terça-feira, 7 de junho de 2022

Angola | Diferenças Entre Golpe de Estado e Insurreição Armada – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

As primeiras eleições multipartidárias, em 1992, revelaram a verdadeira natureza dos mentores da Revolta Activa (facção do MPLA liderada por Gentil Viana e Joaquim Pinto de Andrade) e dos golpistas do 27 de Maio de 1977. Concorreram às eleições em listas do Partido Renovador Democrático (PRD) que elegeu apenas um deputado. O MPLA elegeu 129 (maioria absoluta) e a UNITA 70. 

Os restantes lugares na Assembleia Nacional foram assim distribuídos: Partido Renovador Social (PRS) seis deputados, a FNLA cinco, o Partido Liberal Democrático (PLD) três, o Partido da Aliança Juventude Operários e Camponeses de Angola (PAJOCA), o Partido Democrático para o Progresso /Aliança Nacional Angolana (PDP-ANA), o Partido Nacional Democrático de Angola (PNDA), o Fórum Democrático Angolano (FDA), o Partido Social Democrata (PSD) e a Coligação Angola Democrática (AD) elegeram um deputado cada. 

O Partido Angolano Independente (PAI), o Partido Democrático Liberal Angolano (PDLA), o Partido Social Democrático Angolano (PSDA), o Partido Reformador Angolano (PRA), a Convenção Nacional Democrática de Angola (CNDA) e o Partido Democrático Angolano (PDA) não elegeram deputados.

Os apoiantes da Revolta Activa apresentavam-se como intelectuais e críticos da liderança de Agostinho Neto, que consideravam ditatorial. Mas na hora da mudança de regime, apresentaram-se a votos com os assassinos golpistas. E até se esqueceram que Nito Alves, enquanto ministro da Administração Interna, abriu a caça aos “burgueses” e mandou prender o padre Joaquim Pinto de Andrade. Para derrubarem o MPLA, não hesitaram em vender a alma ao diabo. O resultado eleitoral foi um castigo violento dos eleitores à inconsistência ideológica e ao oportunismo. Revolta Activa e golpistas do 27 de Maio de 1977 valiam apenas um deputado. Mas depois ainda valeram menos porque o PRD foi extinto, por ter menos de 0,50 por cento dos votos.

Os derrotados de ontem, hoje voltam à carga. Cheira-lhes a poder e são capazes de tudo para obterem um tacho. Francisco Viana (filho de Gentil Viana, o ideólogo da Revolta Activa) deu uma entrevista onde diz que a Constituição da República não presta e tem que ser mudada urgentemente. O homem até diz que tem vergonha da Lei Fundamental! Curiosamente, os sicários da UNITA dizem exactamente a mesma coisa e Adalberto da Costa Júnior prometeu que se for eleito, muda o regime e rasga a Constituição da República. Garante que vai desencadear um golpe de estado palaciano.

Os trânsfugas do MPLA seguem a mesma cartilha. O almirante André Mendes de Carvalho (Miau), para justificar a saída do partido que lhe deu tudo, fez esta declaração quando anunciou a sua adesão à CASA-CE: “Abel Chivukuvuku foi salvo por Deus no Sambizanga, para ele agora salvar Angola”. Afinal Deus estava equivocado, como é público e notório. Francisco Viana, na sua entrevista, declarou: “Eu apoio Adalberto da Costa Júnior, é um homem extraordinário, um autêntico profeta que veio para nos salvar”. Cum caraças! Os filhotes do papai são igualzinhos. 

Memória à elefante. Algum tempo depois de abrir a primeira embaixada de Angola em Portugal, o embaixador Adriano Sebastião deu-me a ler duas páginas manuscritas por Gentil Viana, acabado de chegar a Lisboa, onde ficou a viver. Não vou revelar oi conteúdo mas revelo o despacho de Agostinho Neto. Ele pedia ao representante em Portugal que procurasse saber junto do líder da Revolta Activa do que necessitava para ter uma vida digna em Portugal. Assim se fez. Foram somadas todas as despesas e Agostinho Neto foi informado da quantia necessária, mensalmente, para Gentil Viana e sua família viverem desafogadamente na capital portuguesa. O Presidente da República de imediato pediu para que os serviços financeiros da embaixada disponibilizassem essa verba. E assim se fez. 

O grande empresário Francisco Viana diz que nunca recebeu nada do MPLA e do governo. Eu digo que sim. Sei que sim. A mamã e o papá deviam ter-lhe ensinado que não se deve cuspir no prato e muito menis na cara de quem hes deu de comer. Mesmo que o antigo maoista esteja rendido a um apóstolo, isso é muito feio. Mas nada de novo. 

As e os maoistas que conheci desandaram vertiginosamente para a direita e só param quando conseguirem criar espaço ainda mais à direita dos nazis. Muitos são empresários, ministros e até banqueiros. O António Costa, primeiro-ministro de Portugal, fez de um dos porcos da fossa de longa-metragem dedicada à Sita Vales, Costa e Silva, seu ministro do Mar, ele que veio das profundezas do mato onde nem rio existe. Eu quando descobri que a água das praias da Ilha é margosa e faz compressão na barriga, nunca mais lá entrei. Ele nem isso sabe. Arrota petróleo e dólares que os donos lhe atiram aos pés, para viver sempre dobrado.

Um dos assassinos do 27 de Maio, Luís dos Passos, também está apaixonado pelo profeta Adalberto, o rato cego que fez um túnel entre os Coqueiros e o Palácio Presidencial. Foi o seu segundo milagre. O primeiro já se sabe, vai ser acabar de vez com o Galo Negro. Ainda lhe vamos agradecer o favor. O defunto jornal Angolense publicou uma entrevista com ele, em 2007. O texto está agora a circular e o entrevistado fala de generais (Em 1977 o posto máximo era coronel) e em 2007critica o livro do general Higino Carneiro (Soldado da Pátria) publicado há dois anos. Uma encomenda de apoio ao profeta na sua corrida eleitoral até à derrota final. Mas foi bom que o texto reaparecesse. 

O que foi o 27 de Maio de 1977? Luís dos Passos responde:” Muitos militares achavam que devia ser um golpe de estado. Também havia políticos que achavam que devia ser um golpe porque em caso de fracasso assim seria considerado. O Nito Alves e o José Van-Dúnem defendiam que devia ser uma insurreição. Mas alguns militares também queriam uma insurreição.” Perceberam? O assassino golpista explica melhor: “Na altura era militar, fazia parte do grupo de militares que estava envolvido (…) As tropas que dirigia, da IX Brigada, tomaram a sétima esquadra e prenderam o comandante Petrof(…) O que nós vimos não foi um golpe, de maneira nenhuma, foi uma insurreição, com a manifestação de populares, que armados chegaram ao Palácio e tomaram a Rádio(…)O MPLA não foi eleito para dirigir o país, o poder foi conquistado pelas armas e podia ser derrubado com os mesmos recursos”.

Eu traduzo a posição de Luís dos Passos: A UNITA pode derrubar o MPLA pela força das armas porque em 1975 tomou assim o poder. Este mitómano faz-me lembrar uma cantiguinha da minha infância. Tem dente de leão mas não é leão. Tem pelo de leão mas não é leão. Tem garras de leão mas não é leão. Tem ronco de leão mas não é leão. O que é então? É a mulher do leão. O 27 de Maio não foi um golpe de estado. Foi apenas uma insurreição armada.

O assassino fraccionista diz que se pôs contra Agostinho Neto porque era marxista-leninista. E ele um bom católico. Mas esqueceu-se do que disse antes e contou ao entrevistador: “Quando fugi, enterrei livros sobre Fundamentos da Teoria Marxista-Leninista, de Constantinov, que naquela altura consumíamos”.

Depois vieram as bazófias e insultos do mitómano: “Eu devia ter sido enviado para o Palácio com um grupo de comandos e punha uma bazuka entre as pernas de Agostinho Neto e mijava-se todo. Cabrão!” Ou esta: “Aqui em Luanda tínhamos a IX Brigada toda e homens das outras Brigadas, podemos falar em, pelo menos, 3.000 homens”. Tendo tantos homens armados, por que falhou o golpe? Ele responde sem gaguejar: “O José Van-Dúnem preparou todo o plano da insurreição, ele mesmo dirigiu tudo pessoalmente, o que não deveria ter acontecido. Tal como estava previsto, ele deveria apenas dirigir as acções políticas de massas. Foi por isso que ao invés de um comando dirigido pelo Bagê, que n em sequer participou da organização, foi criado um comando Ad Hoc, sob orientação do próprio José Van-Dúnem, que dirigiu a insurreição com muitos erros”.

O assassino fraccionista diz que fugiu para os Dembos, com ele foram centenas de homens armados “mas depois perdemos as comunicações porque acabaram as pilhas dos rádios”. O Luís dos Passos manda um recado à porcina Margarida Cardoso: Em vez de fazerem um filme sobre uma empregada do MPLA que trabalhou na vila Alice pouco mais de um ano, deviam fazer o filme comigo. Eu é que sou o herói. Lá vem mais um filme. 

Na versão actual da entrevista de 2007, o assassino golpista fala à moda da UNITA: “Hoje, a maioria autóctone não tem independência, vemos com muita tristeza o que acontece, basta ver a revista Caras, ver os libaneses e outros envolvidos com as nossas filhas, vê-se claramente que perdemos a identidade cultural”.

Aqui entra o depoimento de hoje da Luzia Moniz no Novo Jornal. Servindo-se de um incidente que durou um dia, numa clínica do Soyo, ela diz que o MPLA proibiu os angolanos de falarem as línguas nacionais, quer matar a cultura angolana e quer desafricanizar Angola. 

Isto está tudo ligado. 

*Jornalista

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