terça-feira, 23 de agosto de 2022

Ao Expresso e a Nicolau: “O jornalismo português a bater no fundo” – Artur Queiroz


Do jornalista Artur Queiroz publicamos por inteiro considerações e correspondência dirigida ao diretor do Expresso e, mais explicitamente, a Nicolau Santos, daquele império de órgãos de comunicação social

Senhor Diretor:

Na edição de sábado, 4 de Novembro, do “Expresso”, caderno de Economia, página 24, foi publicado um artigo sob o título “Grupo Medianova Agita Imprensa”, assinado por Gustavo Costa, correspondente em Luanda, que para além de conter mentiras descaradas e imprecisões notórias, é objectivamente difamatório e insultuoso para a minha pessoa e para alguns jornalistas que me acompanham nesse projecto. Venho, por isso, solicitar que seja publicado, ao abrigo do Artº 24º da Lei 2/99 de 13 de Janeiro, na sua redacção actual, o seguinte texto:

O projecto multimédia a que se refere Gustavo Costa e ao qual chama “Medianova” é liderado por jornalistas angolanos com provas dadas e larga experiência e não “por jornalistas portugueses” como é errada e malevolamente afirmado no artigo em causa. 

É verdade que o “Semanário Angolense”, numa campanha racista e xenófoba diz que a liderança do projecto é de portugueses. Gustavo Costa embarca na campanha. E para tudo bater certo, diz que Artur Queiroz “passou pelo Diário de Luanda e pelo Jornal de Angola no início de 1977”. Gustavo, que me conhece bem, distorce propositadamente a verdade, para ajudar à festa racista. 

Eu sou um jornalista angolano, iniciei a minha actividade em Angola no ano de 1966, fui chefe de Redacção da então Emissora Oficial de Angola. Integrei a direcção do Diário de Luanda, até Outubro de 1976, donde fui demitido, juntamente com Luciano Rocha, pelos golpistas de Nito Alves. Fui o último presidente do Sindicato dos Jornalistas de Angola, entre finais de 1974 e finais de 1976, numa direcção à qual pertenciam também Castro Lopo e Luciano Rocha. Integrei o colectivo partidário, constituído por Hélder Neto, Rui de Carvalho, Luís Filipe Colaço, Bobela Mota e Luciano Rocha, que produzia e editava o jornal “Vitória Certa”, órgão oficial do MPLA. Gustavo sabe de tudo isto. Mas como sou branco, sou português e passei por Angola de raspão, em 1977. 

Mais grave ainda é que o “Expresso” publique, embora citando o “Semanário Angolense”, que os sete jornalistas portugueses contratados para o projecto são “mercenários de caneta”. Os racistas em Luanda caluniam profissionais honrados, Gustavo Costa cita as calúnias e o “Expresso” serve de amplificador. Isto não é o fim da macacada. É a macacada do jornalismo português a bater no mais fundo dos fundos. É o fim do jornalismo rigoroso e honrado. 

Finalmente, salvo melhor opinião, é ridículo que o “Expresso” tenha apurado que uma filha do presidente da República de Angola “seria” o escudo protector do projecto de Comunicação Social em que estou envolvido. De resto, toda a prosa está semeada de verbos no futuro e no condicional, as fontes são todas anónimas, menos a citação final de Graça Campos, que considera vergonhoso que jornalistas portugueses andem a tratar da imagem do presidente da República de Angola. Fazer jornalismo assim é seguramente uma vergonha. Eu e os profissionais envolvidos no projecto fomos contratados como jornalistas e jornalismo é a única coisa que sabemos fazer há muitos anos. 

Artur Queiroz

Elogios Ocos e Bocas de Circunstância

Eu andei aos pontapés na bola com o BIcudinho e quando morreu, escrevi um elogio fúnebre onde dizia que ele era melhor futebolista do que o Pelé. Apesar do momento de angústia e tristeza, a malta começou a rir-se desalmadamente. Na verdade, nos nossos trumunos rijos, ele acertava mais nas canelas do que na bola, falhava todos os passes e rematava sempre ao lado da baliza, cujos postes eram duas pedras e não havia trave. Eu nada sei de futebol para qualificar seja quem for nessa modalidade desportiva. Mas se Pedro Mantorras, o maior do mundo e arredores, dissesse que o Bicudinho era um grande futebolista, provavelmente ninguém duvidava. Porque ele é um génio na matéria.

Se vos disser que vou votar no Adalberto da Costa Júnior porque é um grande Físico Nuclear toda a gente se rebola a rir. Porque eu nem votava nele para porteiro da UNITA. E sei tanto de Física como de naves espaciais. Nadas de nada. Mas se a Professora Catedrática Maria Cândida Teixeira (é doutorada em Física Atómica e Nuclear Aplicada) declarar que o mentiroso compulsivo que chefia o Galo negro é um barra nessa Ciência, toda a gente vai acreditar. Ninguém sabe mais do que ela nessa matéria.

 E se dissesse que vai votar nele, era manchete em todos os jornais do mundo! Alguém que testemunhou os crimes hediondos da UNITA e dos racistas de Pretória no Moxico, jamais podia votar no chefe dos criminosos. Nem num momento de loucura.

Apesar de já estar com a cabeça cansada e o corpo me ande a pedir sepultura (já sabem comigo é cremação, as cinzas para o lixo e festa de arromba com muita bebida, de preferência tinto velho!) ainda tenho capacidade para dizer se um jornalista, morto ou vivo, é óptimo, bom ou sofrível. Abaixo disso já não é jornalista. Nos anos que levo de profissão, na Rádio e Imprensa, trabalhei com jornalistas fora de série. 

Dos mortos, destaco Acácio Barradas entre mais de uma dezena. Dos vivos, permitam-me que refira apenas com quem trabalhei na última Redacção da minha vida profissional (agora sou freelancer). Primeiro as senhoras: Nilza Massango, Edna Dala, Adelina Inácio, Luísa Rogério (a ordem é da mais nova para a mais experiente). São excelentes profissionais em qualquer parte do mundo.

Agora os senhores. São muitos mas só vou nomear estes quatro: Cândido Bessa, Bernardino Manje, Isidoro Natalício e Estanislau Costa. Ao nível destes estão mais algumas dezenas de enormíssimos profissionais que fazem da Empresa Edições Novembro uma das mais ricas do mundo no que diz respeito ao potencial dos recursos humanos na área do Jornalismo. Acreditem em mim, que nunca vendi fruta bichada. 

Nos anos 60, coordenei com Orlando de Albuquerque, a página cultural do diário O Lobito. O grande esteio da Redacção era António Esperança. Como tenho um grande orgulho por ter trabalhado na imprensa regional angolana, permitam-me que destaque estes dois nomes. 

O médico Orlando de Albuquerque, viúvo da poetisa Alda Lara, era um grande Homem de Letras (poeta, contista, novelista, crítico literário) e fundou a histórica editora Capricórnio no Lobito. 

Um dia decidi que não pagava mais aos patrões e fundei com o Vítor Bandarra uma produtora de televisão, a QB Comunicação, que também se lançou na edição de livros. Estava muito contente a desfrutar da independência das entidades patronais e a beber os lucros, quando fui convidado para fundar em Angola um grupo de comunicação social privado. O convite veio de um grande amigo e o meu Pai ensinou-me que aos amigos jamais se diz não, excepto se quiserem matar-se. Disse que sim. Decidi avançar para o matadouro!

Só vos digo que o projecto era inovador e ia marcar a diferença. Contratei sete profissionais com larga experiência, ao mesmo tempo, na Rádio, Televisão e Imprensa. Por obrigação contratual, cada um tinha que formar dez jovens estagiários angolanos por ano, sendo que o contrato era de dois anos. Quando começou a execução, fui vítima de um ataque racista e das mais baixas calúnias, no Folha 8, Capital, Semanário Angolense e Expresso, de Lisboa. Os pasquins não assinavam as peças. O Expresso assinou: Gustavo Costa.

Benjamim Formigo, jornalista do Expresso, um dia apresentou-me esse jovem (na época) jornalista. Ele disse que já me conhecia mas eu não me lembrava dele. Começou nesse momento uma relação amistosa entre nós. Quatro dias antes de me difamar e me lançar um ataque racista nas páginas do Expresso, encontrámo-nos junto ao Centro de Imprensa Aníbal de Melo e dei-lhe conta do andamento do projecto. Pedi-lhe para me indicar nomes de jovens profissionais para integrarem a Redacção que servia ao mesmo tempo para a Rádio Mais, a TV Zimbo e O País. Disse que sim.

Depois escreveu no Expresso que eu era “um jornalista português que passou em 1977 pelo Diário de Luanda e o Jornal de Angola”. Qualificou as e os jornalistas  que contratei como “portugueses mercenários da caneta”. Face à campanha assassina, todos os profissionais se recusaram a vir trabalhar para Luanda. Eu ainda fiquei sete anos a trabalhar na Empresa Edições Novembro.

Entre os critérios que suportam os conteúdos das mensagens informativas está o Rigor, que é a marca distintiva de Jornalismo. O correspondente do Expresso em Luanda não foi rigoroso, logo abdicou de ser jornalista. O soldado motorista do RI20, engenheiros agrónomos, ministros, presidentes, milionários, indigentes, podem dizer que ele é excelente. Mas essa opinião vale tanto como a minha sobre Física ou Futebol. Já tem valor se for proferida por alguém que tem responsabilidades na regulação e auto regulação da profissão. No caso, é óbvio que quem assim procedeu, limitou-se a uns elogios ocos e bocas de circunstância. O que não deixa de ser grave.

Hoje mando-vos a correspondência que na época troquei com o editor e o director do Expresso. Como alguns amigos guardam os meus escritos, pode ser que se houver um cataclismo, não fiquem apenas os elogios a quem exercia o jornalismo sem rigor, isenção, independência e sem o mínimo dever de cuidado. A memória das palavras é essencial para garantirmos aos vindouros um ambiente limpo e honesto.

Artur Queiroz

Meu Caro Nicolau Santos

Penso que ainda posso tratar-te com afecto e amizade, apesar de ter sido caluniado e insultado na página 24 do caderno de Economia na última edição do “Expresso” que, presumo, é da tua responsabilidade.

Não acredito que tenhas lido aquela prosa do Gustavo Costa. Mas a verdade é que ela foi publicada e ao publicarem mentiras e calúnias, ofenderam-me gravemente e aos camaradas de profissão que vão trabalhar comigo. Tu sabes melhor que ninguém que não passei por Angola no início de 1977. A minha ligação ao país e ao jornalismo angolano é bem mais profunda. 

Espero que o “Expresso” publique o meu esclarecimento, com o mesmo destaque, e no mesmo local, sem ter de invocar a Lei de Imprensa. O vosso correspondente em Luanda mentiu, difamou, distorceu e especulou conscientemente. Foi uma peça importante da mais repugnante campanha racista que alguma vez vi publicada na imprensa angolana, mesmo na que apenas ventila lixo.

No caso de continuar o festim racista, pelo menos oiçam a outra parte que, neste caso, sou eu. Não custa nada cumprir o dever de cuidado. O meu contacto é 002449       843.  

Um abraço do

Artur Queiroz

Nicolau Santos:

Nem te dignaste responder ao meu email o que já em si revela o teu carácter e é

uma resposta. Também não publicaste o texto onde reponho a verdade dos factos e medefendo das vossas calúnias. Tenho de concluir que agiste de má-fé e com a intenção deliberada de me difamares.

Um dia destes encontrei-me com o Acácio Barradas, mestre de jornalismo e meu

amigo. No meio da conversa ele falou-me de uma ópera onde a personagem vê o seu berço a arder. Eu ando há anos a ver o berço onde nasci para o jornalismo envolto em chamas violentas. Vou tentando apagar o fogo mas quando ele está em lume brando ou quase a extinguir-se, pessoas como tu ou o Gustavo Costa lançam mais achas para a fogueira e o meu berço volta a desaparecer no meio das chamas. Comparado com esta tragédia, o mito de Sísifo é uma pedrinha no sapato.

Hoje mesmo seguiu uma nova carta, registada e com aviso de recepção, como manda a Lei, para vocês publicarem a minha resposta.

Lá nos encontraremos no Tribunal. E se entretanto a Justiça em Portugal não for privatizada, as chamas no meu berço vão aumentar imenso quando te ouvir dizer ao juiz que não leste nada, não viste nada e não sabes de nada. Enfim, nada de novo e nada a que não estejas habituado. O banditismo jornalístico é alimentado quotidianamente pela cobardia e a mentira.

Artur Queiroz

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