Miguel Viegas | AbrilAbril | opinião
O caso de corrupção que envolve o Catar e o Parlamento Europeu já fez correr rios de tinta na imprensa nacional e internacional. Como é costume, pretende-se passar a imagem de um caso isolado, uma espécie de gripe sazonal, necessitando apenas de um mero paliativo para tudo voltar à normalidade. Para nós, este escândalo, envolvendo deputados, ex-deputados, pseudo-sindicatos e organizações não governamentais (ONG), é mais um exemplo que demonstra, até à saciedade, a natureza de classe da União Europeia, criada para defender os interesses dos grandes grupos económicos.
Quem conhece minimamente Bruxelas e as Instituições Europeias, está bem familiarizado com este corrupio constante dos lóbis representantes dos grandes interesses nos corredores das instituições ou fora delas. No Parlamento Europeu, são diários os contactos entre estes representantes do grande capital e os deputados e seus assistentes. Estes encontros decorrem muitas vezes no célebre café «Mickey Mouse», dentro do Parlamento Europeu, onde pacotes de emendas legislativas são comercializadas à vista de todos.
Não sabemos em concreto onde foram realizadas as «negociações» com o governo do Catar. O que sabemos é que foram detidas seis pessoas, entre as quais Eva Kaili, deputada grega dos Socialistas e Democratas do S&D, vice-presidente do Parlamento Europeu e estrela em ascensão dentro da social-democracia europeia. Na mesma operação, foi também preso Pier-Antonio Panzeri, ex-deputado europeu do S&D e atual presidente da Confederação Internacional de Sindicatos. Igualmente visado, foi o deputado veterano belga Marc Tarabella, também membro do S&D, cuja residência foi objeto de buscas. Para juntar à festa, não podiam faltar as habituais e «insuspeitas» ONG sempre prontas para servir de pontas de lança na denúncia de violações de direitos humanos, onde tal seja necessário e conveniente. Neste caso, duas estão envolvidas, a «Fight Impunity» e a «No Peace Without Justice» onde podemos encontrar grandes personalidades ligadas à União Europeia.
Em causa está a suspeita de corrupção dos acusados por parte do governo do Catar visando influenciar as decisões económicas e políticas do Parlamento Europeu a seu favor. Independentemente do inquérito que há de seguir o seu curso, não deixa de surpreender as posições públicas dos acusados relativamente à situação dos direitos sociais e laborais no Catar.
«O Catar é um exemplo em matéria de direitos laborais», declamava a deputada grega em plena sessão plenária a 22 de novembro deste ano, perante a perplexidade dos seus pares. Marc Tarabella, vice-presidente da delegação para as relações com a Península Arábica no Parlamento Europeu, depois de, em 2014, twittar furiosamente contra a atribuição ao Catar do mundial de futebol, mudou de opinião ao declarar mais tarde ao canal de notícias LN24, que «criticar o Catar» («Qatar-bashing» foi a expressão usada) era «ridículo e hipócrita» porque «o país tem feito enormes esforços, principalmente em termos de direitos laborais».
Não é a primeira vez que recaem suspeitas sobre a lisura dos processos legislativos dentro da União Europeia. Desde a década de noventa que assistimos a sucessivas operações de cosmética destinadas a iludir a opinião pública. Hoje existem imperativos de transparência que obrigam os deputados, comissários e funcionários públicos europeus a declarar os seus rendimentos e funções exercidas durante o mandato, e os relatórios sobre os interlocutores que escolhem envolver na sua reflexão. Existe também um Registo de Transparência, na forma de uma base de dados que lista neste momento cerca de 11500 organizações de lobbying que entram em contacto regularmente com os membros das instituições europeias. Contudo, nada se sabe, obviamente do conteúdo destes contactos, nem das contrapartidas e muito menos se sabe sobre o que se passa fora das instituições.
Não sabemos onde irá acabar este caso envolvendo o Catar, num momento em que surgem notícias semelhantes envolvendo o reino de Marrocos, cuja diplomacia sempre foi muito ativa em Bruxelas («a ponta do icebergue» segundo o Alberto Alemanno, professor de direito europeu em declarações ao Expresso). Contudo, estes episódios, certamente reveladores, são apenas a expressão concreta de uma União Europeia construída para servir os interesses das grandes multinacionais, todas elas bem presentes em Bruxelas onde os seus escritórios se encontram paredes meias com as suas instituições.
O autor escreve ao abrigo do Acordo Ortográfico de 1990
Imagem: Patrick Seeger / EPA
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