Miguel Guedes* | Jornal de Notícias | opinião
O regresso à política tem ementa. O Programa do Governo (PG), uma primeira moção de rejeição pela extrema-direita e o Orçamento de Estado (OE) a apresentar na próxima semana, ainda antes da Páscoa.
No contexto de uma maioria absoluta, a sensação que paira no ar é que será muito disto e muitas vezes. Com António Costa a ter de gerir humores apenas dentro do PS e com um tapete rosa entendido pelos resultados das últimas eleições, assistiremos a abundantes exercícios de estilo por parte daquela oposição que não quer fazer política, mas sim demagogia com marca registada. Esta primeira moção de rejeição pela extrema-direita dos "portugueses de bem" está mal para o debate e óptima para a celebração de coisa nenhuma. Armemo-nos com paciência. E que as outras forças partidárias sejam capazes de estar à altura do primado da política e não da sua absoluta negação.
A inadequação do PG e do OE ao novo contexto da guerra na Ucrânia que condiciona toda e qualquer perspectiva que hoje se tome como certa é gritante. Não sabendo o que virá, mandaria a razoabilidade (senão mesmo a prudência) viver com um plano assumido em adaptação, admitindo a prerrogativa de uma execução orçamental criativa. Mas é assustador que nada tenha mudado face a uma realidade completamente transtornada e que a previsão de aumento de salários e pensões seja de 1%, valor cinco vezes inferior à inflacção. O combate à pobreza terá mais a cara da distribuição de dividendos do que a da luta pela dignidade do trabalho e da manutenção de um patamar mínimo de poder de compra pelos mais desfavorecidos trabalhadores e pensionistas.
No marasmo que se antecipa, são
as horrendas notícias da guerra a criar clivagens inultrapassáveis. O massacre
em Bucha poderia ter servido para calar aqueles que se arrumam na duplicidade
de razões. Quando Putin assegurava que não invadiria o país vizinho, apesar das
tropas estacionadas na fronteira, acreditavam. Quando garantia que estava
apenas em curso uma operação especial de "desnazificação", jurava não
atacar civis e que tudo corria de acordo com o planeado, acreditavam. Depois,
os negacionistas da guerra garantiram que a provocação ucraniana era evidente e
que foi a proclamação da independência das duas repúblicas em Donbass que
precipitou e legitimou o avanço russo. Agora, já depois de terem
desculpabilizado a morte de civis como "danos colaterais", assistem
ao processo de "desucranização" da Ucrânia e, dúplices, exigem uma
investigação independente ao massacre em Bucha, ao arrepio de todas as provas
(satélite-cronológica do "New York Times", por exemplo) e testemunhos.
Não há e não pode haver qualquer "mas". A recusa do PCP
O autor escreve segundo a antiga ortografia
*Músico e jurista
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