A história que começava por “ia tudo tão bem e estes irresponsáveis quiseram deitar o Governo abaixo” funcionou. A que dentro de meses Costa nos vai contar é outra, e vai começar por “afinal não era bem isto com que contávamos…” Aí, claro, vai ser (temporariamente) tarde demais.
Funcionou. Nem ele contava que funcionasse tão bem, mas a história contada por António Costa, que, simplificada, começava por “ia tudo tão bem e estes irresponsáveis quiseram deitar o Governo abaixo”, convenceu uns 90 mil votantes da CDU e 250 mil do Bloco, mais uns 40 mil outros (abstencionistas, restos do PAN), e deu-lhe a maioria parlamentar.
28% dos eleitores comunistas/verdes de 2019 e 51% dos bloquistas convenceram-se que dar maioria ao PS era a melhor forma de preservar o que terão achado ter sido a “geringonça” - aumentos de salário mínimo, pensões e prestações sociais, descida do preço dos transportes e das propinas, salário pago a 100% em período de lay-off.
Sejamos claros: ao abandonar quem, à esquerda do PS, obrigou o PS a fazer o que o PS não queria fazer nem em 2015, nem em 2019, e obrigando-o a assumir a política social mais à esquerda que algum governo socialista assumiu desde 1976, estes 340 mil eleitores (40% de quem em 2019 votava à esquerda do PS) entregaram nas mãos de Costa a possibilidade de não ter de negociar mais coisa nenhuma que beneficie a sério quem trabalha, estuda e tem uma reforma - além de não impedir minimamente que negoceie à direita tudo aquilo a pomposamente chama “acordos de regime” (ou “de cavalheiros”, na semântica rançosa de Santos Silva).
Com a inflação e a desvalorização do poder de compra dos assalariados e dos reformados, mais a iminente a subida das taxas de juro, vai ser preciso esperar muito pouco para que Costa regresse à austeridade e às políticas neoliberais que a social-democracia assume todas as vezes que grita “crise!”.
A história que dentro de meses Costa nos vai contar é outra, e vai começar por “afinal não era bem isto com que contávamos…” Aí, claro, vai ser (temporariamente) tarde demais. Este foi para a esquerda a sério (PCP, Verdes, BE) o preço da colaboração com o PS. Para os que continuam a passar a cassete gasta da ortodoxia do PCP e do radicalismo do BE, recordo que ambos os partidos anteciparam já em 2015 o preço que poderiam pagar por pôr o PS no governo quando ele não tinha os votos para lá chegar, e obrigá-lo a atuar como o partido de esquerda que, nas políticas económicas (recorde de privatizações com Guterres), sociais (legislação laboral de Soares e Sócrates) e na apropriação patrimonial do Estado (governos Guterres e Sócrates), o PS nunca foi.
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Revelador desta expectativa de que o PS mantenha as conquistas que lhe foram arrancadas pela esquerda é a votação na Margem Sul do Tejo, onde se concentra grande parte do eleitorado popular da CDU, onde o PS subiu bem mais (10-11% em alguns casos) que na média nacional (5%) e onde comunistas (e bloquistas) perderam mais que a média.
Aos que há 30 anos juram que o PCP vai morrer ou já morreu, e que (re)anteveem a morte do BE ao virar da esquina, lembro que há 20 anos, em 2002, estes partidos juntavam o mesmo meio milhão de votos que têm agora. Em 2015, depois de terem sido eles e não o PS a estar na batalha contra a catástrofe da troika, juntaram um milhão e impuseram a derrota da direita. Quando Costa começar a dizer que, afinal, não era bem como nos tinha contado, ele que se prepare. O 25 de Abril vai fazer 50 anos, e nós ainda cá vamos estar. Todos.
* O Diário.info | Imagem: Industria Criativa
Fonte: “Público”. 1.02. 2022
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