Bruxelas avisa que o processo de adesão é longo e não parece haver consenso sobre o tema. Diálogo com Moscovo continua "em breve", mas sem cessar-fogo à vista.
O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, assinou esta segunda-feira um pedido de adesão imediata da Ucrânia à União Europeia (UE), numa altura em que os ataques russos não parecem ter fim apesar de uma primeira ronda de negociações entre Kiev e Moscovo na Bielorrússia. Não houve acordo, mas um compromisso de continuar "em breve" a negociar tendo em vista um eventual cessar-fogo.
"Fazemos um apelo à UE para a adesão imediata da Ucrânia ao abrigo de um novo procedimento especial", disse Zelensky, um dia depois da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, ter dito que a Ucrânia "é uma de nós e queremos tê-la na UE" numa entrevista à Euronews. "Agradecemos aos nossos parceiros que estejam connosco, mas o nosso objetivo é estar com todos os europeus e, mais importante, ser iguais", acrescentou Zelensky , mostrando-se convencido que esta seria a decisão "justa" e que é "possível".
Contudo, o chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell, defendeu que este é um processo que demoraria tempo e é preciso primeiro tratar das coisas práticas. Borrell considerou que a adesão da Ucrânia "não é um assunto na agenda" da UE. "A adesão é uma coisa que demoraria cerca de dois anos. E, nós temos de dar uma resposta em relação às próximas horas. Não para os próximos anos, mas para as próximas horas", afirmou, referindo-se à coordenação da estratégia para a entrega de armamento a Kiev.
Já o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, admitiu que há "opiniões e sensibilidades diferentes" sobre o tema. O último alargamento foi em 2013, com a entrada da Croácia, seguindo-se o choque do Brexit, com a saída do Reino Unido. Há cinco países há anos na lista de espera para poder entrar - a Macedónia do Norte, por exemplo, aguarda desde 2005.
A embaixadora da Ucrânia em Portugal, Inna Ohnivets, pediu que Lisboa apoie a adesão do seu país à UE, mas também que considere a rotura de relações com Moscovo. "Esta medida é muito dura, mas é justa (...) Estão a matar os ucranianos no nosso país, nomeadamente as crianças. Já morreram 16 crianças", declarou num encontro com o autarca da capital, Carlos Moedas.
A Ucrânia denunciou esta segunda-feira o uso de bombas de fragmentação nos ataques contra áreas residenciais em Kharkiv (Carcóvia), com a morte de pelo menos 11 pessoas naquela que é a segunda maior cidade do país. O balanço do número de mortos no conflito continua incerto, com Kiev a falar em cerca de 200 civis e dezenas de militares mortos. A Rússia admitiu no domingo as primeiras baixas, sem dar dados.
Negociações diretas
A primeira ronda de negociações entre a Rússia e a Ucrânia, na Bielorrússia, terminou sem acordo, mas com a indicação de que o diálogo continuará. "As delegações estão a regressar às suas capitais para consultas e discutiram a possibilidade de um encontro para uma segunda ronda de negociações em breve", disse o ucraniano Mikhailo Podolyak, conselheiro do presidente Zelensky. "Acordámos manter as negociações", disse por seu lado o líder da delegação russa, Vladimir Medinsky, ex-ministro da Cultura e conselheiro de Vladimir Putin.
Antes do início da reunião, a Ucrânia revelou quais eram as suas exigências. "A questão chave é um cessar-fogo e a retirada das tropas do território ucraniano", segundo a nota da presidência. Além de Podolyak, a delegação ucraniana incluiu, entre outros, o ministro da Defesa, Oleksiy Reznikov, que vestiu roupas militares, o líder do partido Servo do Povo (de Zelensky), David Arakhamia, e o vice-ministro dos Negócios Estrangeiros, Nikolay Tochitsky. Já a delegação russa integrava Medinsky e representantes dos ministérios dos Negócios Estrangeiros e da Defesa, além da Duma.
A Rússia não revelou as suas exigências, mas num telefonema com o presidente francês, Emmanuel Macron, Putin deixou claro quais os seus pré-requisitos. "Putin enfatizou que um acordo é possível só se os interesses legítimos de segurança da Rússia forem levados em consideração de forma incondicional, incluindo o reconhecimento da soberania russa sobre a Crimeia, a desmilitarização e desnazificação do estado ucraniano e a garantia do seu estatuto de neutralidade", segundo o relato feito pelo Kremlin.
De acordo com o comunicado do Eliseu, Macron reiterou a necessidade de um cessar-fogo imediato, incluindo o fim dos ataques contra civis e zonas residenciais, a preservação de todas as estruturas civis e uma garantia de segurança das ligações rodoviárias. Moscovo acusa Kiev de usar os civis como "escudos humanos", garantindo que todos podem deixar livremente Kiev.
Numa reunião de urgência da Assembleia Geral das Nações Unidas, que começou com um minuto de silêncio, o embaixador ucraniano, Sergiy Kyslytsya, avisou. "Se a Ucrânia não sobrevive, a paz internacional não sobreviverá. Se a Ucrânia não sobrevive, as Nações Unidas também não vão sobreviver. Não tenham ilusões", referiu, comparando o que está a acontecer ao início da II Guerra Mundial e Putin a Hitler. Já o embaixador russo, Vasilly Nebenzia, que falou depois, reiterou a versão de Moscovo, segundo a qual não está em curso uma guerra contra um país vizinho, mas uma tentativa de pacificar um conflito (no leste da Ucrânia) que dura há anos.
Lavrov cancela viagem
A Rússia respondeu ao fecho do espaço aéreo europeu aos seus aviões na mesma moeda, anunciando a proibição de voos de companhias aéreas com 36 países, incluindo Portugal. Por causa da proibição, o chefe da diplomacia russa, Sergei Lavrov, cancelou a ida a Genebra, onde terá lugar uma sessão do Conselho dos Direitos Humanos da ONU e uma Conferência sobre o Desarmamento. O ministro devia intervir em ambos os fóruns esta terça-feira e dar uma conferência de imprensa.
Num corte com a tradição de neutralidade, a Suíça adotou as sanções já impostas pela UE à Rússia, incluindo contra Putin. "É um grande passo para a Suíça", disse o presidente Ignazio Cassis. Também a Finlândia, outro país neutro mas membro da UE, tomou a decisão histórica de fornecer armas à Ucrânia, disse a primeira-ministra Sanna Matin. Uma sondagem revelou que 53% dos finlandeses são agora a favor da adesão à NATO (28% são contra), sendo que em janeiro 28% eram a favor e 42% contra.
No terreno, Zelensky ordenou a libertação dos presos com experiência militar para que se possam juntar aos combates. E a vice-ministra da Defesa, Hanna Maliar, indicou que o apelo para que voluntários estrangeiros se juntassem à resistência já levou "milhares" a candidatarem-se à "Legião Internacional".
Susana Salvador | Diário de Notícias
Imagem: Delegação russa e ucraniana nas negociações na Bielorrússia // © EPA/SERGEI KHOLODILIN / BelTA
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