sábado, 20 de agosto de 2022

Angola | PODER LOCAL E AUTORIDADES TRADICIONAIS – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

A campanha eleitoral está no fim e as eleições para o Poder Local desapareceram misteriosamente das agendas dos partidos da Oposição. Fizeram apenas leves referências, como quem não quer a coisa. Adalberto da Costa Júnior apareceu mesmo sentado num “trono” com três sobas da Lunda Norte! No comício do MPLA em Benguela, estavam presentes centenas de autoridades tradicionais, todas e todos vestidos a rigor com os seus trajes, numa tribuna à parte, como sinal de respeito por um poder que em Angola tem muita força e é genuinamente democrático.

As eleições para o Poder Local têm sido usadas como arma de arremesso contra o Presidente da República e Titular do Poder Executivo. Contra o MPLA. Até hoje, ninguém explicou publicamente qual é o papel reservado às Autoridades Tradicionais nas Autarquias Locais. Ninguém explica que medidas são tomadas para evitar conflitos entre dois poderes democráticos. As autarquias e os sobados são amigas ou adversárias? Coexistem pacificamente ou vão surgir conflitos? Completam-se ou vão causar divisões? Até hoje não vi respostas cabais a estas questões.

Nos sobados do Catumbo, Cangundo, Kulo e Dambi as comunidades camponesas produziam muito café, sobretudo o valioso caturra. Todos os comerciantes do Negage andavam atrás desses “fregueses”. Mas com pouco sucesso. Porque não reconheciam nem respeitavam a soberania dos sobas. Meu Pai nunca ia a uma aldeia que não levasse um tributo para as Autoridades Tradicionais. Simples lenços da cabeça e panos para as mulheres ou um garrafão de vinho com capacete. Esse tributo era sinal de respeito e consideração pela soberania de quem foi escolhido pela comunidade para gerir os seus interesses.

Nas festas comunitárias, sobretudo as da iniciação e da morte, com a mercadoria adquirida para as festividades, seguia sempre um tributo para o soba: malas de peixe-seco, vinho e aguardente. A cerveja industrial praticamente não existia nessa época. Era um sinal de respeito e consideração pela soberania da Autoridade Tradicional.

O resultado desta política era muito visível e proveitoso. Não existia crédito mal parado num tempo em que os camponeses compravam tudo “para o livro do debita” no chamado tempo morto, estação da Chuva. Os habitantes das aldeias pagavam religiosamente as suas dívidas quando colhiam o café. Se não o fizessem, se houvesse um simples atraso, o soba imediatamente actuava. Mas se alguém precisava de ir ao Uíge tratar da saúde, o soba mandava recado, a carrinha ia buscar os enfermos e levava-os para onde existia assistência médica, na capital do então Congo Português. Ou mesmo em Luanda! Pagamento do serviço? No tempo da colheita acertavam-se as contas. O soba era o fiador.

As Autoridades Tradicionais representam um poder democrático mais eficaz e justo que o municipalismo. Mais humano, mais próximo, mais familiar. É por isso que o sentimento de familiaridade entre o Povo Angolano se sobrepõe ao de nacionalidade. Dito isto, sou radicalmente contra as Eleições para o Poder Local no curto e médio prazo. Sou absolutamente contra a Regionalização. Sou ferozmente contra autonomias alargadas ou mitigadas. As maiorias parlamentares apoiam o Executivo e o poder central escolhe os gestores provinciais, municipais, comunais e agora distritais, nas grandes cidades. Todos trabalham em estreita ligação com as Autoridades Tradicionais.

O tribalismo pôs o continente africano de mão estendida à caridade dos esclavagistas e colonialistas. África tem uma das populações mais jovens do mundo, uma riqueza incalculável. Não serve de nada. Os “migrantes” africanos só servem para fazer o que os brancos não fazem. Uma criança africana recém-nascida pode ser Agostinho Neto, Einstein, Rainha Jinga, Miriam Makeba. Mas tem sorte se não morrer de fome ou com uma doença facilmente curável.  

O regionalismo destruiu o pan-africanismo. Assim se perdeu a paz e a estabilidade continental. O MPLA restituiu a África dignidade e liberdade, destroçando o colonialismo e o regime racista de Pretória. Abriu caminho à unidade africana. O exemplo dos angolanos é ignorado. Os líderes africanos (e alguns angolanos) apostam tudo no regionalismo e depois recebem os dinheiros da traição. Os esclavagistas e colonialistas mandam e comandam enquanto os africanos se matam. O exemplo angolano é ignorado. Mas o Povo Angolano não vai ignorar as suas conquistas. No dia 24 de Agosto isso vai ficar muito claro. E expressivo!

As eleições gerais servem para escolher as e os melhores políticos. Os governos legitimados pelo voto popular nomeiam o pessoal político para as províncias, municípios, comunas e distritos urbanos. Mas sobretudo o pessoal técnico. Que não é assim tão pouco e não temos. Um município precisa de engenheiros, arquitectos, professores, juristas, economistas, veterinários, engenheiros agrónomos, canalizadores, electicistas, motoristas, pedreiros, carpinteiros, enfim, um sem número de profissionais de todas as artes e ofícios. Ainda não temos localmente esta mão-de-obra. É o Poder Central que tem de garantir estes quadros. Os nomeados trabalham estreitamente com as Autoridades Tradicionais. 

Se assim não for, como fica a autonomia financeira do Poder Local? Os municípios, comunas, distritos urbanos, vão cobrar o imposto de cubata? O imposto do lembamento? O imposto do cão? O imposto do conduto e do molho? Nós destruímos o colonialismo, não admitimos retrocessos. Mesmo que a UNITA queira muito o regresso ao passado colonialista.

Hoje foi revelado um “relatório” do Instituto de Gestão de Activos e Participações do Estado (IGAPE), sobre as contas da TPA, Edições Novembro, Rádio Nacional de Angola e ANGOP. Os Chicago Boys falam em “prejuízos” dos Media do Sector Empresarial do Estado. Dizem que os Media públicos estão falidos e dão grandes prejuízos. Acontece que a análise não pode ser no modelo lucros-prejuízos mas sim custos-benefícios.

Os Chicago Boys e Girls dizem que em 2021, a Televisão Pública de Angola (TPA), Edições Novembro, Rádio Nacional de Angola (RNA) e ANGOP acumularam mais de 12 mil milhões Kwanzas em saldos negativos. O maior “prejuízo” é na TPA, mais ou menos 28 milhões de dólares. A Empresa Edições Novembro teve um “prejuízo” de 287 mil dólares. A RNA, 98 mil dólares e a ANGOP deu o prejuízo astronómico de 53 mil dólares. Nada. Zero. Meninas e meninos! O Ministério das Finanças dá mais “prejuízo” do que os Media do Estado todos juntos. Está faladíssimo! O tal instituto resolveu entrar na campanha eleitoral com doses latifundiárias de irresponsabilidade. Eles não sabem que os Media não fabricam chouriços nem cobram impostos. Nas notícias não há margem de lucro nem usura incorporada.

*Jornalista

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