domingo, 17 de julho de 2022

O MORTO RESSUSCITADO E A RESSUSCITADORA – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

A vantagem de não ser candidato a deputado, ministro, secretário de Estado ou mesmo contínuo de ministério é podermos dizer o que pensamos sem medo de perder o emprego. A vantagem de não depender do poder político e económico é podermos pôr em causa os poderosos. A vantagem de não pertencermos a facções é não termos que entrar em negócios de ossadas para tratar da vidinha ou deitar abaixo pessoas que estão mergulhadas na dor e no luto. Eu tenho essas vantagens todas. Mas não as roubei dos cofres do Estado Angolano. Não as comprei. São mesmo da minha lavra. Juro mesmo!

Um dia já longínquo e que prova a minha longevidade, a despeito dos desejos de inimigos mais ou menos assanhados, pediram-me um parecer sobre o canal dois da TPA. Eu dei o parecer, devidamente fundamentado. Posso resumir: Aquilo está morto, em estado de decomposição e o melhor, é fechar ou privatizar. Não se gasta cera com maus defuntos. A decisão foi contrária ao meu parecer. A Dra. Welwitschia José dos Santos criou uma produtora e pegou no morto. 

Ao longo de 56 anos, a minha vida tem sido produzir conteúdos. Mas também analisá-los. Portanto, tenho alguma experiência na área. Foi com esta bagagem profissional que vi a entrevista da Dra. Welwitschia José dos Santos à CNN Portugal. Quando ela falou da sua actividade no canal dois da TPA invocou o nome do senhor José Eduardo Moniz. A perguntadora (nem sequer é simpatizante de jornalista) recebeu ordens do comando para não deixar ouvir a entrevistada. E ela fez um chinfrim tremendo. Ruído propositado!

Mas ouvi o suficiente. Quando a Dra. Welwitschia José dos Santos assumiu a direcção do canal dois da TPA contactou o senhor José Eduardo Moniz e pediu-lhe ajuda. Orçamento? Resposta do perito: Para fazer isso são necessários 40 milhões de dólares. Resposta: Mas eu só tenho nove milhões… Réplica do mago da televisão: Então lamento muito mas não alinho! Em vez de desistir, ela levou o projecto em frente e com os nove milhões ressuscitou o morto! E fez algo que me deixou perplexo. A melhor maneira de ancorar um canal de televisão à audiência é ter vedetas. Ajuda muito.

A Dra. Welwitschia José dos Santos não tinha vedetas televisivas. Também não podia importá-las porque uma vedeta brasileira, portuguesa, moçambicana, guineense (Bissau e Malavo), cabo-verdiana ou santomense não fala como uma vedeta angolana. A Língua Portuguesa em Angola, felizmente, é muito diferente daquela que se fala nos outros países que têm o português como língua oficial. Criaram duas vedetas no canal dois da TPA! Um tremendo sucesso. E depois do arranque ainda criaram mais. Notável.

Na entrevista à CNN Portugal, Welwitschia José dos Santos disse que meteu muitos milhões nos cofres do Estado (fez com nove aquilo que Moniz disse custar 40). E também afirmou que o Estado Angolano lhe deve muitos milhões em indemnizações. Isso resolve-se nos Tribunais. É lá que se faz Justiça em nome do Povo.

No final desse ano, a Dra. Welwitschia José dos Santos mandou-me uma mensagem que dizia mais ou menos isto: “Este ano tive muito sucesso, conquistei muitas vitórias. Tu és uma das pessoas que me ajudou a triunfar”. Gentileza, generosidade em excesso. Pouco ou nada ajudei. Mas sou seguramente um dos angolanos que reconhece e aprecia o trabalho de Welwitschia José dos Santos. Como profissional. Como oficial do mesmo ofício. Também tive uma produtora de televisão, que fechei para dar uma mão na criação do Grupo Medianova e depois na formação aos profissionais da Empresa Edições Novembro.

Sócrates apontou o dedo à nossa ignorância quando, sendo ele o mestre dos mestres, disse “só sei que nada sei”. Não, o filósofo não estava a referir-se à Ciência ou à Teoria do Conhecimento. Dizia aquilo que eu aprendi, antes de ir para a escola aprender a ler, escrever e contar. O meu professor Tuma um dia estava atriste, cabeça baixa, falava por monossílabos. E eu preocupado pedi-lhe que me explicasse o que se passava. Ele sentou-me no colo enquanto as cabras devoravam rebentos no capinzal e disse: Mesmo que eu te diga, nunca conseguirei explicar o que se passa no coração. Ninguém sabe o que se passa no coração. Só sentimos.

Ataques soezes contra duas filhas do Presidente José Eduardo dos Santos são isso mesmo, baixeza, leprosaria moral, indignidade, injustiça gritante, falta de respeito. Pela primeira vez na minha vida assisto, incrédulo, a um quadro dantesco. O Estado recorrendo a meios e instituições públicas para esmagar duas mulheres que acabaram de perder o pai. E que Pai! 

O Estado somos nós. Logo somos todos responsáveis pelo massacre. Sei que esta posição vai colocar a minha popularidade em níveis ainda mais baixos. Mas fico de bem com a minha consciência e, mais uma vez, provo aos meus mestres Acácio Barradas e Ernesto Mara Filho que continuo a viver entre as fronteias da honra e da dignidade.

E as meninas órfãs têm culpas no cartório? Não sei o que se passa naqueles corações. Nunca saberei. Nunca ninguém saberá. O que oiço e vejo não me agrada nada. Mas quem sou eu para julgá-las? O Estado, tenho a certeza absoluta, não pode pensar com a cabeça do Miala nem usar os métodos dos seus sequazes. Ao fazê-lo, faz de todos nós cúmplices da injustiça e do abuso de autoridade. Eu não sou cúmplice de iniquidades. Não alinho em assassinatos de caracter. Não faço julgamentos na praça pública. O Povo Angolano está de luto. Mas toda a família de José Eduardo dos Santos também está. E a essas mulheres e homens dói particularmente a perda.

Os atacantes acéfalos invocam a condição de “africanos” para condenarem filhas do Presidente José Eduardo dos Santos. Sob essa capa, fazem ataques racistas e xenófobos! Sabem qual é o problema de África? Os ocupantes do poder preocupam-se mais com os mortos do que com os vivos. Eu sou contra o culto dos mortos. E sou contra este espectáculo degradante de apostarem tudo na divisão entre familiares de José Eduardo dos Santos. Porque estão a dividir o Povo Angolano de uma forma dramática. 

Ontem contei o episódio de Jonas Savimbi num comício em 1992, durante o qual ele disse que no dia seguinte às eleições, os crioulos nem ficavam com os pés para fugir. Situei o acontecimento no Sumbe. Um ilustre filho da cidade disse-me que estou enganado, porque o criminoso de guerra nunca conseguiu fazer comícios na capital do Cuanza Sul. É verdade. Fui consultar os meus papéis e o episódio descrito ocorreu no Bailundo. Peço desculpa a todas e todos os que se sintam prejudicados com a minha imprecisão. E particularmente ao povo do Sumbe, que nunca pactuou com os sicários da UNITA. Dia 24 de Agosto a luta continua!

*Jornalista

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