Joana Petiz | Diário de Notícias | opinião
Há governantes que aldrabam as próprias qualificações e antigos primeiros-ministros acusados de crimes que arrasam todos os pressupostos de confiança entre os eleitores e os que escolhem para os representar. Há familiares e amigos escolhidos para cargos e contratos importantes pela proximidade ou em pagamento de favores, descurando fatores como capacidade e competência. Há facilitismos e presentes e pagamentos feitos a titulares de cargos e órgãos públicos à vista de todos denunciados, debatidos e ultrapassados sem vergonha ou consequência. Há casos de polícia e outros que o deviam ser mas tardam em chegar aos tribunais, por incompetência, caducidade de prazos ou dificuldades dos meios policiais, judiciais e de investigação. Os casos que mancham a classe política portuguesa são generalizados e amplamente conhecidos. A incapacidade flagrante da justiça para os resolver com rapidez e de forma exemplar também.
Deixarmos seguir a farsa tem, porém, pouco de inocência. Não é espantoso que os portugueses considerem os políticos gente geralmente pouco séria, o que é incrível é que isso seja tacitamente aceite como um facto, e pronto. Ao ponto de se tornar o "rouba, mas faz" num argumento válido para a escolha de quem nos representa nos órgãos de poder.
No meio da podridão que retrata o estudo que a Fundação Francisco Manuel dos Santos publica, e de que o DN dá conta nestas páginas, há quem seja exceção; mas as barreiras que se erguem a quem não se move por interesses ou pelo menos é sensível à sua existência são tantas que os poucos que não estão comprometidos acabam por desistir da vida pública ou render-se a ser como os colegas que dão força à regra.
Esta degradação da imagem da classe política alimenta o populismo, conclui-se. Mas também dá vigorosos incentivos a que se propague esse tipo de comportamento aos que estão ao lado e abaixo, num infeliz contágio degradante que alimenta os tiques de chico-espertismo e a crença de que ninguém está a ser prejudicado com esses pecadilhos. Como a "burrice" de fazer obras em casa contra fatura - que deixa a empreitada muito mais cara do que se for feita nas costas do fisco. Ninguém sabe, ninguém sente... E é missão impossível fazê-los aceitar a ideia de que todos nós saímos prejudicados - mesmo que lhes revele os mais de 10 mil milhões de euros por ano estimados em perdas fiscais à boleia de fraude e fuga ao fisco em Portugal.
Os nossos políticos são "pouco sérios"? Mas há pouco quem os chame à pedra para assumirem erros e responsabilidades. Já lá vai o tempo em que até a mulher de César tinha de ser e parecer séria. Hoje, Júlio César teria um argumento falho para o divórcio. Se nem ao imperador se exigiria prova de caráter...
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