segunda-feira, 5 de setembro de 2022

AVIVANDO A MEMÓRIA DE UM BOM RAPAZ -- Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

No dia 5 de Setembro de 1974 uma delegação da FRELIMO chefiada pelo comandante Samora Machel, líder do movimento revolucionário moçambicano, iniciou conversações com Portugal em Lusaka. A parte portuguesa incluía Mário Soares, ministro dos negócios estrangeiros, e o major Otelo Saraiva de Carvalho, em representação do Movimento das Forças Armadas (MFA). 

O ministro português queria levar para Lisboa a assinatura do cessar-fogo com a FELIMO. Samora Machel exigia, para assinar, que Portugal declarasse previamente o direito dos moçambicanos à Independência. Soares, por ordens do general Spínola, presidente da República Portuguesa, não podia ir além do cessar-fogo. Mas Otelo era o líder do Movimento das Forças Armadas (MFA) que fez a Revolução dos Cravos, derrubando o regime fascista e colonialista. 

Otelo pediu a palavra e disse mais ou menos isto: A FRELIMO tem razão, nós fizemos o 25 de Abril também para os povos das colónias serem livres. Samora Machel abraçou o seu amigo e ante a incredulidade geral, convidou-o a regressar com ele a Moçambique, porque era moçambicano e não português. Otelo, com a sua bonomia de sempre, respondeu: “Samora, sou moçambicano de coração e nascimento mas português de nacionalidade. Estou aqui em representação do MFA e do Estado Português”. Em Lusaka o futuro Presidente da República Popular de Moçambique mostrou o seu respeito pela Revolução dos Cravos e pelo Movimento das Forças Armadas (MFA). Assim Mário Soares levou para Lisboa o documento de cessar-fogo devidamente assinado.

No dia 15 de Janeiro de 1975, foi assinado no Hotel da Penina, Algarve, Portugal, o Acordo de Alvor. Na cerimónia final, o Presidente Agostinho Neto falou em nome dos três movimentos de libertação de Angola: MPLA, FNLA e UNITA. Assumiu corajosamente que o Movimento das Forças Armadas teve uma influência capital nas independências das colónias portuguesas. Neto chamou-lhe o “quarto movimento de libertação de Angola”. Está explicado todo o ódio dos anacrónicos colonialistas portugueses, das elites ignorantes e corruptas, contra Samora Machel e Agostinho Neto. Ao contrário dos beneficiários do 25 de Abril hoje no poder, os dois presidentes africanos respeitavam o Povo Português e o movimento revolucionário que o libertou, libertando também os povos das colónias.

Contra a vontade dos colonialistas que tinham como chefe de fila o general Spínola, a FRELIMO proclamou a Independência de Moçambique no dia 25 de junho de 1975. A independência de Cabo Verde foi proclamada no dia 5 de julho de 1975. Aristides Pereira, fundador do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), foi o primeiro presidente. A 12 de julho de 1975, São Tomé e Príncipe tornou-se um país independente. Manuel Pinto da Costa, líder do MLSTP foi o primeiro presidente. A Guiné-Bissau já era independente desde 24 de Setembro de 1973. O PAIGC declarou unilateralmente a Independência em Madina do Boé. Luís Cabral foi eleito presidente do Conselho de Estado.


António Costa, primeiro-ministro do Portugal, pediu perdão aos moçambicanos pelos massacres das tropas portuguesas em Viriamu, no dia 16 de Dezembro de 1972. Dois capitães morreram quando a viatura em que seguiam accionou uma mina. De vingança, uma companhia de “Comandos”, durante três dias, executou os massacres. A soldadesca matou centenas de civis em várias aldeias da região:  Djemusse, Riachu, Juawu, Chaworha e Viriamu. 

O governador-geral de Moçambique, na altura dos massacres, era Manuel Pimentel Pereira dos Santos. Ninguém o incomodou nunca, nem antes nem depois do 25 de Abril. A sua carreira como alto quadro do colonialismo passou por Angola. Foi presidente do Conselho de Administração da Companhia Mineira do Lobito e Secretário Provincial de Obras Públicas e Comunicações do Governo-Geral.

O chefe das forças armadas portuguesas em 1972 era o general Kaulza de Arriaga. Quando saiu de Moçambique foi premiado pelos massacres, sendo nomeado presidente executivo da Angol, a Sonangol da era colonial. Desempenhou o cargo em 1973 e 1974. O quarto movimento de libertação (MFA) tirou-lhe a mama. 

No golpe de estado de 28 de Setembro de 1974 em Portugal, Kaulza alinhou com Spínola. Se os golpistas tivessem triunfado, os independentistas brancos proclamavam a independência de Angola na cidade do Huambo. Savimbi, o muata da paz, e a UNITA, o movimento dos brancos, davam o colorido ao novo regime de apartheid. Angola ficava mais um satélite da África do Sul. A UNITA não muda, está sempre contra Angola e o Povo Angolano. Jonas Savimbi afirmou, em Maio de 1974, que apoiava o federalismo de Spínola e disse isto: “Angola não está preparada para a independência. Precisamos de uma transição de seis anos.”

Na sequência do golpe de estado militar de 28 de Setembro, Kaulza de Arriaga, o chefe e mandante dos massacradores de Viriamu, finalmente foi preso. Esteve na prisão 16 meses. Foi libertado em Janeiro de 1976 e o Estado Português pagou-lhe 100 contos de indeminização porque juízes da PIDE que ainda dominavam o Poder Judicial, consideraram a detenção ilegal!

Em 1977, Kaulza de Arriaga fundou o Movimento para a Independência e Reconstrução Nacional (MIRN), organização de extrema-direita. As eleições legislativas de 1980 ditaram a vitória da Aliança Democrática (AD) de Sá Carneiro. Ganhou com 47, 59 por cento, um bocadinho mais do que a UNITA teve no dia 24 de Agosto. Kaulza de Arriaga extinguiu o MIRN porque Portugal estava de novo em boas mãos. Sabem quem pertenceu ao Governo? O Tio Célito, estremecido amigo de angolanos e moçambicanos.

Mário Soares era um bom branco, apadrinhou o Savimbi e seus crimes hediondos contra o Povo Angolano. António Costa é bom rapaz. Por isso me dou ao trabalho de lhe dizer que está tragicamente equivocado. Portugal tem de pedir perdão ao Povo Português e aos Povos das suas antigas colonias, pela Guerra Colonial no seu todo. 

A Guerra Colonial foi um tremendo massacre! Durante 13 anos, as tropas portuguesas mataram em Angola, Guiné-Bissau e Moçambique mais de um milhão de seres humanos. Causaram pelo menos dez milhões de refugiados. Semearam a fome, a doença e a miséria. Mataram, prenderam, torturaram e humilharem milhares de nacionalistas do MPLA, do PAIGC e da FRELIMO. Enclausuraram milhares de cidadãos das ex-colónias em campos de concentração tenebrosos, como Tarrafal, Missombo ou Bentiaba (São Nicolau).

A vossa guerra colonial, senhor António Costa, foi um dos maiores massacres que alguma vez aconteceram na História Universal. O Orçamento Geral do Estado Português dispunha de 40 por cento para as forças armadas matarem negros nas colónias. Para desgraçarem a vida a 200 mil jovens portugueses que de dois em dois anos iam matar na Guerra Colonial. Mais os jovens angolanos, guineenses, e moçambicanos que iam cumprir o serviço militar obrigatório para ajudarem nas matanças. Peça perdão pela vossa Guerra Colonial. Ninguém aceitaria que o chanceler alemão pedisse perdão pelos massacres no campo de concentração de Dachau e esquecesse os outros todos. Ignorasse o Holocausto.

O maior Holocausto da História da Humanidade aconteceu nas antigas colónias portuguesas, senhor António Costa. Milhões de escravos vendidos. Milhões de “contratados” mortos com trabalhos forçados e à fome nas roças e plantações. Milhões de combatentes mortos nas guerras de ocupação, sobretudo em Angola e Moçambique. 

Os massacres de Viriamu fizeram centenas de vítimas inocentes. Os massacres que eu vi nas ruas da cidade do Uíje entre 15 der Março e início de Maio de 1961, altura em que saí daquele matadouro, vitimaram muitos milhares de civis angolanos desarmados. No dia 11 de Novembro de 1975, Ngola Kabangu, dirigente da FNLA, presidiu naquela cidade a uma cerimónia alusiva à Independência Nacional. A seu lado, estava Ferreira Lima, o ricaço que mobilizou e financiou as milícias dos colonos que mataram milhares de civis inocentes nas ruas da capital do então distrito do Uíje. Por isso, a FNLA tem uma votação residual nos sucessivos actos eleitoraqis. Não ai do um por cento. 

Por muito pior, a UNITA jamais ganhará eleições em Angola. Porque representa o colonialismo português. Porque serviu de biombo às agressões armadas do regime racista de Pretória durante a Guerra pela Soberania Nacional e a Integridade Territorial. 

Senhor António Costa, peça desculpa todos os dias pela vossa Guerra Colonial. Não se escapem por pequenos episódios sangrentos e desumanos para fingirem que o colonialismo não foi o mais grave crime que alguma vez foi cometido contra a Humanidade. Para fingirem que Portugal não foi um país esclavagista. Para fingirem que não cometeram genocídios em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau. Para fingirem que não fizeram tudo, deliberadamente, para arrasarem o fabuloso Mosaico Cultural Angolano. Para fingirem que hoje não são financiadores e mentores da RENAMO e da UNITA. Para fingirem que são nossos amigos.

Não insultem a nossa inteligência. Não faltem ao respeito aos combatentes portugueses antifascistas. Aos militares do MFA, o quarto movimento de libertação de Angola. A todo o Povo Português que viveu décadas sob uma feroz ditadura fascista e colonialista. Sabe que mais, senhor António Costa? Metam as vossas desculpas pelo cu acima! 

*Jornalista

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