes! Absolvidos! A deputada conhecida como a Emilinha das passwords só entrou no computador do colega José Silvano para apanhar uns documentos. Apenas isso e nada mais. O parlamentar disse que assim foi e o tribunal validou. Amém. Provou-se que aconteceu mas não se provou que foi de propósito. Fumou mas não inalou. Portanto, não houve falsidade informática (a justiça até considerou que se tratava de um anti-hacker; um ignaro em informática), logo a postiça presença do deputado foi acidental. Depois, o dito Silvano Camiliano ainda exigiu um pedido de desculpas à comunicação social, fingindo que não percebia que a questão nunca foi criminal mas política. Tanto quanto a justiça nos pede que finjamos crer nesta versão delicodoce cinderela. Ou isso ou temos fé no deputado Schrodinger que consegue estar ali e, simultaneamente, estar aqui. Ou o contrário até- como poderia Silvano cometer o ilícito se nem sequer estava no parlamento? Vale tudo. Já pensarmos que a assembleia da república é hoje uma casa do degredo na qual o comportamento amoral é tolerado e ocultado inter-pares num insuportável caciquismo, é que não. Já percebermos a gravidade do que foi feito pelo braço direito do Rio- Banho-d"Ética quando o seu partido tinha o maior grupo parlamentar, é que nunca. Nem pensar. Cruzes canhoto. Vade retro.

Silvano, agora reeleito, tem estado sucessivamente envolto em episódios pouco recomendáveis, sejam autárquicos sejam partidários. Aprendeu algo com este capítulo? Só se sabe agora de cor a cartilha do escapismo! E como este digníssimo representante do povo há muitos mais que seguirão a mesma douta conduta. Se nada muda, fica tudo na mesma, já diria La Palice. Nos anos 90, houve as viagens fantasma dos parlamentares. Depois, falsas presenças, falsas moradas e falsos votos. Vários desvios que fora da redoma de cristal do hemiciclo seriam motivo de despedimento. No mínimo. Até porque, se um deputado vota por outro no Orçamento de Estado é toda a votação que fica inquinada, invalidando o orçamento. É golpe no regime.

Muito haveria a fazer e a debater - desde referendos revogatórios de mandatos de iniciativa cidadã (como há, por exemplo, em alguns Estados dos EUA) até mecanismos públicos de avaliação individual de parlamentares por organismos independentes. Poderíamos ter rankings desses eleitos como existem noutros países, de acordo com critérios como produtividade e eficácia legislativa (impacto concreto das iniciativas, requerimentos, perguntas, comissões, intervenções, atividades e audições), assiduidade, conexão com o seu círculo eleitoral, processos judiciais e violações do novo Código de Conduta, entre outros. Se os funcionários públicos portugueses são avaliados (SIADAP), porque não poderão os eleitores conhecer a qualidade dos seus escolhidos? Vocês sabem porquê. Todos os animais são iguais só que ...

Certo é que vem aí uma longa legislatura de fraco ímpeto reformista e todas estas necessárias mudanças (ou outras como a fiscalização do rendimento dos titulares de cargos políticos, a reforma da lei eleitoral ou do sistema eleitoral) serão procrastinadas outra vez. E outra vez. Ai queixam-se? De quê? Foi tudo sem querer, portugueses. Casual, acidental. Siga.

*Psicóloga clínica. Escreve de acordo com a antiga ortografia

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