terça-feira, 17 de maio de 2022

MEMÓRIA DE UMA DOAÇÃO -- Artur Queiroz

Mais de 200 militares nazis do Batalhão Azov saíram de Azovstal, primeiro os feridos (Reuters)

Artur Queiroz*, Luanda

Os EUA e as grandes potências europeias pressionaram as autoridades angolanas a abandonarem o regime de democracia popular e o socialismo, adoptando a democracia representativa e a economia de mercado (capitalismo). Com a derrota do regime racista da África do Sul no Triângulo do Tumpo, a parada subiu e muito. Foi preciso incluir a UNITA no novo regime, para que a paz fosse definitiva. O Acordo de Bicesse é resultado dessas pressões.

As eleições multipartidárias de 1992, fiscalizadas pela ONU e blindadas pela Troika de Observadores (EUA, Portugal e Rússia) ditaram a vitória do MPLA, com maioria absoluta. Ao triunfo na guerra, o MPLA somou uma grande vitória política. Savimbi regressou à guerra e partiu tudo. Ocupou praticamente todas as províncias. Matou milhares de civis. Causou mais de quatro milhões de refugiados ou deslocados. Uma tragédia.

O Presidente José Eduardo dos Santos e o seu Governo, liderado por Marcolino Moco, não foram apanhados de surpresa. Por isso, as Forças Armadas Angolanas (FAA) foram dotadas de armamento compatível para enfrentar a rebelião da UNITA, equipada pelos governos sul-africano e norte-americano. O regime de apartheid tinha capitulado em Nova Iorque mas ainda tinha esperanças de sobreviver. 

O Presidente José Eduardo dos Santos aceitou a exigência da saída das tropas cubanas de Angola. E surpreendeu os seus interlocutores sul-africanos e norte-americanos, antecipando o calendário da retirada! Foi com esta jogada política de alto risco que a UNITA perdeu definitivamente um lugar na cena política angolana. Porque os governos dos EUA e da África do Sul estavam convencidos de que, sem os cubanos, o MPLA era derrotado com facilidade. O Guia Prático do Quadro da UNITA, ainda em vigor, dizia isso mesmo: “Se os cubanos retirarem, o MPLA cai de joelhos”. 

O Guia Prático do Quadro da UNITA defende este programa político: Vamos tornar a vida impossível nas aldeias e os moradores fogem para as vilas. Tornamos a vida impossível nas vilas e fogem todos para as cidades do interior. Fazemos a vida impossível nas pequenas cidades e fogem todos para Luanda. Quando Luanda tiver milhões de deslocados, rebenta uma bomba atómica social e nós tomamos o poder sem darmos um tiro. 

A CIA, o Pentágono e os serviços secretos sul-africanos montaram esta estratégia. Mas esqueceram-se (não sabiam...) que os angolanos têm um sentimento de familiaridade mais forte do que o de nacionalidade. E em Luanda todos ficámos parentes. Cada refugiado tinha uma casa, comida e meios para o comércio informal. A bomba atómica não rebentou mas a UNITA explodiu numa mata do Lucusse, no dia 22 de Fevereiro de 2002. Savimbi terminou o seu longo percurso de traição e de criminoso de guerra.

O Acordo de Bicesse estava blindado pela comunidade internacional e pela Troika. Se algum dos signatários despisse a camisola, violasse o acordado, seria imediatamente punido. A UNITA violou tudo e mais alguma coisa. E nada aconteceu. Só ouvíamos apelos à calma e ao diálogo, enquanto os sicários do Galo Negro partiam tudo e matavam quem apanhavam pela frente.

A rebelião da UNITA ocupava vastas zonas do país. Tudo paralisado. A economia destroçada. Milhares de mortos. Mais de quatro milhões de deslocados e refugiados. Por iniciativa da ONU e da União Europeia, em 25 e 26 de Setembro de 1995, decorreu em Bruxelas uma “mesa redonda” de doadores para reconstruir Angola. 

Sabem quanto foi angariado? A quantia de 993 milhões de dólares. O português João de Deus Pinheiro, comissário europeu e anfitrião da reunião fez esta declaração: “Jamais uma conferência de doadores conseguiu obter tal nível de financiamento”. Para a reabilitação do que a UNITA partiu, foram angariados 786 milhões d dólares. Para ajuda humanitária, 207 milhões.

Em Varsóvia decorreu, neste  5 de Maio, uma conferência de doadores para ajuda humanitária à Ucrânia, organizada pelo primeiro-ministro da Polónia, Mateusz Morawiecki ,e pela primeira-ministra da Suécia, Magdalena Andersson.  Foram angariados mais de seis mil milhões de euros. Úrsula Von der Layen garantiu que a União Europeia ainda arranjava mais uns milhares de milhões. E o senhor António Costa, primeiro-ministro português, garantiu que o seu país avançou com 2,1 milhões de euros para os ucranianos. Em 1995, não entraram com nada para os angolanos. Mas deram muitos milhões à UNITA para partir Angola e matar civis indefesos. Grandes amigos. Queridos irmãos!

A memória do passado ajuda a compreender o presente. Hoje aconteceu o que há muito se esperava. As tropas russas deram, por três vezes, um prazo aos militares ucranianos encurralados nas catacumbas de Azovstal para se renderem. Recusaram. E declararam que receberam ordens de Kiev para continuarem a combater. Mariupol ficou totalmente controlada pelas tropas da Federação Russa e os sitiados continuaram a recusar a rendição. Depois meteram apelos de figuras como o Papa Francisco, para que fossem libertados. Até que todos perceberam que Kiev quer que todos morram. 

Hoje dez militares ucranianos saíram das catacumbas com uma bandeira branca. Queriam negociar com o comando das tropas russas. Das negociações resultou a saída de dezenas dos militares feridos. Em breve saem todos. O meu consultor militar disse que “na acção de resgate daquelas vidas não houve intervenção da ONU nem da Cruz Vermelha. Foi tudo entre militares. Zelensky queria todos mortos. Estão vivos e já foram encaminhados para hospitais a fim de receberem cuidados médicos e cirúrgicos. Alexander Khodakovsky, fundador do Batalhão Vostok, divulgou a notícia. Com imagens e tudo.

Hoje também recebi um vídeo arrepiante. Nazis das milícias Bandera, muito próximas do ministro das relações exteriores da Ucrânia,  Dmytro Kuleba, filmaram um prisioneiro russo a ser torturado. Deram-lhe tiros nos joelhos. Depois arrancaram-lhe os olhos. Por fim, mataram-no. O estado terrorista mais perigoso do mundo (EUA) manda-lhes armas. A União Europeia. em peso, ainda mais. É o triunfo dos porcos disfarçados de liberais.

*Jornalista

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