Pedro Candeias, jornalista, editor de Sociedade | Expresso Curto
Olá, e uma pergunta: a quem
serve melhor uma maioria absoluta? Ora, é simples: uma maioria absoluta
serve precisamente os interesses do titular da maioria absoluta que fica
desobrigado das negociações típicas nas maiorias relativas, avançando sem
cedências e/ou chumbos parlamentares.
Isto é bastante útil quando, vá, um dia se decide construir um aeroporto auxiliar no Montijo,
primeiro, um novo aeroporto em Alcochete, depois, enquanto se prepara o fim do
aeroporto lisboeta atual. Uma deliberação legitimada pelas eleições,
que dispensou consultas e pré-avisos à oposição, aos antigos
parceiros da geringonça e até ao Presidente da República.
Há um subtexto aqui: antes das legislativas, o PS precisaria sempre do
apoio do PSD para mudar uma lei segundo a qual a construção de uma nova
infraestrutura assim necessitaria de um parecer favorável de todas as câmaras
municipais dos concelhos “potencialmente afetados”.
Agora, o PS só precisa do PS para seguir em frente, rumo ao Montijo e mais
além, se e quando o Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) der o ok na
Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) até final do ano; posta de lado ficou a
AAE que estava nas mãos do Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT).
Cronologicamente, se tudo correr de feição a Pedro Nuno Santos, a pista
complementar do Montijo ficará operacional em 2026 e o novíssimo aeroporto de
Alcochete em 2035.
Obviamente, houve reações.
Os partidos políticos ignorados pelo Governo sentiram-se
despeitados: Rui Rio disse “nunca ser boa ideia mudar uma lei sozinho”, o
Bloco de Esquerda pediu “explicações”, o Livre falou em “desorientação” e o
Chega em “desrespeito”, o PAN usou a imagem do “rolo compressor da maioria
absoluta” e a IL pediu “escrutínio”. Marcelo foi cauteloso, afirmando precisar de perceber
os “pormenores políticos, jurídicos e técnicos da solução” antes de a poder
comentar. Os autarcas de Montijo, Alcochete e Seixal deram respostas diferentes e os ambientalistas responderam em uníssono: é uma “esquizofrenia enorme” e uma
“delapidação do património natural cada vez mais ameaçado”.
Entretanto, os aviões passam. Quer dizer, mais ou menos.
OUTRAS NOTÍCIAS
Guerra na Ucrânia. A reconfiguração das alianças continua: Suécia e Finlândia
entram na NATO com a benção oportunista da Turquia, Jens Soltenberg desqualificou a Rússia e disse ter as “portas abertas”
para a Ucrânia e Zelensky dramatizou novamente o discurso: “A Ucrânia
não pagou o suficiente?”. Do outro lado da nova cortina-de-ferro, a China
criticou a cimeira de Madrid e o G7, usando a expressão “mentalidade de Guerra
Fria”, apontando para as sanções impostas à Rússia. Entretanto, aconteceu uma troca de prisioneiros entre ucranianos e russos.
[Para mais informações, siga o conflito ao minuto no Expresso.]
Justiça. José Sócrates é ouvido esta manhã (10 horas) pela juíza
Margarida Alves a propósito das suas viagens ao Brasil: o antigo
primeiro-ministro está sujeito a um Termo de Identidade e Residência no âmbito
da “Operação Marquês e devia ter comunicado ao tribunal que se ia ausentar do
país. Não o fez, o Ministério Público não gostou e pode até pedir o agravamento
das medidas de coação na sessão de hoje; a decisão será sempre da juíza. Ao
Expresso, o advogado de Sócrates assumiu a responsabilidade neste caso e
disse ter aconselhado o ex-governante a não avisar o tribunal de que iria estar
fora.
Ambiente. A Conferência dos Oceanos prossegue em Lisboa e o Expresso continua a cobertura
do evento em planos distintos. Temos, então, uma discussão com o líder da
FAO sobre consumo animal e proteção aos peixes, uma história de estudantes portugueses que prometem manifestações no
combate às alterações climáticas, uma “Marcha Azul” que junta ativistas nacionais e internacionais -
e uma perspetiva mediática: o impacto desta conferência sai prejudicado
enquanto decorrem a cimeira da NATO e a reunião do G7? Sim. E não.
Saúde. A Comissão de
Acompanhamento de Resposta em Urgência de Ginecologia, Obstetrícia e Bloco de
Partos (que necessita de um acrónimo com urgência) apresentou à ministra da Saúde o plano de verão para
mitigar os problemas sentidos nesta especialidade. Um das medidas é a seguinte:
a partir de julho, o site do SNS irá apresentar semanalmente quais os
hospitais com blocos de partos ou Urgências fechados. Outra medida: o valor/hora
fixos a pagar aos médicos prestadores de serviço.
José Eduardo dos Santos. O antigo presidente de Angola encontra-se em
estado crítico, numa clínica em Barcelona, e este é agora um assunto de família. Uma das filhas,
Tchizé dos Santos, contratou uma advogada espanhola para impedir que as
máquinas que mantêm José Eduardo vivo sejam desligadas. Tchizé e Isabel dos
Santos opõem-se a Ana Paula dos Santos, a ex-primeira dama; a advogada
fala em “possíveis envenenamentos” e levanta outras suspeitas.
Desporto. A FPF decidiu não considerar os argumentos do Sporting e manteve a contabilidade dos títulos nacionais tal como estavam:
nem mais, nem menos. A Federação dá a história por encerrada, o clube nem por
isso. [Já que aqui estou, seis meses depois do ataque informático à Impresa,
o site da Tribuna Expresso está de regresso. Pode ler
histórias como a de Carson Pickett ou acompanhar o torneio de Wimbledon].
Música. R. Kelly explodiu quando escreveu a canção para o icónico “Space
Jam”, com o basquetebolista Michael Jordan e uma série de cartoons dos
Looney Tunes. Anos depois, a carreira implodiu quando foi acusado de abusos
sexuais. Um tribunal condenou-o a 30 anos de prisão.
FRASES
“Se Putin fosse mulher, não acredito que tivesse iniciado esta guerra maluca de
macho”, Boris Johnson, sobre a invasão da Rússia à Ucrânia
“As coisas vão sempre mais longe quando chegam à porta dos mais pobres, sem
qualquer defesa perante a máquina comercial do entretenimento da ‘vida real’
que se trasveste de jornalismo” , Daniel Oliveira, a propósito da cobertura à morte de Jéssica
PODCASTS A NÃO PERDER
Jéssica. Pode a mãe da menina ser acusada de homicídio por negligência, ainda que não tenha tentado matar a filha? Ouça o Justiça Sem Códigos, podcast assinado pela jornalista Ana Peneda Moreira, com análise semanal de Paulo de Sá e Cunha, e esta semana com a participação de Manuel Coutinho, secretário-geral do Instituto de Apoio à Criança
O que vai acontecer às taxas de juro? Podcast Money
Money Money gravado no Fórum do BCE em Sintra onde se fala de politica
monetária, inflação e taxas de juro Este episódio teve moderação de João
Silvestre, editor de Economia do Expresso, e contou com a participação do
jornalista Jorge Nascimento Rodrigues
Bálticos. Três países unidos pela “obsessão” com a Rússia, e
para quem a NATO é a garantia de que não são invadidos por Putin Depois
do fim do Império russo, conseguiram a independência, perdida no entanto na II
Guerra Mundial e só recuperada após a queda da União Soviética. Seguiu-se um
rápido processo de 'ocidentalização', rumando à União Europeia e também à NATO.
Trata-se, portanto, de uma zona geoestratégica vital. Uma conversa com Paulo de
Almeida Sande, professor, analista e comentador de assuntos europeus no podcast
Bloco de Leste.
O QUE ANDO A LER
Quem foi Leonardo da Vinci? Muitas coisas: anatomista, desenhador,
engenheiro hidráulico e militar, geómetra, músico, inventor, astrónomo,
ornitólogo, diseur e, claro, pintor, embora tenha passado por várias fases
nada vida em que tudo o que menos lhe apetecia era pensar em quadros, dada a
relutância em pegar no pincel. É que Leonardo foi, também, um procrastinador
profissional, que adiou vários projetos e perdeu outros, concebendo as mais
extraordinárias teorias - que séculos depois se confirmaram -, mas executando
menos do que as que alguém com os seus talentos poderia.
Isto está na extraordinária biografia de Walter Isaacson (ed. Porto Editora),
que vai muito além de “Mona Lisa”, “São João Batista” ou a “Última Ceia”. O
autor detém-se, claro, nas histórias e nos detalhes técnicos (o sfumato, o
claro-escuro) que levaram à conceção destas obras-primas, mas o livro
debruça-se também, e demoradamente, nos desenhos e projetos de Leonardo,
retratado como um génio criativo com uma curiosidade infantil que se
questionava constantemente.
Da leitura dos vários cadernos e documentos a que teve acesso, Isaacson
constrói um personagem fascinante, diferente de quase todos os seus
contemporâneos, na medida em que seria provavelmente ateu, vegetariano,
homossexual assumido, autoditata, vaidoso, defensor dos direitos dos animais -
comprava pássaros engaiolados só para os soltar -, um conversador nato, um
homem afável que adorava almoçar ou jantar com desconhecidos de caras
singulares só para entender os movimentos do rosto e poder retratar homens e
mulheres com a maior precisão possível. Não lhe conto mais, senão perde a graça.
Por hoje é tudo, tenha um bom dia e não se esqueça que o Expresso está nas
bancas esta sexta-feira. Até lá, continue a ler-nos e a ouvir-nos e a ver-nos.
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