Uma actualização da função pública incapaz de interromper a perda de poder de compra, corte nas pensões e mais benefícios fiscais para as empresas são algumas medidas propostas no Orçamento para 2023.
A proposta de Orçamento do Estado, detalhada esta tarde pelo ministro das Finanças, Fernando Medina, confirma a opção política do Governo de manter o papel de bom aluno de Bruxelas, sob pena de, por cá, aumentar a percentagem de trabalhadores e pensionistas com um poder de compra cada vez mais depauperado.
Exemplo disso são as actualizações que o Governo propõe para os funcionários públicos e que, advogou recentemente a Frente Comum de Sindicatos da Administração Pública (CGTP-IN), empurram os trabalhadores para a luta.
Ao contrário do que exige a estrutura sindical, de aumentos salariais de 10% em 2023, no mínimo de 100 euros por trabalhador, o Executivo de António Costa aponta para actualizações entre os 8% e os 2%, resultando numa subida média de 3,6% no próximo ano. Acontece que os trabalhadores da Administração Pública chegaram a Janeiro deste ano com uma perda acumulada de 15%, desde 2009. Tendo em conta a inflação que se perspectiva para 2022, de cerca de 7,7%, a percentagem sobe para cerca de 22%.
Outro aspecto em que a proposta do Governo, depois de concertada com UGT e patrões, deixa muito a desejar prende-se com a actualização do salário mínimo nacional para 760 euros, em 2023. Na prática, são pouco mais de 670 euros que se propõem a cerca de um milhão de trabalhadores (que auferem o salário mínimo), numa altura de brutal aumento do custo de vida. Dados do Gabinete de Estratégia e Planeamento do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, de Junho de 2021, mostravam que a incidência do salário mínimo nacional é maior entre as mulheres e os jovens com menos de 25 anos, bem como nas pessoas com habilitações até ao 3.º ciclo do Ensino Básico. Neste sentido, a proposta do Governo só contribuirá para agravar desigualdades.
O tema da actualização das pensões é outro ponto crítico deste orçamento, depois de o Executivo ter assumido que violaria a fórmula legal, gerando descontentamento entre reformados e pensionistas. A partir de Janeiro do próximo ano, em vez do mecanismo de actualização automática previsto na lei, que, a ser aplicado, ditaria aumentos entre os 7,1% e os 8%, o Executivo propõe incrementos entre 4,43%, para quem recebe pensões até 886 euros, e 4,07% para as pensões entre 866 e 2659 euros, com 3,53% para as restantes sujeitas a actualizações.
«Contas certas» e bónus vão para as empresas
Ao apresentar a proposta a Santos Silva, que será debatida na generalidade, na Assembleia da República, dias 26 e 27 de Outubro, Fernando Medina regojizou-se afirmando que este é um orçamento de «contas certas», através da redução da dívida pública e do défice.
Apesar da realidade com que os portugueses estão confrontados, e de o documento alimentar a dinâmica de fazer muitas contas à vida para tentar chegar ao fim do mês, o Governo reserva a capacidade existente para os grandes grupos económicos, desde logo atribuindo mais benefícios fiscais aos que cumpram com o dever de aumentar salários, entre outras condições. Neste sentido, o documento apresentado hoje pelo ministro das Finanças prevê uma majoração em 50% dos custos com a valorização remuneratória em sede de IRC e que alegadamente reduzam o leque salarial na empresa.
Apesar de, em resposta aos jornalistas, esta tarde, Medina ter argumentado que o Executivo estudará «todas as possibilidades», a verdade é que continua a fugir à taxação dos lucros dos grandes grupos económicos, em particular do sector da energia, e que estão a aproveitar os efeitos da guerra e da crise inflacionista, tal como não avança com medidas com vista ao controlo e fixação dos preços, de forma a aliviar a conta das famílias.
Em matéria de IRS, o Executivo propõe uma actualização dos nove escalões em 5,1%, com o segundo a descer dos actuais 23% para 21%, impactando os rendimentos acima.
AbrilAbril | Imagem: António Cotrim / EPA
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