sábado, 7 de maio de 2022

VÍTIMAS DOS CRIMINOSOS DE GUERRA – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

 Cada refugiado que morre no mar Mediterrâneo é um crime de guerra que deve ser imputado ao alto comando da NATO e aos governos dos EUA e da União Europeia. É altura de repudiar a propaganda, as mentiras, as mistificações, a suprema hipocrisia que assaltou o mundo mediático, sobretudo quando uma repórter fotografou uma criança de borco, que deu à costa a uma praia da costa da Turquia.

Milhões de seres humanos estão a viver os horrores da guerra e as acções particularmente destruidoras do Banditismo Político Violento que se instalou ao nível do poder nos países ocidentais. Desde o Magrebe ao Afeganistão, os países da NATO lançaram um rasto de morte e destruição que vitimou milhões de seres humanos. Ninguém sabe quando os algozes se saciam com o sangue das suas vítimas.

Tudo começou com a Primeira Guerra do Golfo, em 1990/1991 com a famigerada “Tempestade no Deserto”. O Iraque, um país próspero e o mais progressista da região, foi simplesmente destruído. Eu vi bombardear Bagdade. Sofri os efeitos dos rebentamentos dos mísseis “Cruzeiro” e dos bombardeamentos aéreos contínuos, todas as horas de intermináveis dias. 

Oficialmente morreram 25 mil soldados iraquianos e 248 da “coligação internacional”. Os feridos foram mais: 75.000 iraquianos e 776 da coligação. Mas ninguém fala dos mortos e feridos civis. Porque Washington e Londres venderam a balela de que os bombardeamentos eram “cirúrgicos” e só causavam baixas militares. Mas eu vi os corpos destroçados de mulheres e crianças nos bairros populosos da periferia de Bagdade, em Ramadi ou em Rutbah, já perto da fronteira com a Jordânia.

E vi milhares e milhares de refugiados. O Iraque era o país de destino de emigrantes dos países do Médio Oriente e sobretudo do Paquistão. Centenas de milhares trabalhavam naquele país. Quando começaram a rebentar os mísseis “Cruzeiro”, mais de um milhão de pessoas fugiu para a Turquia, mas sobretudo para a Síria e a Jordânia. Números oficiais da ONU: mais de dois milhões de refugiados da guerra do Iraque (iraquianos ou não) estão ainda hoje, em condições desumanas, na Síria e na Jordânia.

A segunda Guerra do Golfo, em 2003, desencadeada pelos EUA depois da Cimeira das Lajes, com George W. Bush (Washington), Tony Blair (Londres), Aznar (Madrid) e Durão Barroso (Lisboa), transformou os campos de refugiados da Síria e da Jordânia em colmeias humanas permanentes, sem as mínimas condições de vida. Eu vi aquela tragédia.

Com o início da guerra da Síria, desencadeada por Washington, Paris, Londres e Berlim mais milhões de pessoas viram as suas vidas ameaçadas e tiveram que fugir. Mesmo aquelas que há mais de 20 anos vegetavam nos campos de refugiados que nasceram com as guerras do Iraque.

A “rota da energia” está a ser devastada pela guerra da NATO. A Primavera Árabe foi o truque usado para destabilizar e derrubar regimes sólidos e estáveis na Tunísia e no Egipto. Na Líbia, as potências da NATO decidiram desencadear mais uma guerra que culminou com o assassinato do Presidente Kadhafi. Destruíram um país próspero e que vivia décadas de paz e estabilidade. Hoje a Líbia não existe. Dezenas de milícias, armadas, municiadas e financiadas pelos países da NATO, da União Europeia e dos EUA, disputam o poder de armas na mão. O petróleo líbio é roubado pelos países que lançaram a guerra.

No Afeganistão a ocupação estrangeira acabou. A NATO fingia que saía mas não saía, as potências ocidentais retiravam mas não retiravam. Até que saíram mesmo, à força. Mais milhares de vítimas civis e milhões de refugiados. Cada um que morre na fuga é um crime de guerra. Os criminosos são os Governos dos países da União Europeia, dos EUA e o alto comando do bloco militar que está a semear a guerra, a destruição e a morte em todos os países da “rota da energia” entre o Magrebe e o Oriente, mas também na África Ocidental e Oriental. Basta olhar para a Nigéria, o primeiro produtor de petróleo do continente. E para Moçambique.

Portugal está presente na guerra do petróleo como membro da NATO e da União Europeia. Todos os países do bloco militar têm o dever de acolher os refugiados. Todos, sem excepção. São eles os senhores da guerra, é a eles que compete acolher as vítimas do Banditismo Político Violento (não gosto da palavra terrorismo). São eles que têm de levar a paz e a estabilidade aos países onde estão a fazer a guerra. São eles que têm de reparar os danos causados pelas suas agressões armadas.

Acima de tudo, são os países da NATO e da União Europeia que têm de desarmar a sua criação mas tenebrosa: o Estado Islâmico. Essa organização é filha da NATO e das políticas das grandes potências ocidentais. Acabem com ela.

Por fim, não aceito o argumento idiota de que os países da NATO e da União Europeia fizeram bem em derrubar Saddam Hussein, Kadhafi, Bem Ali, Mubarak ou Morsi porque não eram flores que se cheirassem. O esqueleto ambulante Cavaco Silva, o descabeçado Passos Coelho, o mânfio Paulo Portas (a loira Catherine Deneuve) ou Marcelo Rebelo de Sousa (o nome basta, não precisa de cognomes) não são flores que se cheirem mas ninguém fez ou faz uma guerra contra Portugal para os derrubar. Hollande, Merkel, Cameron (este chamou aos refugiados de guerra uma praga) ou Rajoy também não eram flores que se cheirassem mas ninguém despejou bombas sobre os seus países para os derrubar. Quem muda os regimes e os governos são os povos. Com a arma do voto. 

É preciso dizer um rotundo não aos criminosos de guerra que afogam civis inocentes nas águas do Mediterrâneo. E essas vítimas são refugiados, não são migrantes. O Direito Internacional dá-lhes especial protecção. É bom que ninguém ignore essa realidade. E sobretudo, é bom que todos tenham presente que os nazis da Ucrânia são os únicos responsáveis pelos milhões de refugiados ucranianos. Dar-lhes dinheiro e armas, sim, é um crime contra a Humanidade.

*Jornalista

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