Camatambo estava iluminada pelo sol do meio-dia e no ar pairava o perfume do café. Das colinas do Norte soprava uma brisa quente. Das terras do Bungo e das serranias de Mucaba vinham ecos longínquos de tempos idos, quando uma bela princesa foi raptada de casa de seu pai. Tanto choro, tanta dor paira ainda no corredor dos caçadores que por montanhas e vales vão até às cavernas da serra sagrada, à procura do rasto da raptada.
Durante anos, o pai pediu a Mandiangu que preparasse um veneno tão forte que fizesse falar o raptor da bela princesa. Mas os que provaram a poção ficaram para sempre em silêncio, não conheciam o caminho que conduzia às serranias de Mucaba nem tampouco as cavernas onde os maldosos escondiam as suas presas humanas.
Mandiangu era o mais terrível dos feiticeiros. Quando se formaram as primeiras montanhas e nasceram as grandes árvores das matas da Damba, ele comeu a sua mãe. Desde então está sempre presente. Os velhos muito velhos perderam-lhe a idade, ele vem de outras eras, de outros ventos, quando não existia Norte nem Sul.
Se Mandiangu comeu sua mãe, é capaz de devorar todas as mães do mundo, fera eterna que iludiu o tempo, escondido numa cabaça, quando as terras da Damba foram varridas pela ventania e o fogo do fim do mundo.
Camatambo é a esteira de Mandiangu. É lá que ele dorme seu sono inquieto e prepara o veneno que faz revelar todas as maldades.
Kawenga é forte e destemido. Quer descobrir a caverna da serra de Mucaba onde está aprisionada a Princesa da Damba.
- Onde estás, meu amor, tu que já viveste todos os tempos e viste o fim do mundo?
Ninguém responde a Kawenga. Nem o vento nem o povo. Todos temem sair de casa, porque os perguntadores acabam por provar o veneno de Mandiangu, o que comeu a mãe e todas as mães da Damba, desde que os indómitos varões de Mucaba raptaram a bela princesa da casa de seu pai e rei.
Um dia Mandiangu recebeu Kawenga no seu tugúrio envenenado.
- Ó poderoso comedor de mães, dá-me poderes para chegar à serra de Mucaba, em demanda da Princesa da Damba!
Mandiangu expeliu um fortíssimo veneno pelos olhos e tudo à sua volta secou, ficou mais deserto do que as terras daninhas e as mulheres velhas que nunca foram mães. Depois tirou uma baforada do seu cachimbo e disse ao destemido jovem que jurou descobrir o refúgio da princesa:
- Vai sem medo nem dúvida. Se aparecerem os teus inimigos, sê inteligente: Avo tina uta tina, yovo landa atakulanda, nda sotodingi ibosi akuyambula. Mandiangu aconselhou o destemido Kawenga a enganar os perseguidores:
- Na fuga, vai deixando, pouco a pouco, tudo o que possuis. As alpercatas de borracha de pneu, o pano do congo, o machadinho da lenha, a catana da capina, o dinheiro da maldade.
Kawenga partiu determinado.
Quando viu ao longe os inimigos, procedeu como ensinou o feiticeiro. Foi dando
aos perseguidores tudo o que tinha e eles deixaram-no prosseguir
Os mabecos dançavam sua dança de uivos e latidos, à espera de Kawenga. Ele apenas tinha para oferecer o sonho de encontrar a Princesa da Damba, que era muito mais valioso que a própria vida. Não o largou nem por um instante. Até que os mabecos partiram em grande correria, quando viram na encosta da colina um burro do mato pastando mansamente.
Kawenga terá conseguido chegar ao esconderijo onde os ladrões guardaram a Princesa da Damba? Em Camatambo ninguém confirma.
O terrível Mandiangu continua a destilar o veneno que permite descobrir a verdade e nas noites mais escuras sai à procura de mães para comer. Nunca mais ninguém encontrou Kawenga, nem nas montanhas nem nos vales, nem nos rios. Está perdido numa nuvem que ameaça tempestade, agarrado desesperadamente ao sonho de encontrar, um dia, nem que seja o último, a Princesa da Damba.
Noite alta, já a madrugada pressentia a luz do dia, ouviu-se em Camatambo o vagido de uma criança recém-nascida. Mandiangu ficou alerta na esteira. Mais uma mãe para as suas contas!
Ku tutukidi ku la, ku tukwenda ku kufi. O lugar donde viemos é muito longe, o destino para onde vamos é mais perto.
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