terça-feira, 30 de agosto de 2022

Angola | QUEM NÃO VOTOU EM MIM É DOS MEUS – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

A minha irmã que dá ao seu bebé água com fuba porque o seu leite secou, está desesperada e abandonada à sua sorte azarada. A minha irmã que carrega banheiras à cabeça e percorre todas as ruas das cidades para ganhar um pão porque o diabo lhe come tudo o que ganha, está cansada, triste e desesperada. 

O meu irmão esgravata a vida, todas as horas de todos os dias. À noite, todas as noites, encontra em casa os filhos com fome porque o trabalho só lhe dá canseiras mil e míseras esmolas. Está desesperado, amargurado, irremediavelmente vencido.

A minha irmã que trabalha na repartição pública não consegue dar de comer aos filhos porque o salário é tão rastejante que nem chega para comprar fome. Está triste, desiludida, desesperada, abandonada. Nem tem um sindicato que defenda os seus direitos. Está onde a UNTA? Onde estão os meus camaradas sindicalistas?  

A minha irmã funcionária pública também está indignada porque a TPA passa de minuto a minuto um vídeo onde lhe chamam corrupta. Que a ameaça com a Procuradoria-Geral da República. Que pede aos miseráveis, que sejam bufos vendendo as suas irmãs e seus irmãos quando servidores públicos pedem “gasosa” para desenrascarem um papel. Agilizarem um atendimento de rotina. 

O meu irmão que foi para os campos de batalha quando era adolescente saiu de lá homem feito, amargurado, desesperado. Infinitamente desiludido, está indignado e muito triste. Depois de lhe comerem a carne, abandonaram os seus ossos ao acaso. Ninguém lhe pergunta se tem comida em casa. Ninguém lhe pergunta se pode pagar estudos aos filhos. Ninguém lhe pergunta se tem assistência na doença. Ninguém quer saber se na sua mesa há sempre qualquer coisa para comer.  

Aqueles que verteram o seu sangue generosamente e sobreviveram nos campos de batalha mergulharam numa indiferença preocupante. Ontem libertaram Angola, África e a Humanidade do hediondo crime do apartheid. Hoje estão desorientados, tristes, desiludidos. Quem está no Poder passa por eles como se fossem transparentes, como se estejam no estado gasoso. Não sabem se amanhã têm pão para os filhos. 

As famílias daqueles que tombaram em defesa da Pátria Angolana, os que sacrificaram as suas vidas por África e pela Humanidade, hoje estão zangados. Ninguém os ajuda a suportar o peso da vida e da saudade. Vivem na penúria e alimentam-se do esquecimento e do abandono.

No dia 24 de Agosto foram votar ou nem por isso. Provavelmente fazem parte da maioria que não foi às urnas de voto. Mas muitos dos que votaram, fizeram muito bem, se depositaram o seu voto no partido que lhes prometeu 150 mi kwanzas de salário mínimo. Se eu tivesse de alimentar o meu bebé com fuba dissolvida em água, também ia atrás desse dinheiro. Se andasse o dia inteiro a esgravatar e nem um pão levasse para casa onde os filhos choram com fome, provavelmente também ia atrás desse salário mínimo. Se andasse na zunga e alguém me acenasse com 150 mil kwanzas por mês, votava dez vezes nesse partido em mesas diferentes.

Se um papelito dobrado e com uma cruz no três dá 150 mil kwanazs por mês, milhões foram a correr depositar o voto nesse número. Se eu vivesse em Cabinda e me aparecesse um político a prometer-me a independência e mil barris de petróleo por dia, eu votava no três até ao fim da minha vida. 

Uma tristeza! Muitas e muitos que votaram na UNITA foram miseravelmente enganados. Mas na hora do desespero, se for preciso até acreditamos que o tempo volta para trás. Estou solidário com quem votou nos vendedores de Angola, nos matadores do Povo Angolano, nos destruidores do regime democrático. A quem nada tem é proibido não gostar de merda. 

Uma das mais importantes medidas adoptadas pela liderança de João Lourenço foi alargar o comité central e o bureau político. Uma maneira inteligente e eficaz de aproximar os dirigentes às bases. Camaradas! Nestas eleições isso não se viu. As bases estão claramente divorciadas da direcção. Por favor, vejam se quem dirige não está refastelada e refastelado no cadeirão da burocracia. 

A UNITA, a CASA-CE e o PRS foram vender Angola ao “Protectorado Lunda”. Não resultou. Sabem porquê? Ali ainda está viva a memória do MPLA da guerrilha, o movimento guerrilheiro. Os dirigentes andavam ao lado do povo de arma na mão e com a pele encostada ao chão. Ninguém dirigia a luta de libertação a partir do sofá. Essa memória perdura. E o MPLA aguentou-se nas Lundas e no Moxico. Onde as raízes já secaram ou os líderes do MPLA libertador são abandalhados pelos actuais, os resultados não foram positivos.

Adalberto da Costa Júnior é membro do Conselho de Estado. Formalmente ainda é presidente da UNITA. Quando foi alvo de sanções da ONU por ser terrorista, membro de uma organização terrorista, foi salvo pelo Presidente José Eduardo que o amnistiou, o perdoou e fez dele cidadão angolano. Presumo que nessa tripla condição foi ao funeral na Praça da República. No final da cerimónia mostrou claramente que não tem categoria nem sequer para servente nas obras das estradas. Primeiro criticou o facto de ser incluído no programa um elogio fúnebre do MPLA. Pelos vistos não sabe que o defunto era Presidente Emérito MPLA e liderou o partido desde 1979 até 2017.

O pior está para vir. No local da cerimónia, a empregada da limpeza (colega de trabalho) que a RTP mandou cobrir as nossas eleições perguntou-lhe pelos votos e ele ficou a explicar que a UNITA tem mais mandatos do que os anunciados e pode provar isso com actas. Este homem não respeita ninguém. É um colonialista retardado.

Hoje o soldado motorista do RI20 anunciou que vai deixar de massacrar a gramática. O Adalberto tinha-lhe prometido o lugar de ministro da Coltura e afinal nada. O Numa também está muito frustrado. Ia ser o ministro das Sepulturas e tudo falhou. O Nelito Ekuikui mandou os seus bandidos matar gente mas a polícia está vigilante. Nem um palmo aos gangues da UNITA. Só resta mesmo proclamar os resultados definitivos para o MPLA começar a governar. Sabiam que o Executivo é o governo? Não se esqueçam. Daqui a cinco anos há eleições outra vez.

*Jornalista

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