Domingos de Andrade* | Jornal de Notícias | opinião
A maioria absoluta de António Costa teve um início singular, precisamente porque não começou no início. Começou sete anos depois de o Partido Socialista ter desenhado o acordo parlamentar que lhe abriu as portas de São Bento, em 2015.
Esta talvez tenha sido a peça que faltava para perceber a situação política em que um governo suportado por uma maioria absoluta, de um só partido, se encontra. Sim, o Governo está bambo. E treme por culpa própria. Mas treme mais porque após sete anos de desgaste político consecutivo fez questão de acrescentar descoordenação e um sentimento perigoso de impunidade.
Vamos lá a dois números, para ficarmos por aqui. Trezentos mil euros depois de dinheiro público ter sido adiantado a um promotor para um centro "transfronteiriço", que o país desconhece, o secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro, a custo, demitiu-se.
Quinhentos mil euros depois de uma indemnização atribuída a Alexandra Reis por uma empresa que custou aos contribuintes uma fortuna, e que despediu 25% dos seus trabalhadores, a secretária de Estado do Tesouro escolhida por Fernando Medina é demitida pelo ministro que a nomeou.
Com isto cai a alma mater da geringonça. Pedro Nuno Santos, que resistiu ao decreto do aeroporto, não aguentou o lugar de ministro depois do dinheiro recebido pela secretária de Estado de Medina, e decide bater com a porta. Mas Medina não.
O primeiro-ministro, em nome da "estabilidade das políticas", divide o Ministério e promove dois secretários de Estado do PS. O objetivo não foi trazer nada de novo quando ainda teria quatro anos pela frente. E o problema pode estar aí, porque o sucesso das políticas é medível.
Curiosamente, é numa altura de peculiar debilidade política, em que se esperaria outra exigência ao chamamento político para o Governo, que António Costa decide privilegiar a estabilidade do PS, mais do que qualquer propósito de governação pública do bem comum.
Marcelo, que segura Costa após 12 saídas de governantes em nove meses (duas por motivos de saúde), já não tem como evitar estreitar a porta da estabilidade. Nem tudo é suportável. O aviso foi lançado.
Pelo meio, há um país que observa, que sente o peso da inflação, que enfrenta a subida da prestação da casa, e que quando precisa do Estado e o Estado lhe falha não tem direito a indemnização.
São os ingredientes de uma queda.
*Diretor-Geral Editorial
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