sexta-feira, 8 de abril de 2022

ZÉ LENSQUI, O "HERÓI DO NOSSO TEMPO"

Fernão Campos [*]

Há melhor forma de comprovar-se dono do seu destino do que apontar a si próprio uma arma sem saber se está carregada e apertar o gatilho?

O Zé Lensqui gosta muito de armas (é esse aliás um dos problemas dele com os russos) mas nunca o faria.

O Zé Lensqui é um cóboi, não é um romântico.

O Zé Lensqui não é um herói-romântico como o personagem de Lermontov (ah, estes russos).

O Zé Lensqui não joga a roleta-russa.

O Zé Lensqui odeia tudo o que é russo (sobretudo a literatura).

O que Zé Lensqui faz é dizer aos ucranianos para jogarem à roleta-russa com os russos (os ucranianos fornecem as cabeças e os russos as pistolas – ou a carne e o canhão, respectivamente, se preferirem).

Mas não só. O Zé Lensqui também proíbe partidos políticos. 

Sob a alegação de que os mesmos são “pró-Rússia”, siglas como Oposição de Esquerda, União de Forças de Esquerda e Partido Socialista da Ucrânia foram banidas, enquanto partidos de ultradireita ligados a grupos neonazis, como o Pravyi Sektor e Svoboda, continuam imperturbados a instruir os ucranianos na  mais enigmática e inquietante forma de estupidez , o patriotismo, que consiste em convencer os mancebos (até aos 60 anos) de que há algo particularmente glorioso e edificante em jogarem à roleta-russa com o senhor Putin e as senhoras e  crianças na fuga em massa para toda a Europa ocidental onde, na melhor das hipóteses, serão a nova munição do capitalismo internacional para fazer baixar de vez o preço da mão-de-obra, perdão, o custo do trabalho.

Deve ser por isso que Volodymyr Olexandrovytch Zelensky, o Zé Lensqui, é o chuchu de quase toda a comunicação social ocidental, e um verdadeiro herói para o nosso  jornalismo-de-merda e para o bom povo que come gelados com a testa.

24/Março/2022

[*] Autor de Discurso sobre a Figueira, fernaocampos1@gmail.com

O original encontra-se em http://ositiodosdesenhos.blogspot.com/2022/03/ze-lensqui-o-heroi-do-nosso-tempo.html

Esta notícia encontra-se em resistir.info

TRÊS GUERRAS E O FUTURO DO PLANETA -- Boaventura

A guerra da Rússia contra a Ucrânia é a mais visível – mas não a única, nem a mais grave. O front econômico quer eternizar domínio do dólar e as lógicas do capital. E o midiático tenta dizer que certas vítimas são menos humanas do que outras

Boaventura de Sousa Santos* | Outras Palavras

Pensamos com o nosso saber e na nossa língua, mas também com o nosso corpo, a partir das nossas raízes, com as nossas emoções, no lugar e no tempo onde nos situamos. Também pensamos com a nossa ignorância desde que tenhamos consciência dela, com as nossas dúvidas desde que as não convertamos em cinismo, com as nossas ansiedades desde que não nos deixemos paralisar por elas. Pensar é, pois, difícil sempre que não se trate de repetir o que outros pensam ou que já está pensado. Há momentos na sociedade em que pensar se torna particularmente difícil. São os momentos de excessiva alegria triunfalista ou de excessiva angústia perante uma tragédia iminente, ou ainda de excessiva confusão perante acontecimentos com uma evidência tão ofuscante que produz cegueira. Nesses momentos, pensar refletidamente não é apenas pensar contra a corrente. É pensar contra a avalanche com o risco iminente de se ser arrastado por ela. Nos últimos dois anos, passamos por dois momentos deste tipo e é natural que a sociedade se sinta exausta e perplexa e quase a ponto de desistir de pensar. Os dois momentos são de natureza muito diferente, mas são igualmente avassaladores, pelo menos para quem vive na Europa. O primeiro momento foi protagonizado pela pandemia e traduziu-se num excesso de angústia ante uma tragédia iminente, a ameaça da morte própria ou de entes queridos, uma tragédia que surgiu na sociedade de surpresa e nos podia atingir pessoalmente a qualquer momento. O segundo momento é a guerra da Ucrânia em curso, um momento de tragédia para os que sofrem injustamente as consequências da guerra e de perplexidade ante o modo como um acontecimento certamente complexo tem sido analisado de modo tão grosseiramente simplista e com tanto unanimismo mediático. Não é de excluir que a sucessão tão próxima dos dois momentos contribua para o desarme intelectual e mesmo emocional que estamos a viver. Mas é importante não desistir de pensar, de pensar o impensado (porque ausente do que se ouve ou lê) e mesmo o impensável (porque conflituante com a obsessiva narrativa mediática). O meu exercício neste texto incide no segundo momento, a guerra da Ucrânia, até porque ao primeiro, a pandemia, já dediquei um livro (O Futuro Começa Agora. Da Pandemia à Utopia. Edições 70, 2020).

A narrativa única, bombardeada 24 horas por dia nos media do eixo do Atlântico Norte, em que devemos incluir o Brasil, a Austrália e o Japão, tem as seguintes características: a invasão não provocada de um país indefeso violadora do direito internacional e causada por um ditador sem escrúpulos; as graves consequências do regresso da guerra depois de quase oitenta anos de paz; um conflito em que a civilização se confronta com a barbárie, a democracia com a ditadura; o imperativo moral de tomar partido, não sendo admissíveis posições condicionais e muito menos neutras; trata-se de uma cruzada contra o mal e com o mal não se negoceia, elimina-se. Pensar no atual contexto é submeter ponto por ponto esta narrativa ao escrutínio da razão e da reflexão. Implica muitos riscos, nomeadamente o de ser considerado traidor, talvez ao serviço do inimigo. Certo destes riscos (aliás, já concretizados), atrevo-me a pensar. Mas, antes, quero referir os três mecanismos principais que são acionados para desacreditar a crítica à narrativa única.

O PÂNTANO E A FOGUEIRA

Esta lógica belicista não é de hoje e o rolo compressor já empurra todos para a barricada, ratificando o jogo nunca discutido eleitoralmente. Tal como na guerra no Iraque, infantiliza-se o conflito. 

João Ramos de Almeida | Ladrões de Bicicletas | em Setenta e Quatro

Há duas poderosas dinâmicas que fomentam a escalada de forças muito conservadoras.

Por um lado, há o pântano que afunda o país. Ele espalha-se com os efeitos cumulativos da União Económica e Monetária, alicerçada em políticas neoliberais que impedem o planeamento estratégico soberano e que cultivam a individualização laboral para baixar salários e reduzir o poder sindical. Tudo isso aprisiona a economia em sectores de baixo valor que perpetuam estagnação, desigualdades e geram o desencantamento de camadas intermédias, radicalizando-as à direita. Pior: nada disto é atacado pelo PS que ata erroneamente a palavra Socialismo a este pântano. Vinte deputados da extrema-direita económica são um sinal do que já se vê pela Europa.

Esta normalização não é um acaso: é um velho programa. Como escrevia o diretor do Expresso, João Vieira Pereira (11/2/2022), “a esquerda radical vai querer rapidamente reconquistar a rua. Rua essa que terá agora de partilhar com a direita radical”.  

A segunda dinâmica aproveita a guerra. Estigmatiza-se a esquerda, colando-a ao inimigo que se quer banir. A defesa da NATO surge – ao arrepio constitucional - como o teste do algodão. Quem critica quem combate o meu inimigo, meu inimigo é.

Angola | O MASSACRE DE CASSINGA E CHAMUTETE

Artur Queiroz*, Luanda

Dia 4 de maio de 1978. República Popular de Angola. O alto comando da África do Sul decidiu fazer uma operação militar combinada na vila mineira de Cassinga, província da Huíla. O alvo foi um acampamento de refugiados da Namíbia onde se encontravam milhares de civis, angolanos e namibianos. O regime de apartheid mobilizou aviões bombardeiros, helicópteros e companhias de paraquedistas. Nos bombardeamentos foram utilizados gases paralisantes.

Anos mais tarde, o general Jannie Geldenhuys, perito em invasões ao território angolano, revelou que o ataque a Calussinga e Chamutete foi “cuidadosamente preparado nos Media”. O objectivo era “criar a impressão de que a intervenção das SADF aconteceu a pedido da administração da Sudoeste Africano e os militares sul-africanos não mataram civis inocentes”.

A campanha incluiu a distorção das ações da SWAPO. Um batalhão de paraquedistas foi encarregado de tirar fotografias que apoiassem a causa de Pretória. Uma recomendação especial: “Quando fotografarem corpos de civis, devem colocar armas ao lado”. O general Janniee Geldenhuys lamentou que, apesar das recomendações, “foram tiradas fotografias de civis mortos, desarmados”. Por isso, surgiram dúvidas na própria África do Sul se a operação militar foi desencadeada contra um campo de refugiados ou uma base militar da SWAPO. 

A controversa Comissão Sul-Africana da Verdade e Reconciliação, no ano de 1998, 20 anos depois, sobre o massacre de civis em Cassinga e Chamutete, concluiu algo extraordinário: “Está claro que, do ponto de vista da SADF, Cassinga era uma instalação militar em vez de essencialmente um campo de refugiados ou uma instalação de trânsito de refugiados, como a SWAPO sempre afirmou. As provas fotográficas apresentadas à Comissão nos arquivos da SADF sugerem uma dimensão militar ao campo. Isto não pode, no entanto, ser tomado como prova conclusiva de que Cassinga era uma base militar”. 

CONTOS POPULARES ANGOLANOS

O Rio Invisível e os Caminhos Novos de Natula 

Seke La Bindo

Nas terras do Bailundo existia um rio sagrado que só corria de noite, rasgando a escuridão. De dia escondia-se na paisagem e as suas águas apenas eram vistas pelos que tinham a alma limpa e o coração amável. Os velhos diziam que foi a partir das suas águas que um dia Ndungula, o adivinho das montanhas, inventou o umbanda wesengu, feitiço tão forte que torna os homens invisíveis. Até dava aos ladrões o poder de roubar nas aldeias, à luz do Sol, sem serem vistos.

Ndungula era um oráculo e além de conhecer o leito do rio invisível convivia com os dias por nascer. Um dia, chegou à sua casa na montanha a bela Natula. Partiu da aldeia dos seus ancestrais e andava à procura de um lar para plantar a sua vida.

- Porque vive tão pobremente poderoso adivinho? – Perguntou Natula.

O adivinho respondeu:

- Tu que estás numa posição elevada, lembra-te que tudo é passageiro e cabe num instante. Mas podes passar muito tempo na miséria. Utumbu eteke, okusepuka ulima: Importância um dia, ser desprezado, um ano.

Natula achava-se a mais bela da aldeia. Mas também a mais forte. A sua lavra dava frutos para toda a família. E dos familiares nada recebia. Por isso decidiu criar raízes na grande montanha onde dorme a noite e brilha o Sol.

- O que deve fazer uma jovem que trabalha tanto e nada recebe em troca?

Ndungula fixou os olhos no horizonte e ficou em silêncio. Tinha à frente uma jovem que queria fundar uma nova aldeia, renegando os seus progenitores.

Sem encarar os olhos dela disse tranquilamente:

- A bela rapariga, por ser muito formosa, não pode desprezar os que a geraram. Um dia ela também vai ser mãe e avó.

Natula não ficou satisfeita com a resposta do oráculo. Queria ouvir palavras de incentivo a que fundasse a sua aldeia e construísse novos caminhos. 

- Eu sou a filha mais forte, minha lavra é a que garante comida na nossa mesa, perdi os progenitores, quero plantar uma árvore nas montanhas e criar a minha aldeia. 

Natula acabou de dizer estas palavras e olhou ansiosa para Ndungula, na esperança de que o adivinho lhe desse um sinal do futuro.

Mas o homem que inventou o poderoso umbanda wesengu não lhe abriu o caminho. Pelo contrário, amordaçou ainda mais o seu sonho:

- Manda esta montanha mergulhar no mar! Ela não vai obedecer. Ninguém é tão forte que mova montanhas. Podes criar o teu caminho mas nunca te deixes cegar pelo poder.

Ao ouvir isto, Natula partiu em direcção ao Poente e depois de muito andar encontrou um campo verde, muito aberto, entre as montanhas e o rio. Ali nasceu a sua aldeia. Foi buscar as irmãs e depois chegaram os rapazes em idade casadoira.

A aldeia de Natula tornou-se tão rica que atraía famílias de toda a região. Todos os que chegavam eram agasalhados e tratados como filhos. Um dia caiu sobre a aldeia uma violenta tempestade que arrasou as lavras. As enxurradas levaram a comida e quando a lama secou, chegou a fome. 

Natula foi pedir comida e dinheiro para sustentar o seu povo. Um dia pagaria em dobro tudo o que pediu. Mas as colheitas eram devoradas por terríveis pragas e a miséria instalou-se na aldeia luminosa de Natula. Os credores apresentaram-se para cobrar as dívidas e não havia um grão de milho na aldeia para pagar.

Natula vagueou por todos os caminhos, na esperança de encontrar novos credores. E cantava assim:

- Okwetu, a Ndajamba, nda oñiha eyo lyove há sifeti omanu v’okungavisila olofuka: Amigo elefante, dá-me por favor o teu marfim para eu pagar às pessoas que me estão a perseguir por causa das dívidas.

O seu canto ecoava na montanha mas até hoje, ninguém respondeu.

Desigualdades. O que está prestes a acontecer no Reino Unido é sem precedentes

Estudar as desigualdades na saúde tem sido o trabalho da minha vida. O que está prestes a acontecer no Reino Unido é sem precedentes

# Traduzido em português do Brasil

Michael Marmot* | The Guardian | opinião

A pobreza é literalmente uma questão de vida ou morte para aqueles que estão à margem, e o governo até agora não conseguiu intervir

Indignação. É fundamental para quem somos e nosso lugar na sociedade. Uma maneira de privar as pessoas da oportunidade de levar uma vida digna é tirar os meios para satisfazer suas necessidades materiais. É indigno ter que recorrer a bancos de alimentos para alimentar seus filhos; usar dois casacos dentro de casa contra o frio; pleitear contra o despejo por incapacidade de pagar o aluguel; negar às crianças uma festa de aniversário por causa do custo. As pessoas mais pobres do Reino Unido estão prestes a experimentar uma nova onda de tais indignidades. A esses ataques psicossociais se juntarão os efeitos nocivos físicos da pobreza.

O trabalho da minha vida tem sido estudar a relação entre condições sociais e desigualdades em saúde. No Reino Unido, uma década de austeridade prejudicou a saúde pública e piorou a equidade na saúde. Mas a crise do custo de vida – e o fracasso do chanceler em lidar com ela – é sem precedentes, com suas ameaças à saúde e ao bem-estar da nação. Um aumento de 54% no teto do preço da energia agora significa que uma família média pagará £ 1.971 por ano por gás e eletricidade, ao mesmo tempo em que o imposto municipal, as contas de água e o imposto sobre carros estão aumentando. Em outubro, espera-se um novo aumento, elevando a conta anual de energia para £ 2.300.

A família típica em idade ativa, de acordo com a Resolution Foundation, experimentará uma queda de 4% na renda , £ 1.100, em 2022-23. Certamente, pode-se pensar, 4% é quase imperceptível, dificilmente uma questão de vida ou morte? É se você estiver nas margens.

A Resolution Foundation dá o exemplo de um pai solteiro, com um filho, trabalhando 20 horas por semana com um salário baixo a médio. Em setembro de 2021, essa pessoa poderia ter uma renda de £ 18.265. A remoção precipitada do aumento do crédito universal reduzirá a renda em £ 1.040. O aumento do custo de vida até setembro de 2022 reduzirá mais £ 1.198 na renda. Com as mudanças do chanceler nos impostos e subsídios e aumentos salariais, a renda dessa pessoa em setembro de 2022 será de £ 17.681 a £ 584 a menos do que no ano anterior. (Por outro lado, um casal que trabalha em período integral, ambos com salário médio, verá sua renda líquida cair 1%, £ 392.)

A inflação de mais de 8% e o fracasso do governo em lidar com a crise do custo de vida das pessoas mais pobres – um solteiro desempregado terá uma queda de 15% na renda – colocará mais 1,3 milhão de pessoas, incluindo 500.000 crianças, abaixo a linha da pobreza.

Ao examinar os efeitos sobre a saúde e o bem-estar decorrentes dessa queda de renda, há pelo menos três considerações importantes: os efeitos diferenciais das perdas em relação aos ganhos; pobreza relativa e absoluta; e o valor fornecido às pessoas pelo bem-estar e serviços públicos.

A ITÁLIA ESTÁ EM GUERRA HÁ ALGUM TEMPO

# Traduzido em português do Brasil

Antonio Mazzeo* 

Discurso de Antonio Mazzeo na Conferência "Das Universidades aos Teatros da Guerra, bloqueamos a Cadeia da Morte", Turim, 18 de março de 2022, organizado pelo coletivo Cambiare Rotta Torino como parte do Sottosopra fest V Edição - Contra a guerra e o rearmamento!

Não quero ser pessimista, mas com toda a honestidade, a cada dia que passa, experimento em primeira mão a profunda preocupação de um conflito que está se espalhando. É um conflito que pode se tornar verdadeiramente total e global, além de obviamente nuclear.

Um conflito que já nos vê na vanguarda. A Itália está em guerra. E não estamos em guerra apenas porque esses cargueiros cheios de armas saem diariamente de Pratica di Mare ou Pisa, que serão entregues, não sabemos como e para quem - contentamo-nos em saber que são endereçados na Ucrânia, mas sabendo que ajudarão a estender e inflamar ainda mais a gravidade da situação.

Estamos em guerra porque as forças armadas italianas e o território italiano já são, neste momento, um território de guerra. É um território de onde partem continuamente operações provocativas e que contribuem para agravar situações de conflito.

Os camaradas do porto que falaram anteriormente nesta conferência sabem muito bem o papel que desempenham Génova, Livorno e La Spezia. Trieste, Pisa, tiveram nos últimos anos em conflitos armados, principalmente na área do Oriente Médio. De nossa parte, como Movimento NoMUOS, nos encontramos primeiro em Niscemi (sábado, 12 de março) e depois em Sigonella (domingo, 20 de março), dois lugares que, como no caso do Val di Susa, são precisamente o símbolo da condenação da os territórios, que são expropriados e eu diria violados para fins de morte e destruição. Fomos a Niscemi porque um dos quatro terminais terrestres do MUOS, o sistema de telecomunicações por satélite para uso exclusivo das forças armadas dos EUA, foi construído dentro de uma reserva natural, uma das áreas mais bonitas da Sicília.

França | Eleição presidencial 2022: os dois perigos de uma cédula

Jerônimo Fenoglio* | editorial | Le Monde

"O papel do 'Le Monde' não é apoiar um candidato", explica Jérôme Fenoglio, diretor do jornal, em seu editorial. Mas, perante o risco de abstenção, apelamos a todos que votem e afirmem que as candidaturas de Marine Le Pen e Eric Zemmour são incompatíveis com todos os nossos princípios.

Iniciada em tempos de pandemia e concluída em tempos de guerra, esta campanha presidencial suspensa entre dois perigos leva a um primeiro turno ameaçado por um duplo perigo. A primeira vem de longe, e nunca foi tão grande: a abstenção. As projeções para a votação de domingo, 10 de abril, sugerem um comparecimento que pode ser ainda menor do que o mais baixo registrado em 21 de abril de 2002 em memória desastrosa. A eleição da capital, que dominou nossa vida democrática por décadas, poderia, assim, constituir um novo marco em seu colapso.

Pode parecer tranquilizador considerar que é essa campanha truncada, com debates evasivos e o preço atingido pelos grandes eventos, que é responsável por esse aumento do desinteresse. Isso seria mentir. Tudo sobre os tremores dos últimos meses deve ter estimulado a polêmica eleitoral. A agressão da Ucrânia pelo exército de um Vladimir Putin que pretende aniquilar todas as liberdades que o ameaçam; as mudanças geopolíticas, as repercussões no setor energético, os riscos de escassez de alimentos daí decorrentes; os sucessivos relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) detalhando o desastre climáticoque toma forma e os caminhos que restam para limitá-la; as dezenas de milhões de mortes e doenças de longo prazo causadas por uma pandemia de Covid-19 que não vai desaparecer. Cada um desses assuntos poderia ter alimentado um debate sobre os esforços que estamos dispostos a fazer para defender nossa liberdade, proteger nossa saúde, preservar nossa espécie e seu ambiente natural. Mas também determinar os mecanismos compensatórios essenciais para que os mais frágeis e os mais expostos não suportem o peso dos sacrifícios.

França elege PR no Domingo. A escolherem Mácron, porque é o mal menor

Escolher o " mal menor". Como veem os franceses em Portugal as presidenciais de França?

Há cada vez mais franceses a escolher Portugal para viver, com a comunidade a ter um grande crescimento no país, nos últimos anos. Uma das regiões preferidas como destino é a zona das Caldas da Rainha. A União dos Franceses no Estrangeiro tem mesmo um núcleo na região Centro-Oeste.

Judith Vicente mudou-se para Portugal há 15 anos, em busca de uma qualidade de vida que não tinha em França. Escolheu as Caldas da Rainha, onde a comunidade francesa se tem multiplicado.

"Quando vim para Portugal, inscrevi-me logo na UFE [a União de Franceses no Estrangeiro]. Depois conheci muitos franceses e a gente convivia muito (...).Há 15 anos éramos só oito pessoas, agora são quase 100 pessoas", conta.

União de Franceses no Estrangeiro tem um núcleo na região Centro-Oeste. Judith conta que falam "muito de política". À distância, esta francesa tem acompanhado a campanha em França.

Voldymyr Zelensky fala ao Parlamento português depois de polémica na Grécia

O Presidente ucraniano aceitou o convite para discursar, por videoconferência, na Assembleia. Marcelo e Santos Silva convidam.

Volodymyr Zelensky, Presidente da Ucrânia, aceitou o convite da Assembleia da República para discursar no hemiciclo. “Recebi esta manhã a senhora embaixadora da Ucrânia [Ihna Ohnivets] em Lisboa, que me transmitiu a disponibilidade do presidente Volodymyr Zelensky para participar numa sessão da Assembleia da República. A data será agora acertada”, anunciou o presidente da Assembleia da República na sua conta na rede social Twitter.

O convite a Zelensky foi feito por Marcelo Rebelo de Sousa, em articulação com Augusto Santos Silva, depois de os deputados terem aprovado a proposta do PAN na conferência de líderes com a oposição do PCP.

Os comunistas consideraram que a proposta da sessão solene com o Presidente ucraniano contraria o papel da Assembleia da República “em defesa da paz”, promovendo “a escalada da guerra, a confrontação, conflito e corrida ao armamento”.

Zelensky já discursou perante dezenas de parlamentos, e esta quinta-feira, na Grécia, a sua intervenção foi motivo de controvérsia, ao apresentar um vídeo com uma mensagem pré-gravada de um combatente ucraniano com raízes gregas, pertencente ao Batalhão Azov, uma milícia paramilitar neonazi, fundada em 2014 por voluntários de extrema-direita que combatiam as forças russas na região de Donbass e, mais tarde, formalmente integrada nas forças armadas ucranianas.

ZELENSKY, O NOVO LÍDER DA UCRÂNIA À VISTA DO NYT

# Traduzido em português do Brasil

Sophie Pinkham | NYT*

Estrelar um programa de TV é mais fácil do que comandar um país

A série de televisão ucraniana Servo do Povo, que foi ao ar de 2015 até este ano, é a história de Vasyl Holoborodko, um dedicado professor de história de trinta e tantos anos que mora com os pais. Seu pai é motorista de táxi, sua mãe neurologista e sua irmã condutora de trem. Essa mistura de profissões familiares seria surpreendente em um cenário americano, mas é perfeitamente lógico na Ucrânia, onde os médicos do setor público pertencem à classe média baixa sitiada, na melhor das hipóteses. (O salário médio de um médico ucraniano é de cerca de US$ 200 por mês.) Vasyl é divorciado, com um filho pequeno: seu casamento foi destruído por preocupações financeiras. Seu pai diz que ele está perdendo tempo indo trabalhar, já que o seguro-desemprego é maior do que o salário de um professor. A família tem um apartamento classicamente soviético que foi dado à avó materna de Vasyl em reconhecimento às suas realizações como historiadora; está localizado em um decrépito Khrushchevka , um dos muitos complexos de apartamentos de construção barata que brotaram como cogumelos nos arredores das cidades soviéticas na década de 1960.

Por mais mal pago que seja, Vasyl tem uma paixão genuína por sua profissão: ele fica acordado até tarde lendo Plutarco e adora presentear quem quer que o escute com palestras sobre história. Em um episódio inicial, nós o vemos ensinando seus alunos adolescentes sobre Mykhailo Hrushevsky, chefe do parlamento revolucionário de 1917-1918 durante o dolorosamente curto primeiro período de independência nacional da Ucrânia. Antes que a aula sobre Hrushevsky termine, um funcionário da escola chega para dizer que a aula foi cancelada; os alunos têm que pregar cabines de votação para a próxima eleição presidencial. Vasyl perde a paciência e um dos alunos filma disfarçadamente seu discurso cheio de palavrões sobre como a história importa – ao contrário da eleição, que é uma farsa que não oferece escolha significativa e nenhuma saída para a corrupção que assola a Ucrânia.

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