O cão e o cágado eram amigos e caçavam sempre juntos, na floresta do Maiombe, perto da aldeia do Luali. Ficavam nas margens verdejantes do rio e enquanto o cágado comia suculentos frutos, o cão ficava emboscado à espera das suas presas. Depois de encher a barriga de dendém vermelhinho, o cágado recolhia à sua carapaça e ficava a dormir, esperando que o cão apanhasse um coelho ou outro bicho pequeno, na hora de ir beber água ao rio.
Depois de cada caçada, o cão preparava a sua refeição. Quando da panela saía um cheiro que abria o apetite, o cágado desafiava o amigo para irem nadar um pouco no Luali.
Nas águas cristalinas do rio, o cágado desafiava o amigo:
- Cão Caçador, vamos fazer uma corrida para ver quem nada melhor?
E o cão aceitava o desafio, porque nadava muito bem, com as suas quatro patas fazendo de remos.
- Vamos fazer uma corrida, Cágado Comilão, vais ver que eu nado melhor do que tu!
O cágado era um velho sábio, na floresta do Maiombe ninguém sabia a sua idade. Nem os mais velhos da aldeia do Luali se lembravam de o ter visto jovem. E como sabia que o cão era mais rápido do que ele, lançava ao amigo um novo desafio:
- Vamos ver quem aguenta mais tempo debaixo de água, Cão Caçador!
O cão aceitava sempre as propostas do amigo, porque queria mostrar-lhe que era muito poderoso. Cada um puxava a brasa à sua sardinha. O Cão Caçador dizia que ele nadava melhor que o amigo, mas o Cágado Comilão dizia que além de grande nadador era também um grande mergulhador.
No desafio o Cão Caçador mergulhava primeiro. Depois de nadar alguns minutos voltava para junto do cágado cansado e sem fôlego.
O Cágado Comilão ria-se e dizia ao amigo:
- Agora verás quanto tempo eu nado, em cima ou por baixo da água!
O cágado mergulhava e sorrateiramente nadava, debaixo da água, até sair na outra margem do rio e ia para casa, onde, à vontade e bem refastelado, comia toda a refeição que o cão tinha preparado.
Quando tinha a barriga cheia, voltava a mergulhar e juntava-se ao amigo cão. Fazia isso todas as vezes que iam ao rio. Quando terminavam os desafios, o Cão Caçador sentia-se fraco e inferior ao Cágado Comilão, porque perdia sempre.
De regresso a casa só se ouviam choros e lamúrias do Cão Caçador. O Cágado Comilão, como bom amigo, animava-o:
- Calma, meu irmão, na próxima vez ganhas tu!
Mas o cão uivava, latia, chiava. Era sempre assim todas vezes que cozinhavam e a seguir iam ao rio brincar. Um dia, o Cão Caçador, sem avisar o amigo Cágado Comilão, foi consultar um ngianga (quimbanda). Explicou-lhe os seus fracassos e ele deu-lhe um feitiço para colocar na tampa da panela, antes de irem ao rio tomar banho.
Naquele dia o Cão Caçador apanhou um mbiambi que estava distraído a beber na margem verdinha do rio Luali. Foram para casa e prepararam a refeição. Da panela saía um cheiro tão bom que o cágado ficou cheio de apetite. E como sempre, propôs:
- Vamos dar um mergulho ao rio?
O cão aceitou o desafio, mas sem o cágado ver, pôs o feitiço na tampa da panela. A seguir, veio o desafio habitual. O cão nadou, mergulhou, ficou sem fôlego. O cágado, nadou debaixo de água, subiu para a margem, foi para casa e destapou a panela. Mas a sua mão ficou colada. Meteu a cabeça e ela também ficou colada. Na sua luta para ir comer a refeição, o Cágado Comilão acabou por ficar com o corpo colado. E começou a gritar por socorro!
Passaram as horas e horas e o amigo cágado nunca mais aparecia. Aborrecido com a demora, o Cão Caçador arrumou as coisas e foi para casa. Para seu espanto, lá estava o amigo Cágado Comilão colado e envergonhado. E o cão ficou a saber que o gatuno da comida era o seu amigo.
Moral da história: não te faças mais inteligente do que os outros porque morres antes do tempo: Bika bá bene liliela vo uafua ntete!
*Esta história foi-me contada por João Tati Nduli em Cabinda
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