O AbrilAbril esteve à conversa com Mariana Silva, dirigente do Partido Ecologista «Os Verdes», sobre o futuro da exploração de lítio em Portugal, que o Governo quer pôr a concurso público já no início deste ano.
A notícia chegou em Fevereiro, poucos dias depois das eleições legislativas: das oito áreas propostas para a exploração de lítio, o metal mais leve e menos denso de todos os elementos sólidos, duas foram definitivamente excluídas pela Avaliação Ambiental Estratégica, dando provimento às reivindicações dos movimentos populares contra as minas: Serra d'Arga, no Alto Minho, e Segura, no distrito de Castelo Branco.
O concurso público para a exploração das seis novas minas de lítio deve agora arrancar nos próximos 60 dias. Seixoso-Vieiros, Massueime, Guarda-Mangualde C, E, W e NW, continuam, no entanto, em cima da mesa, com uma redução de cerca de 50% da área originalmente pensada.
Em entrevista à rádio TSF, Matos Fernandes, ministro do Ambiente ainda em funções, assumiu a validade de muitas das críticas dirigidas ao processo, que se arrasta desde o Governo PSD/CDS-PP de Passos Coelho: «Há uma coisa que podem dizer e dizem bem: mostre-me alguma exploração exemplar mineira em Portugal ou na Europa. Tenho muito poucos exemplos para dar. Tenho de ter essa humildade».
Reconhecendo o ministro do Ambiente todas as dúvidas que recaem sobre a mineração, envolto num procedimento nebuloso, com arranques e travagens bruscas, altamente contestado e com um projecto, no mínimo, e passando o pleonasmo, cheio de buracos, porque é que os sucessivos Governos PS/PSD/CDS-PP não desistem de abrir minas um pouco por todo o País?
Ao AbrilAbril, Mariana Silva, dirigente do Partido Ecologista «Os Verdes» e deputada à Assembleia da República no mandato 2019-2021, clarificou as verdadeiras intenções escondidas por detrás da máscara da transição energética.
Porque é que o lítio se tornou, de repente, tão essencial?
A União Europeia (UE) sabia que quando deixássemos de utilizar combustíveis fósseis teríamos de recorrer aos veículos eléctricos. Para isso são precisas baterias e as baterias precisam de lítio, um mineral mais leve, utilizado sobretudo para reter energia.
A partir do momento em que a UE pretende avançar para essa transição, apoiando a indústria automóvel (e este mineral demonstra ser necessário para dar este passo), fomos assistindo a um redobrado interesse por parte da Europa em gerar, ela própria, este material.
Os países onde supostamente há lítio estão, neste momento, focados em dar esta resposta à UE.
E que países na Europa são esses?
Um pouco na Alemanha, mas o
foco está muito aqui,
«Os Verdes» defendem que essa investigação deve ser feita, mas pela mão do Governo. É da sua responsabilidade saber o que há no subsolo.
Não há alternativa ao lítio? Estamos condenados a recorrer a este mineral para acabar com os combustíveis fósseis?
Para já, o hidrogénio ainda não está suficientemente estudado. Há quem diga que já está muito evoluído mas ainda nos coloca algumas dúvidas, não percebemos ainda muito bem que consequências é que pode ter para a água.
No caso do lítio, precisamos antes de perceber porque é que temos estas riquezas e o Estado nem sequer as considera gerir, abandonando-as à exploração de privados.
Essa hipótese não está colocada?
O ministro do Ambiente disse, numa das suas últimas intervenções, que essa é uma responsabilidade dos privados. O Estado não quer entrar nesta exploração, nem sequer fazer um programa de exploração mineira como outros países têm.
Neste momento já existem três áreas de exploração do lítio em Portugal adjudicadas: Argemela, Montalegre e Boticas.
Quais é que são as consequências desta exploração mineral? Tem alguma diferença em relação a outro mineral ou o problema é mesmo a localização junto a áreas protegidas?
Antes de tudo, as empresas vão ter a possibilidade de fazer a prospecção do subsolo. Só depois disso é que decidem se exploram, isto se lhes interessar e cumprir com os estudos do impacto ambiental.
São sempre explorações a céu
aberto. Os buracos vão ter uns
Na prospecção de Montalegre e Boticas, onde «Os Verdes» estiveram, só o perceber o que lá existia, abrindo buracos a grande profundidade, foi o suficiente para desviar linhas de água. Já há aldeias nessa zona sem água.
Já são zonas desertificadas e isso só se tenderá a agravar, com o acréscimo de todos estes problemas.
O Governo insiste que estas áreas seriam valorizadas pelas explorações, que todo o material seria trabalhado em Portugal.
E qual foi a empresa que apresentou o projecto para a refinaria? Esse é o outro lado, o que falta de transparência nos processos, os contratos terem sido assinados, e isto já vem do Governo PSD/CDS-PP, sempre em datas muito estratégicas.
Agora mesmo, antes da dissolução do parlamento, foram assinados mais 11 ou 12, dois dias depois das eleições vêm dizer que afinal só há seis áreas com luz verde. são sempre datas muito estratégicas, que ficam adormecidas nas eleições autárquicas e presidenciais e voltam depois com uma novidade qualquer, porque já há estudo ambiental, porque se assinaram os contratos, etc.
Não nos parece o ideal assinar um contrato antes de se saber o que se vai fazer concretamente. Só depois da prospecção devíamos conceder o direito de exploração.
Como é que o Estado pode garantir que as empresas mineram o acordado, se o processo é todo desenvolvido por interesses privados?
Colocámos a questão a uma responsável da DGEG (Direcção-Geral de Energia e Geologia) na Comissão de Ambiente da AR: quantas vezes por ano é que eles iam às minas fiscalizar. O que nos responderam é que há anos em que nem sequer lá iam, porque não têm gente suficiente.
Dá-se a autorização para explorar feldspato, ouro, etc., um conjunto de minerais, mas se não há ninguem que fiscalize, acaba-se a explorar urânio e outras coisas que ninguém sabe e com um valor económico maior. Quem sai favorecido são as empresas privadas. Mesmo não arranjando licença, exploram sem dizer nada.
Se não tiveres fiscalização, saem dali 100 gramas ou 100 quilos, são as empresas privadas que decidem o que é que dizem ao Estado. Em todo este processo era necessário reforçar as estruturas de defesa do ambiente.
Se a exploração tem um valor económico para o País, porque é que não a faz o Estado?
Mas porque é que se tem atrasado tanto o processo? Foi a luta e resistência das populações a travar o passo?
A luta das populações têm sido muito importante, deixou algumas mazelas neste processo. O que verificamos é que, dantes, as populações pouco sabiam: as coisas apareciam feitas e já não havia volta a dar. O que nós temos agora são populações muito atentas, que recorrem aos subsídios para manter aquilo que sempre fizeram (a agricultura e a pastorícia), são populações que estão a manter a região e a aproveitar os bens naturais para o turismo. Questionam mais e já não permitem que qualquer coisa seja feita na sua região e na sua terra.
Não foi permitida, a muitas dessas pessoas, a construção de casas na terra onde nasceram, onde querem construir para, mais tarde, regressar: ou porque o Plano Director Municipal (PDM) não deixou, ou porque é uma reserva natural, um problema de burocracias, e agora vêem abrir um enorme buraco nesses mesmo locais, ou uma refinaria.
Não seria uma vantagem instalar refinarias nesses locais desertificados? Com as vantagens de emprego que criaria nessas regiões? É um dos grandes argumentos do Governo.
Quase todo o trabalho é automatizado, feito pelas máquinas. A maior parte vão ser motoristas e técnicos que operam essas máquinas, pouco mais.
A desertificação que já lá existe só vai aumentar. As pessoas vão-se embora, ninguém aguenta o barulho 24 horas sobre 24 horas. Para além disso, a população destas zonas já é muito envelhecida, não vai trabalhar na mineração. É um falso argumento, por isso não dizem exactamentes quantos trabalhadores vão necessitar.
Quais são, então, as principais consequências, no local, para as populações e a biodiversidade?
Já tínhamos mencionado o ruído, é inevitável, vão laborar 24 horas por dia, 365 dias por ano. A poluição luminosa, a luz das minas, é também prejudicial para a biodiversidade, para os insectos, para a fotossíntese, muitas coisas são influenciadas por este tipo de poluição.
Na questão da protecção de animais protegidos, como o lobo ibérico, podem dizer que não influencia directamente a Rede Natura, mas a natureza não funciona com fronteiras: pó, barulho, luz, tudo isso os vai afectar. Todos os animais que circulam naquela área vão sofrer com isso. Se o Estado tem a responsabilidade de os proteger, também tem de pensar que este tipo de exploração vai trazer dificuldades na conservação e preservação desta biodiversidade.
E as terras retiradas destes locais para onde é que vão? Geralmente são levadas para um sítio perto, para depois se proceder à recuperação ambiental, mas acaba, quase sempre, por não ser assim que se desenrola o processo.
A recuperação ambiental vai ser feita pelas empresas privadas? Ninguém acredita nisso. O que aconteceu no passado é que as empresas foram embora enquanto o Estado ficou com os custos. Ainda hoje andamos a tratar destes locais.
Não dizemos que não deve haver exploração mineral, ela tem de existir para sustentar o nosso modo de vida, tem é de ser equilibrado, de forma clara e transparente. No passado a recuperação ambiental deixou muito a desejar...
E ainda acresce a refinaria...
Onde? Nem um grama vai sair daqui, disse o Ministro. Onde então? Qual é a empresa que vai refinar? Onde fica instalada a refinaria? Há alguma empresa que queira só refinar? Há assim tanto lítio que justifique a construção deste equipamento?
Há geólogos que não estão convencidos que haja sequer quantidades de lítio que sejam favoráveis, economicamente, para o país. Todas as consequências para a restantes economia das regiões (agricultura, florestas, produção animal), quer seja na cultura das pessoas, tradições, os espaços, no turismo, o efeito vai ser muito grande.
Estas regiões que ainda se estão aguentar, com os poucos habitantes que ainda têm, a conseguir fazer a sua vida, desenvolvendo projectos económicos, vai tudo cair por terra por causa de uma exploração mineira, que nem sabemos quanto lítio pode ter.
Aquilo que pretendemos [«Os Verdes»] com a alteração da lei das minas, por exemplo, é que os municípios tenham a última palavra nestes assuntos. O único poder que têm, neste momento, é o de negar a prospecção, mas aí ninguém dá parecer negativo. Quem é que não quer saber o que há no subsolo? É natural que se queira saber o que lá há.
A partir do momento em que dão o parecer favorável à prospecção são obrigados a dar aval à exploração. Queríamos fazer esta alteração mas não passou na AR.
E as populações que poder teriam?
As populações têm de ser envolvidas neste processo. O ministro do Ambiente veio agora dizer que os municípios podem indicar uma pessoa para acompanhar os grupos de trabalho. O que interessa é que sejam envolvidas, todas, e percebam o que vai acontecer na sua região, quantos postos do trabalho vão ser criados ao certo, saber porque é que uma cratera que fica a um quilómetro de casas é opção, com todos os impactos que tem a exploração mineira: dos camiões, do pó, do barulho, os estouros, as explosões, etc.
Quais são as alternativas ao Lítio? Podemos dar-nos ao luxo de ignorar este recurso? Parecemos um pouco reféns deste mineral...
Se só estamos a falar de alimentar uma indústria automóvel, se é para aí que estamos virados, «Os Verdes» não querem substituir 500 carros a combustíveis fósseis por 500 eléctricos. Queremos é que exista uma boa rede de transportes em todo o país para que as pessoas possam optar pelo transporte público e fazer a verdadeira descarbonização. Se substituíres só esses 500 vais continuar com a poluição, engarrafamentos, a necessidade de produzir energia.
Não há ainda solução para as baterias de lítio, ninguém sabe o que lhes fazer. As baterias depois vão para onde? Não podemos ir buscar lítio à China ou Austrália, mas podemos enviar as baterias usadas para outro país, para poluir os solos e os lençóis freáticos de outros.
O desenvolvimento devia estar a ser feito noutro sentido, promover o transporte público e não andar a alimentar a indústria automóvel a todo o custo. Com uma ferrovia muito bem desenvolvida, com ligação à Europa, não precisarias de todas estas baterias... Podemos usar autocarros eléctricos, claro, mas as baterias ainda não estão desenvolvidas para conseguir cobrir grandes distâncias.
Que população é que pode aceder aos valores dos carros eléctricos, estamos afinal a responder às necessidades de quem?
Neste momento já parece ser inevitável a exploração em alguns locais do País.
Mesmo assumindo que é para avançar com a mineração, temos de arranjar uma plano para o lobo ibérico, um plano que proteja a floresta. Podemos olhar para o nosso País, como um país que irá fazer a diferença na exploração deste mineral ou como um país que irá fazer a diferença pela descarbonização e captura de carbono com a sua floresta autóctone, com agricultura sustentável, com a produção de animais de carne classificada. De repente parece que o ambiente só aceita a solução do lítio.
Falávamos à pouco sobre a falta de pessoal que existe para fiscalizar as minas, o mesmo se passa com os vigilantes da natureza, que já não são em número suficiente, era indispensável para o avançar do processo de mineração, ter mais vigilantes.
Fizemos uma proposta para a contratação de novos profissionais, aprovada, mas depois criaram logo entraves. Se vamos entrar pelo caminho do lítio, vamos fortalecer as estruturas responsáveis pela defesa do ambiente.
Pode haver a tendência de dizer que aquelas populações estão a impedir a descarbonização do planeta.
Aquelas populações estão a lutar para salvar a sua região, a prova disso é a classificação da FAO, tiveram de se unir todos para fazer o processo de classificação de solos agrícola, reconhecidos internacionalmente, e eles juntaram-se para que o Barroso tivesse aquela classificação. A partir daí, não é mais uma zona abandonada que está para ali esquecida, as poucas pessoas que lá vivem querem valorizar a sua terra.
Há outros valores para além da protecção ambiental: social, cultural, tradicional, o património. Tudo isso tem de ser posto na balança. Se vamos ser um País rico, cheio de lítio, devia ser gerido pelo Estado.
A floresta pode dar lucro, a pastorícia, a agricultura, porque é que havemos de optar por destruir? Esperar anos para que a natureza reconstrua. Alguns dos contratos vão até 30 anos. Depois das pessoas abandonarem as terras, o que fazer com uma região desertificada?
AbrilAbril
Imagem: Centenas de populares participaram na manifestação promovida pelo Movimento Anti-Lítio Seixoso-Vieiros contra a prevista exploração de lítio na região, no centro da Lixa, no concelho de Felgueiras, a 12 de Fevereiro de 2022 - Estela Silva // Lusa
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