sexta-feira, 4 de março de 2022

FUGITIVOS AFOGADOS E REFUGIADOS COM LULUS -- Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

As televisões do mundo ocidental mostram dois jovens ucranianos casando numa igreja em Kiev. Haja amor e ternura em tempo de morte e destruição. Mas a sociedade do espectáculo é implacável. E o jovem casal foi de seguida apresentado de armas na mão. Os dois, felizes, garantiam ante as câmaras que iam imediatamente combater os russos. E exibiam, orgulhosos, as suas armas AK47 (Kalashnikov). Nada a opor. Mas depois não enganem os telespectadores, não mintam, não manipulem, dizendo que na Ucrânia estão a morrer civis. Porque se todos os civis mortos forem da extracção dos jovens recém-casados, está tudo explicado.

Ao longo da minha carreira profissional cobri várias guerras. Uma delas foi na Roménia. Quando começaram os movimentos armados contra Nicolae Ceaușescu fui para lá mas já não existiam voos e todas as fronteiras estavam fechadas. Fui de avião até Sófia e lá apanhei um comboio até à fronteira. Atravessei a grande ponte que liga os dois países, a pé, fazia um frio de rachar. Era Dezembro. A sorte do repórter é fundamental nestas circunstâncias. Do lado romeno os comboios estavam paralisados e não existiam autocarros. Encontrei um “guia turístico” que falava francês. Prontificou-se a levar-me até Timișoara onde os Media mundiais diziam que as forças de Ceausescu estavam a massacrar manifestantes, aos milhares.

Tudo mentira. Não existiam massacres mas verifiquei na morgue da cidade estavam os cadáveres de algumas dezenas de homens fardados, os famosos guardas que protegiam Ceausescu. O guia explicou-me que forças estrangeiras estavam na cidade e neutralizaram as tropas de elite. Segui para Bucareste mas quando lá cheguei, já o golpe de estado tinha triunfado.  Era a confusão total. Os jornalistas foram todos enviados para o Hotel Intercontinental. Eu fui para um pequeno hotel indicado pelo meu guia, que tinha um cunhado na guarda presidencial. A sorte do repórter. Esse oficial contou-me tudo o que tinha acontecido e falou-me num autêntico massacre entre a guarda presidencial.

Fomos à morgue e lá estavam centenas de homens estendidos no chão. Causa da morte: Tiros na nuca. Algum tempo depois executaram Ceausescu e a esposa. Os membros da Junta Militar deram uma conferência de imprensa e eu perguntei: Onde estão as vítimas civis de Tmisoara e Bucareste? Na morgue só vi guardas presidenciais com tiros na nuca! A resposta foi muito eficaz. Dois matulões foram ter comigo e pediram-me que os acompanhasse. Meteram-me à força numa viatura da polícia e só parámos no aeroporto. Fiquei preso numa sala até sair o primeiro voo de Bucareste, por sorte com destino a Paris, onde fui enfiado à bruta. 

Os franceses tinham dado o golpe de estado a Ceausescu. Primeiro inundaram o mundo de mentiras e depois ajudaram os golpistas. Escrevi tudo isso no Jornal de Notícias, na época o maior jornal português. Hoje é apenas um jornaleco da turma dos alunos da quarta classe. O que fui fazer! Crucificaram-me. Quase um ano depois, o jornal Libération denunciou exactamente aquilo que eu tinha denunciado. Ninguém reagiu. Hoje fizeram-me chegar um vídeo terrível. Membros do Batalhão de Azov apanharam um soldado russo e crucificaram-no entre gritos lancinantes do crucificado. Cuidado com os russos! Afinal não se converteram ao Imaculado Coração de Maria.

Atenção! O vídeo é verdadeiro, não se trata de uma montagem grosseira ou teatro medíocre tão ao gosto do presidente da Ucrânia. Ninguém o quer divulgar e ainda bem. São imagens de horror. Indiferença é que não. Mostram-me um jovem alemão que foi da Alemanha para Kiev com o seu piano às costas e agora toca nas ruas. Uma jovem ucraniana aproveita e interpreta um tema mundialmente conhecido. Confessa que não dorme e está cheia de stress. 

A Polónia é um paraíso ainda que a União Europeia diga que o seu governo não respeita os valores democráticos. Há um mês ergueu barreiras de arame farpado e mandou guardas armados até aos dentes para não deixar entrar refugiados afegãos, líbios e sírios. Hoje é fronteira aberta! Já recebeu 1.200.000 refugiados ucranianos, de preferência loiros e de olhos azuis. Pretos e cinzentos, nem pensar! É a supremacia da brancura aplicada aos refugiados. 

Uma família ucraniana procurou refúgio em Lisboa. Heróis do Mar! O Tio Celito e o Zé das Moedas, presidente da Câmara de Lisboa, estão a criar estruturas para receber os refugiados ucranianos como deve ser. Mas nada fizeram nem fazem para receber afegãos, líbios, sírios e outros desgraçados perseguidos e escorraçados dos paraísos abençoados pelo estado terrorista mais perigoso do mundo (EUA). 

Os angolanos, guineenses, moçambicanos e cabo-verdianos que querem trabalhar em Portugal oferecendo mão-de-obra quase gratuita, são empurrados para os bairros da lata e depois vai lá o líder do partido Chega chamar-lhes bandidos. Celito e Moedas são bons cristãos. Eu sou um blasfemo nas não me rendo ao banditismo político e mediático. Mereço o meu pedaço de pão.

Muitos refugiados ucranianos são verdadeiramente humanistas. Fogem mas trazem com eles os animais de estimação, sobretudo cachorrinhos. Até choro. Há refugiados que morrem como cães nas águas do Mediterrâneo. Os que chegam à praia são enfiados em campos de concentração. O Papa Francisco foi visitar um desses infernos em Itália e exigiu aos líderes mundiais que tenham vergonha. Ninguém o ouviu. A OTAN (ou NATO), braço armado do estado terrorista mais perigoso do mundo (EUA) destruiu o Iraque, destruiu a Líbia, destruiu a Síria, está a destruir o Iémen. Nesses países a vida é impossível. Os que fogem são chamados de “migrantes”. O mundo ocidental está sequestrado pelo banditismo político.

Agora o golpe de teatro. Os Media ocidentais ouvem centenas de refugiadas. Todas dizem que os pais, maridos, irmãos, namorados, “ficaram a combater”. Penso que dizem a verdade. Mas há outra verdade. Os homens adultos até aos 60 anos foram transformados em escudos humanos! Vou repetir: escudos humanos. 

Se isso não é verdade, então é mentira que na operação militar da Federação Russa estejam a morrer civis, são todos combatentes armados. A garantia é dos seus familiares. Enfim, coisas que lhes mandam dizer e as pessoas, em estado de necessidade, dizem sem pensar. 

A propaganda ocidental visa estupidificar a opinião pública. Cortar a raiz do pensamento. Já muitos tentaram ao longo da História mas nunca conseguiram. Apesar da sociedade do espectáculo, das lixeiras das redes sociais e da submissão do Jornalismo, também não vão conseguir agora. Resistência popular generalizada, precisa-se! Quem alinha?

* Jornalista

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