sábado, 9 de abril de 2022

O TAPETE ROSA E UM MASSACRE

Miguel Guedes* | Jornal de Notícias | opinião

O regresso à política tem ementa. O Programa do Governo (PG), uma primeira moção de rejeição pela extrema-direita e o Orçamento de Estado (OE) a apresentar na próxima semana, ainda antes da Páscoa.

No contexto de uma maioria absoluta, a sensação que paira no ar é que será muito disto e muitas vezes. Com António Costa a ter de gerir humores apenas dentro do PS e com um tapete rosa entendido pelos resultados das últimas eleições, assistiremos a abundantes exercícios de estilo por parte daquela oposição que não quer fazer política, mas sim demagogia com marca registada. Esta primeira moção de rejeição pela extrema-direita dos "portugueses de bem" está mal para o debate e óptima para a celebração de coisa nenhuma. Armemo-nos com paciência. E que as outras forças partidárias sejam capazes de estar à altura do primado da política e não da sua absoluta negação.

A inadequação do PG e do OE ao novo contexto da guerra na Ucrânia que condiciona toda e qualquer perspectiva que hoje se tome como certa é gritante. Não sabendo o que virá, mandaria a razoabilidade (senão mesmo a prudência) viver com um plano assumido em adaptação, admitindo a prerrogativa de uma execução orçamental criativa. Mas é assustador que nada tenha mudado face a uma realidade completamente transtornada e que a previsão de aumento de salários e pensões seja de 1%, valor cinco vezes inferior à inflacção. O combate à pobreza terá mais a cara da distribuição de dividendos do que a da luta pela dignidade do trabalho e da manutenção de um patamar mínimo de poder de compra pelos mais desfavorecidos trabalhadores e pensionistas.

No marasmo que se antecipa, são as horrendas notícias da guerra a criar clivagens inultrapassáveis. O massacre em Bucha poderia ter servido para calar aqueles que se arrumam na duplicidade de razões. Quando Putin assegurava que não invadiria o país vizinho, apesar das tropas estacionadas na fronteira, acreditavam. Quando garantia que estava apenas em curso uma operação especial de "desnazificação", jurava não atacar civis e que tudo corria de acordo com o planeado, acreditavam. Depois, os negacionistas da guerra garantiram que a provocação ucraniana era evidente e que foi a proclamação da independência das duas repúblicas em Donbass que precipitou e legitimou o avanço russo. Agora, já depois de terem desculpabilizado a morte de civis como "danos colaterais", assistem ao processo de "desucranização" da Ucrânia e, dúplices, exigem uma investigação independente ao massacre em Bucha, ao arrepio de todas as provas (satélite-cronológica do "New York Times", por exemplo) e testemunhos. Não há e não pode haver qualquer "mas". A recusa do PCP em ouvir Zelensky no Parlamento, supostamente em nome da paz, novamente invocando a NATO e os EUA, outras guerras e exemplos (e até a inexistência de armas de destruição massiva no Iraque), não colhe perante a realidade que todos os dias se abate e branqueia os verdadeiros aliados históricos de Putin que vivem na AR. Não há limites para a crítica mas eles ficam tão claros quando se ultrapassam pela falta de empatia.

O autor escreve segundo a antiga ortografia

*Músico e jurista

Sem comentários:

Mais lidas da semana