terça-feira, 26 de julho de 2022

V CONGRESSO DOS JORNALISTAS PORTUGUESES

É verdade que a revolução digital destruiu o modelo de negócio do jornalismo. Mas é também verdade que, na luta desesperada para recuperarem os lucros de antigamente, os gestores das empresas jornalísticas tomaram decisões erradas que feriram os alicerces do edifício jornalístico, porque puseram em risco o seu quadro de valores.

Pedro Coelho | Setenta e Quatro

Em 2017, o IV Congresso dos Jornalistas Portugueses elegeu o lema “Afirmar o Jornalismo”. Em janeiro de 2024, quando chegarmos ao V Congresso, sete anos depois da hercúlea epopeia de 2017 – de afirmar o jornalismo distinguindo-o da miríade de vozes que circulam no espaço digital, muitas delas amplificadas por interesses obscuros e ocultos – o que ainda nos restará?

Em janeiro de 2024, nos 50 anos do 25 de abril, nos 90 anos do Sindicato dos Jornalistas, uma das três entidades, juntamente com a Casa de Imprensa e o Clube dos Jornalistas, promotoras do V Congresso, voltaremos a estar juntos em amplo debate. Será, seguramente, um debate vivo, construtivo, mas também a revelação dos resultados de uma luta desigual, onde – de forma transparente e honesta – assumiremos as frustrações e os receios que nos condicionam. Sejamos justos, nós, os que estivermos juntos em janeiro de 2024, estaremos juntos porque ainda acreditamos no futuro jornalismo, de outra forma baixaríamos os braços e entregávamo-nos a outros desafios. Acreditamos no futuro, apesar de todos nós, com o ceticismo que nos molda, sentirmos a densidade da névoa, que obscurece o que está para vir.

É verdade que a revolução digital destruiu o modelo de negócio do jornalismo. Mas é também verdade que, na luta desesperada para recuperarem os lucros de antigamente, os gestores das empresas jornalísticas, no mundo inteiro, tomaram decisões erradas que feriram os alicerces do edifício jornalístico, porque puseram em risco o seu quadro de valores.

Na luta pela sobrevivência enterrámo-nos, todos os dias, um bocado mais.

Quando uma televisão tabloidizada coloca uma frase a ocupar um terço do écran onde lemos - “Monstros estão a ser ouvidos” - referindo-se a três suspeitos (sublinho suspeitos) de um crime hediondo, que as autoridades estavam, nesse exato momento, a interrogar e nada acontece, ninguém, da nobre entidade que regula a ação dos media, usa o poder que tem para, publicamente, estancar o caudal de fel…

Quando outra televisão obriga um repórter/vítima de um incêndio a trabalhar, tendo, o dito repórter, pedido expressamente para não trabalhar e apenas nos rimos com a desgraça jornalística amplificada nessa mesma TV e nas redes sociais… Quando, há 21 anos, na tragédia de Entre-os-Rios, um diretor, de um terceiro canal de televisão, gritou aos ouvidos de um jornalista em direto, exigindo-lhe que entrevistasse os familiares das vítimas, porque a concorrência também as estava a entrevistar… O mesmo diretor, os mesmos diretores, na cobertura da mesma tragédia, que tinham dado ordens para que as câmaras, em direto, filmassem 24 horas de buscas no rio Douro, rio de onde, a qualquer instante, poderiam emergir corpos decepados, desfeitos…

Há um imenso role de asneiras, de atentados ao jornalismo, de que muitos de nós, até pelo nosso silêncio, temos sido cúmplices.   

Sim, o modelo de negócio ruiu, mas também ruiu o estrito cumprimento dos valores do jornalismo. Philipe Meyer diz-nos que a credibilidade gera influência, e que a influência gera receita. Da mesma forma, digo eu, que este “jornalismo” que, quotidianamente, há mais de 20 anos, alimentamos, nos rouba receitas, porque destrói a nossa credibilidade.

O desafio que nos espera - e será certamente ele uma das âncoras do nosso V Congresso – é o de fazermos emergir o jornalismo, salvando os valores que o enformam, protegendo a missão que o guia (a de servir o público), apesar da contraditória premissa de ter de gerar lucro financeiro. Se isso, como nos dizem Bill Kovach e Tom Rosenstiel, foi possível 200 anos, deixou de ser a partir do momento em que tomámos a decisão de apenas salvar o negócio. Caros leitores, neste nosso tempo, o jornalismo já não pode ser um negócio.

No V Congresso dos Jornalistas Portugueses, a cuja comissão organizadora terei a honra de presidir, tentaremos encontrar resposta para a mais complexa das perguntas: como poderemos salvar o jornalismo, libertando-o do modelo de negócio que, tendo fracassado, arrasta, nesse fracasso, o fracasso do próprio jornalismo? 

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