terça-feira, 13 de setembro de 2022

Angola | IMACULADA GABRIELA E CASSANDRA RIOS – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

O velho Maciel parecia um mamoeiro, alto, magrinho, nariz adunco e muito c areca. Tinha uma carrinha Citroen dois cavalos e com ela corria Luanda inteira a comprar e vender livros novos e usados. Ganhou muita nota e abriu loja perto do restaurante Tongo e do bordel da Tia Mariazinha. Era o representante da Agência Portuguesa de Revistas e comprava originais de amor (colecção Rosa e Pimpinela) e coboiadas. Pagava a pronto. Um dia alargou o negócio à pornografia. Os livros de Cassandra Rios vendiam-se como gelados do Baleizão. Ele criou a sua escritora exclusiva: Imaculada Gabriela. 

Os aspirantes a escritores foram convidados para entrarem no negócio. Mas se os originais dos livros de amor e as comboiadas eram pagos a pronto, os textos pornográficos eram entregues à consignação. Ele só pagava quando vendia o material, porque o negócio era feito por baixo da mesa, clandestinamente.

Eu escrevi vários originais para a Imaculada Gabriela. Uma coisa muito profissional. Arranjei duas assistentes, a minha adorada Canducha, soberana do Bairro Operário, e a Carmencita Sevilhana, que se despia no cabaré Bambi. Com ela iniciei a minha carreira de artista de variedades. Fui seu partenaire. Ela ia despindo as peças de roupa e atirava-as para cima de mim, vestido com um casaco de bombazina grená, calças justas, brilhantina no cabelo penteado para trás. Dava uns passos tanguistas enquanto a artista se desnudava.

O negócio do velho Maciel deu para o torto. Os livros de Imaculada Gabriela eram impressos numa máquina “gestetner” enquanto as obras de Cassandra Rios tinham alta qualidade gráfica. O génio do difícil comércio das palavras, decidiu matar a Imaculada Gabriela e pirateou o nome da Cassandra Rios. Os nossos originais eram todos chancelados pela celebrada escritora brasileira. Se ela descobrisse, que apresentasse queixa ao Juleca Castro Lopo, na altura director da Polícia Judiciária. A partir dessa pirataria, o negócio dos livros pornográficos começou a dar mesmo muito dinheiro para o empresário e para os aspirantes a escritores, entre os quais me contava. 

Muitos anos mais tarde apresentaram-me um livro com o nome Eduardo Agualusa. Lembrei-me logo do velho Maciel. Um nome destes não existe. Deve ser resguardo de aspirantes a escritores. Li as primeiras três páginas e fiquei mais descansado. Nada tinha a ver com pornografia. Aquilo era mais o relatório de um camionista, daqueles que para tirar a carta de condução, tinha de fazer a quarta classe na escola de adultos, à noite.

Mais tarde o mesmo nome apareceu a assinar garatujas no pasquim “Capital”. Não acertava uma concordância entre o sujeito e o predicado. Aí percebi que o nome era mesmo inventado e uma plêiade de analfabetos escrevia sob aquele guarda-chuva. Engano de alma! Alguém me informou que o aracnídeo da escrita era um rapazito retornado. Saiu da cidade do Huambo na ponte aérea, em 1975, tinha a bonita idade de 14 anos. Perdeu a festa da Independência Nacional e tudo o que construímos até 1992. Tentou ser jornalista, mas quando um dia lhe disseram que a notícia não tinha sujeito, ele jurou a pés juntos, choramingando, que não mexeu nele. Se alguém o roubou, foi outro estagiário para o prejudicar.

Falhada a tentativa, aproveitou o Acordo de Bicesse para se tornar intelectual da UNITA. Chegou a Luanda na bagagem do Savimbi. À boleia dos sicários do Galo Negro virou angolano e escritor! O nome continua a ser o disfarce de um analfabeto irredutível. Depois de 2017, foi promovido a herói da literatura angolana. Agora diz que o Presidente João Lourenço, como ganhou as eleições, é um ditador. Perdeu o apoio do torturador da bela Língua Portuguesa. Parece que entre um vem e um longuíssimo vai, casou em Luanda e ficou angolano completo. Assim ganhou o direito a pronunciar-se sobre as nossas eleições.

Um amigo mandou-me material de primeira. Luís Araújo, chupista dos direitos humanos, diz que as eleições de 2022 foram fraudulentas. O MPLA é “o partido-estado” e entre os seus instrumentos de poder está o MPLA-Tribunal Constitucional. Em 1975, o MPLA ficou sozinho a criar o Estado Angolano. Os outros movimentos, FNLA e UNITA, deram cobertura às tropas estrangeiras que invadiram Angola para impedir a Independência Nacional. 

O MPLA criou o Estado Angolano. Os outros fizeram tudo para impedir esse sucesso. Até 1992, o MPLA ficou sozinho no combate contra o regime racista de Pretória mais as forças nacionais e internacionais que o apoiavam. Os seus dirigentes, militantes e apoiantes, tiveram de fazer tudo, nos serviços públicos, no sector económico e social, nas frentes de batalha. Sozinhos. A FNLA desistiu. A UNITA continuou, até à estrondosa derrota do regime racista de Pretória no Triangulo do Tumpo. 

Este ano, a História repetiu-se, como comédia. Nos anos 60, Viriato da Cruz, quando se candidatou à liderança do MPLA, em Kinshasa, defendeu que o movimento tinha que acabar e os seus membros iam para a FNLA. Brancos e mestiços só podiam ficar na segunda linha. Depois os revolucionários tomavam o poder por dentro. Foi derrotado por Agostinho Neto.

Agora a tragédia repetiu-se mas com os comediantes do Boco Democrático, liderado por Filomeno Vieira Lopes, antigo maoista, integrando a UNITA para, numa “frente unida”, derrotarem o MPLA. Neto esmagou Viriato. Todos contra o MPLA foram atropelados no dia 24 de Agosto. O partido e o seu cabeça de lista, João Lourenço, ganharam com maioria absoluta.

Tudo o que existe em Angola, desde os roboteiros e pessoal da zunga até às universidades, das cantinas aos bancos, das forças de segurança às forças armadas, foi criado pelo MPLA na sua luta incessante pela liberdade e a democracia. 

O MPLA não pôde fugir para Portugal nas pontes aéreas de 1975. Não pôde virar as costas aos invasores estrangeiros. Recusou submeter-se aos racistas de Pretória. Não pôde roubar diamantes de sangue como os sicários da UNITA. Recusou ir a Lisboa, Washington, Paris, Bruxelas e outras capitais europeias receber os 30 dinheiros da traição. O MPLA é o Povo Angolano. E o Povo Angolano não tem para onde ir, se virar as costas à Pátria Angolana.

As instituições angolanas, todas, nasceram e cresceram porque o MPLA libertou Angola do colonialismo e do regime racista de Pretória. É dever de todas e todos respeitar o que está feito e colaborar para realizar o que falta fazer. Este já não é o tempo de vender pornografia escondida sob as capas de activistas vigaristas e escribas aracnídeos. 

*Jornalista

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