domingo, 17 de julho de 2022

CIMEIRA DA LINHA DA FRENTE MAIS A NIGÉRIA * -- Artur Queiroz

A Maior Vitória Diplomática de Angola 

Presidentes dos Países da Região Apoiaram a Presença das Tropas Cubanas em Solo Angolano 

Artur Queiroz*, Luanda

O Presidente José Eduardo dos Santos, em Setembro de 1981, há mais de 40 anos, protagonizou a maior vitória diplomática de Angola, quando participou, em Lagos, na Cimeira dos Países da Linha da Frente “mais um”, a Nigéria. Os Chefes de Estado mais respeitados de África, entre os quais Julius Nyerere e Keneth Kaunda, defendiam a saída imediata das tropas cubanas de Angola, com o argumento de que a agressão sul-africana devia ter uma resposta exclusivamente regional. 

No final da cimeira, todos aceitaram as propostas da delegação angolana, que além do Presidente José Eduardo, era constituída por Afonso Van-Dúnem “Mbinda”, Paulo Teixeira Jorge e o então major António José Maria, hoje General Zé Maria e único dos Heróis que está vivo.

O Presidente da Nigéria, Shehu Shagari, foi o anfitrião da importante cimeira. Na mesa estavam Samora Machel e Robert Mougabe, que tinha acabado de negociar o Acordo de Lencaster House. O Presidente de moçambique aconselhou os angolanos a seguirem o seu exemplo. Pouco tempo antes derrotou os sul-africanos num combate em que Pretória teve várias baixas. Os “karkamanos” foram passeados pelas ruas de Maputo.

Mougabe era um neófito e a sua opinião valia pouco. Nyerere, Kaunda, Machel, Quett Masire (Botswana) e Shehu Shagari defendiam que as tropas cubanas deviam abandonar Angola de imediato e os invasores sul-africanos tinham de enfrentar uma força regional até saírem de solo angolano e deixarem a Namíbia. 

Sam Nujoma, também presente, pouco podia fazer ante a proposta colocada em cima da mesa. Foi então que o Presidente José Eduardo dos Santos revelou toda a sua capacidade diplomática. Os trabalhos foram interrompidos para almoço e no período da tarde, os defensores da força regional foram chamados à realidade esmagadora.

Ofensiva diplomática

A cronologia dos acontecimentos é importante. A África do Sul invadiu Angola em Agosto de 1981 com forças numerosas e meios sofisticados. O Presidente José Eduardo dos Santos organizou a defesa e de imediato partiu para uma ofensiva diplomática que o levou à Cimeira da Linha da Frente, em Lagos, mas também à Líbia. Depois de uma passagem pela Coreia do Norte, regressou à Líbia e partiu para Luanda. Em Lagos Angola teve uma vitória diplomática retumbante.

Na Cimeira dos Países da Linha da Frente “mais um”, a Nigéria, o Presidente José Eduardo dos Santos e os restantes membros da delegação angolana constataram que os EUA tinham convencido os sábios regionais da necessidade de substituir as tropas cubanas por uma força local. Só assim era possível obrigar a África do Sul a abandonar o Sul e Sudeste de Angola e a Namíbia. Todos aceitaram sem questionar. Robert Mougabe não considerava a solução aceitável, mas ainda tinha pouco peso. 

O Presidente José Eduardo dos Santos, na época com 38 anos, não podia afrontar a “sagesse” africana ali representada. Não contrariou ninguém. Mas encontrou uma saída para aquele beco em que queriam meter Angola e que ia deixar o país nas mãos dos EUA, sem darem um tiro!

Forças sem força

O Presidente da República, quando os trabalhos da cimeira recomeçaram no período da tarde, disse que estava de acordo com a “solução africana” proposta pelos sábios. Mas o Agrupamento das Tropas do Sul (unidades angolanas e cubanas) só saía das suas posições quando chegassem a Angola aviões de caça modernos com as suas tripulações e sistemas de manutenção. Artilharia de campanha de todo o tipo e particularmente mísseis e artilharia anti aérea. 

Além deste material, o Presidente José Eduardo dos Santos incluiu na lista tropas blindadas e tropas de infantaria. Tinham que estar equipadas e treinadas ao nível do inimigo. E o número de homens não podia ser igual ou inferior aos 11.000 sul-africanos que ocuparam o Sul de Angola. 

Pelo contrário, para obrigar o inimigo a recuar para a Namíbia e daí para a África do Sul, era necessária supremacia em meios e combatentes. A SWAPO não podia ser abandonada à sua sorte, quando já se via “a luz da Independência Nacional no fundo do túnel”.

Os países da Linha da Frente mais a Nigéria também tinham que enviar para o teatro de operações, meios de transporte aéreos, marítimos e terrestres. Alimentação e fardamento para as tropas. Assegurarem todos os movimentos logísticos durante uma guerra que ia seguramente ser longa.

Quando o Presidente José Eduardo dos Santos acabou de explanar tudo o que era necessário para obrigar os “karkamanos” a retirar de Angola e da Namíbia, todos estiveram de acordo que nenhum país da Linha da Frente nem a Nigéria tinham as forças necessárias para eles, quanto mais enviarem tropas para Angola e a Namíbia.

Política Africana

Os Presidentes Julius Nyerere e Samora Machel foram os primeiros a perceber que não era possível constituir uma força capaz de combater e fazer recuar as tropas sul-africanas. Robert Mougabe sempre esteve convencido. E todos os outros felicitaram o Presidente José Eduardo dos Santos pela forma corajosa como estava a enfrentar a agressão da África do Sul.

Mas o mais importante é que da cimeira de Lagos saiu uma conclusão clara: “a retirada das tropas cubanas não é do interesse de Angola nem da África Austral”. O Presidente José Eduardo dos Santos e a sua delegação acabavam de conquistar uma importante vitória diplomática. 

As tropas cubanas passaram a ser aliadas de Angola mas também de todos os países da Linha da Frente, mais a Nigéria. Só podiam abandonar o campo de batalha quando a África do Sul retirasse de Angola e o governo de Pretória cumprisse a Resolução da ONU sobre a Independência da Namíbia. 

Isso veio a acontecer depois da Batalha do Triângulo do Tumpo quando forças exclusivamente angolanas, comandadas por angolanos, derrotaram irremediavelmente as tropas invasoras da África do Sul.

Pyongyang e Benghazi

Na ofensiva diplomática, o Presidente José Eduardo dos Santos esteve na Líbia onde expôs a situação militar em Angola ao Presidente Kadhafi. Com a sua habitual exuberância, o Chefe de Estado líbio ofereceu de imediato um batalhão para ir combater em Angola. 

Antes de regressar a Luanda, o Presidente da República voltou à Líbia e foi recebido por Kadhafi, desta vez em Benghazi. Afirmou que ele próprio ia comandar o batalhão da Líbia na guerra contra os racistas de Pretória. Em troca queria autorização para construir uma grande mesquita em Luanda.

Outra particularidade desta ofensiva diplomática foi registada na Coreia do Norte. O Presidente Kim Il Sung garantiu o envio de armas ligeiras para Angola, mas primeiro tinha que reactivar a fábrica de armamento que as produzia e estava encerrada há alguns anos. 

Em todo o lado o Presidente da República encontrou boas vontades e solidariedade, mas as acções no terreno eram prementes. Por isso, os jovens militares angolanos tiveram que lutar contando com as suas forças e os seus meios. Venceram. E a vitória de Angola significou o fim do apartheid e dos seus aliados internos, autores dos mais graves crimes que alguma vez foram cometidos contra a Humanidade.

A paz e a reconciliação nacional que hoje vivemos, também se deve ao rasgo diplomático do Presidente José Eduardo dos Santos, na Cimeira dos Países da Linha da Frente, em Lagos, faz neste Setembro 42 anos. Depois da grande festa da vitória eleitoral em 24 de Agosto, vamos todos comemorar o êxito retumbante para África e o Mundo, da Cimeira de Lagos. Venham todas e todos para a festa da gratidão a José Eduardo dos Santos.

*Este texto foi escrito em 2014 e publicado no Jornal de Angola

*Jornalista

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