A globalização perdeu o encanto e
as ideias do Consenso de Washington estão
Paolo Gerbaudo* | no Dissent | Imagem: Caspar David Friedrich, Divagando sobre mar enevoada (1818, detalhe) | Tradução: Vitor Costa | em Outras Palavras
Em A Grande Transformação, publicado em 1944, quando a Segunda Guerra Mundial ainda acontecia, o historiador econômico austro-húngaro Karl Polanyi analisou como os Estados responderam à implosão do sistema econômico internacional da Belle Époque. No rescaldo do crash de Wall Street em 1929, sociedades de todo o mundo tentaram desesperadamente superar o caos causado pelo desemprego vertiginoso e pela instabilidade monetária. Polanyi descreveu esse processo como um “movimento duplo” – um impulso para o reequilíbrio social, que se distanciava da economia de laissez-faire de um capitalismo altamente internacionalizado e movia-se em direção ao intervencionismo estatal. O bolchevismo, o fascismo, o nazismo e a socialdemocracia de Roosevelt e Leon Blum foram respostas diferentes ao mesmo dilema: como proteger a sociedade da força disruptiva do capitalismo desenfreado.
Há algum tempo, alguns
economistas vêm falando de um novo “momento Polanyi”: uma crise derivada da
globalização que levou ao surgimento de todos os tipos de sentimentos protecionistas.
Os crescentes limites à mobilidade e as preocupações com as cadeias de
suprimento que acompanharam a pandemia apenas aceleraram um realinhamento
político que começou na década de
A globalizaçõ não tem mais a mesma popularidade de antes. Nos Estados Unidos, a mudança ficou mais clara durante a guerra comercial de Trump com a China, mas este não é um tema só dos republicanos. A política comercial de Joe Biden também é protecionista: no início de seu período na Casa Branca ele emitiu diretivas de buy american que direcionam as compras do Estado para empresas dos EUA e se envolveu na disputa para garantir o fornecimento de semicondutores e minerais raros para os EUA.
A crença no livre comércio não é o único pilar da globalização neoliberal que está abalado. Figuras de todos o espectro político estão começando a abandonar suas críticas ao intervencionismo e ajuda estatal e a questionar a contenção de gastos públicos, o aperto da política monetária e o compromisso com a baixa tributação dos ricos e das corporações. A intervenção estatal pesada tornou-se amplamente aceita. No nível monetário, ela se dá com flexibilização quantitativa e grandes programas de compra de títulos; e no nível fiscal com déficit público e investimentos públicos maciços. A estratégia de transição verde, a que muitos países aderiram, envolve planejamento estatal para cumprir as metas de emissões de CO², uso de veículos elétricos e energia renovável. Por isso, revive uma das formas de intervenção estatal mais criticadas pelos neoliberais.
Em todas essas áreas, há um apelo à proteção contra os riscos sistêmicos criados pela globalização neoliberal. A proteção agora é invocada em toda parte – não apenas no sentido de protecionismo comercial, mas em tudo, desde política pandêmica e as discussões sobre como se adaptar às mudanças climáticas até os debates sobre política industrial e a necessidade de políticas de bem-estar social.
A direita populista parece ter chegado a um acordo com esse novo estado de coisas pós-neoliberal (e em alguns lugares contribuiu ativamente para urdi-lo). Desenvolveu uma estratégia que se concentra na proteção da identidade e da propriedade e formou uma coalizão que abrange desde a classe média alta e as pequenas empresas até os trabalhadores marginalizados. A esquerda, por outro lado, está em negação sobre a virada atual ou ainda indecisa sobre como responder a ela. Para avançar, a esquerda deve enfrentar um mundo em que a globalização neoliberal está em declínio e o intervencionismo estatal tende a se tornar cada vez mais importante. Em outras palavras, os progressistas precisam desenvolver suas próprias políticas de proteção.