domingo, 18 de dezembro de 2022

Qatar 2022: Porque muitos afropeus (africanos-europeus) torcem por seleções africanas

Qatar 2022: Porque muitos afropeus (africanos-europeus) torcem por seleções africanas em detrimento das de países de nascimento ou acolhimento?

Alberto Monteiro de Castro*, Londres | Jornal Empoderado | Publicado em português do Brasil

O racismo, a história da escravidão e do colonialismo estão intrinsecamente ligados e são vistos, juntamente com a islamofobia, como algumas razões que poderão responder em boa medida ao título questionador deste texto sobre “fidelidades” e “infidelidades” para com um país/continente quando em causa está um evento esportivo, no caso a festa maior do futebol.

Está bem fresca na memória dos africanos a gigantesca e pronta onda de solidariedade dos europeus para com os seus irmãos ucranianos no conflito russo-ucraniano, em contraste com discriminação racial sofrida por originários da África tentando escapar da guerra.

Por seu turno os mídias ocidentais, ao politizarem a Copa (a BBC, por exemplo, preferiu ocupar espaço da cerimônia de abertura do evento planetário com debate hipócrita sobre a questão dos direitos humanos no Qatar sendo o Reino Unido um dos maiores beneficiários de investimentos qataris no mundo inteiro) contribuíram para reavivar e coletivizar sentimentos anti-colonialistas, principalmente no chamado sul global.

Quem acompanhou a final da Eurocopa de 2020 que colocou frente a frente as seleções da Inglaterra e da Itália, tendo esta saído vencedora na decisão por pênaltis, certamente se recordará dos intensos e odiosos insultos e ameaças racistas sofridos pelos jovens futebolistas ingleses que falharam a marcação do castigo máximo, nomeadamente Marcus Rashford, Jason Sancho e Bukayo Saka.

Mas não são apenas os atletas as únicas vítimas de insultos e agressões racistas e xenófobas em arenas do futebol europeu e fora delas. Os fãs do esporte-rei também não escapam. Em Portugal, o humorista angolano Gilmário Vemba foi alvo de ferozes ataques racistas nas redes sociais após postar em sua página do facebook uma foto celebrando a vitória do Marrocos sobre o time luso.

Ainda por terras lusas, a jornalista, socióloga e pan-africanista angolana Luzia Moniz, contatada pelo correspondente do Jornal Empoderado em Londres, contou que as maiores críticas que recebeu por seu apoio às seleções africanas vieram de algumas vozes africanas e diaspóricas defendendo que, quando em jogo de confronto direto, ela deveria prestar apoio solidário ao país de acolhimento e não aos países do continente de origem não falantes do português.

Aliás, no próprio continente nem todos terão torcido por Marrocos. Os que não o fizeram se justificam minimizando, por um lado, o papel pan-africanista do país magrebino nas lutas de libertação africanas e na construção da então OUA preferindo salientar, por outro, o racismo contra africanos ao sul do Sahara na sociedade marroquina e o comércio transariano de escravizados feito pelos árabes.

Porém, para que não houvesse equívocos, Walid Regragui, o franco-marroquino selecionador do país norte-africano, deixou bem claro em uma conferência de imprensa que qualquer vitória do seu selecionado seria uma vitória de toda África.

A propósito do trinômio futebol, identidade e política, resgato aqui um texto de 2013, muito pertinente e atual, da ensaísta, professora e investigadora natural de São Tomé e Príncipe, Inocência Mata, da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, num colóquio internacional sobre “Lusofonia Pós-colonial” no qual ela explica algumas das razões para melhor se compreender essas identidades fraturadas.

Publicado em 2015 na revista de Estudos Literários, da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra com o título “Lusofonia e História: Aferições de Pertença Luso Afónicas”, Mata problematiza a questão partindo da perspectiva da língua como um dos lugares da construção identitária, mas não o único construtor simbólico das identidades pessoais e coletivas.

Ela fala de suas próprias experiências quando em 1998 na final entre a França e o Brasil torceu por aquela seleção e na copa de 2006 no jogo entre o Gana e o Brasil apoiou o time africano, para incredulidade de colegas brasileiros e de um Embaixador de um país da CPLP que a chamou de jocosamente de “traidora”.

Link para a íntegra do textoLUSOFONIA E HISTÓRIA: AFERIÇÕES DE PERTENÇA LUSO-AFÓNICAS?

Foto de capa: Luís Guita / https://www.rfi.fr/pt/programas/convidado

* Também colaborador frequente de Página Global, que anteriormente assinava suas colaborações somente por Alberto Castro

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