O jornal holandês "De Groene Amsterdammer" publicou testemunhos de alegadas vítimas de abusos sexuais, quando eram menores, crimes que terão sido cometidos durante vários anos pelo ex-administrador apostólico de Díli e Nobel da Paz Ximenes Belo.
Na sua edição online, o jornal explica ter ouvido várias vítimas e 20 pessoas com conhecimento do caso, incluindo "individualidades, membros do Governo, políticos, funcionários de organizações da sociedade civil e elementos da Igreja".
"Mais de metade das pessoas pessoalmente conhece uma vítima dos abusos e outros têm conhecimento do caso. O "De Groene Amsterdammer" falou com outras vítimas que recusaram contar a sua história nos media", refere a jornalista Tjitske Lingsma.
"O Paulo e Roberto", as duas alegadas vítimas entrevistadas para o artigo, "conhecem outras vítimas", refere o jornal, um dos principais semanários do país.
O jornal explica que as primeiras investigações a este alegado abuso remontam a 2002, quando um timorense denunciou que o seu irmão era vítima de abusos. Em novembro desse ano, Ximenes Belo anunciou a sua resignação do cargo.
Os alegados abusos terão começado ainda antes de Ximenes Belo ser nomeado bispo, quando ainda era superior nos Salesianos de Dom Bosco, na década de 1980.
Os timorenses citados no artigo referem alegados abusos cometidos na década de 1990. Hoje com 42 anos, Paulo, como uma das vítimas é identificada, alega que quando ainda era menor foi alvo de abusos sexuais na casa de Ximenes Belo, por troca de dinheiro.
Algumas primeiras denúncias dos alegados abusos foram dadas a conhecer a jornalistas no início do século, como nota o jornalista. Formalmente, porém, não há detalhes públicos sobre se as denúncias chegaram a ser formalizadas quer junto das autoridades policiais quer junto do Vaticano.
Ainda assim, os contornos da saída de Ximenes Belo de Timor-Leste, em novembro de 2002, nunca foram totalmente clarificados pelo Vaticano, com o assunto a tornar-se tabu no país.
"Estou a sofrer de fadiga mental e física, o que requer um longo período de recuperação", referiu Ximenes Belo num comunicado em que informava ter escrito à Santa Sé solicitando a renúncia do cargo de Administrador Apostólico de Díli, função que exercia desde 1983.
"Tenho vindo a sofrer de esgotamento, cansaço físico e psicológico, pelo que necessito de um longo período de repouso em vista de uma recuperação total da minha saúde", referia o comunicado, citado então pela Lusa.
Ximenes Belo, hoje com 74 anos, explicou que o seu pedido - escrito com base no Cânone 401 do código de direito canónico - foi aceite pelo então Papa João Paulo II.
Em entrevista à agência de notícias católica UCA News, em 2004, explicava que saiu do cargo em Díli para ser sacerdote assistente em Moçambique, estando atualmente a residir em Portugal.
A saída de Ximenes Belo de Timor-Leste causou grande surpresa na sociedade timorense, porque, até então, o bispo nunca havia indicado essa vontade de abandonar o cargo.
Em 2020, em declarações à Lusa, um elemento superior da Igreja Católica em Díli, que solicitou o anonimato, escusou-se a revelar se houve ou não uma demissão formal de Ximenes Belo pelo então Papa João Paulo II.
A mesma fonte referiu-se, porém, ao que disse serem "instruções" para "ter um perfil baixo, não viajar, não mostrar insígnias episcopais, ter uma atitude modesta".
Parte do silêncio sobre o Nobel da Paz deve-se, admitiu a mesma fonte, ao facto da postura do Vaticano relativamente a abusos sexuais na Igreja ter mudado com os dois últimos papas, com a adoção de uma política de "tolerância zero".
"Houve esta progressiva consciencialização da Igreja sobre a gravidade do assunto e sobre a atitude, a reação que a Igreja deve ter para expulsar e corrigir ao máximo possível este crime dentro da igreja, especialmente dentro do clero", afirmou a mesma fonte.
"Isso foi particularmente assim, especialmente com o Papa Bento XVI e com o Papa Francisco. E a tolerância zero vale em todos os casos, e também em Timor", explicou.
Neste tipo de crimes, disse, independente do que possa ocorrer na legislação criminal dos vários países, para a Igreja "não há prescrição, e mesmo anos depois de investigados recebem a sanção jurídica e penal" da Santa Sé.
Jornal de Notícias, com agências | Imagem: Amin Chaar/Arquivo Global Imagens
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